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Giovana Amorim: Negra de pele clara, menina mulher

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                                                                                        Fonte: Helena Ortega e Vandressa Veline

“Eu acho que tipo poder estar trabalhando com essas pessoas, indo lá sempre, trocando ideia com pessoas que estão nessa situação de rua e aí elas também se reconhecerem como participantes de um negócio que elas não tão acostumadas a ter o espaço de discussão”. Nos conta Giovana Amorim, sobre o seu projeto
Fatos da Rua.
Desde o início da nossa graduação, pudemos perceber que a faculdade é um ambiente onde as opiniões, ideologias e crenças borbulham. Pessoas de vários tipos, vestimentas, gostos, ideias, estilos. Infelizmente ainda não é um ambiente tão colorido, mas o quadro vem mudando ano após anos. Ainda bem.
E no meio desse ambiente fértil, efervescente, eis que surge para nós uma mulher de preto, dreads, negra de pele clara. Militante, inteligente, forte. Nossa veterana do curso de Jornalismo, mais nova que nós, mas tão mais experiente. Empoderada. Esse é o adjetivo que a define, concordamos com isso enquanto escrevíamos seu perfil. Giovana. Giovana Amorim. Sua boca sempre aberta em momentos sérios, para risadas engraçadas, tragadas de cigarro e goles de bebida.
Apesar de sermos mais velhas que nossa perfilada, é impactante o quanto aprendemos muito mais em discussões em que a Giovana e outras colegas de faculdade estavam presentes, sobre a desigualdade de gênero, do que em textos que já havíamos lido, ‘textões’ do facebook. Enquanto escrevemos esse texto, percebemos, cada vez mais, como faz diferença na vida de uma mulher contar com outras que ajudam a compreender melhor o mundo. Mas por quê Giovana? Além do impacto que nos causou nos nossos primeiros anos de graduação, ainda era para nós uma figura inatingível.
Passado alguns anos, a oportunidade de realmente conhecer Giovana surgiu. Um amigo que temos em comum passou a dividir o mesmo teto que ela. Até aquele momento, frequentar debates em que ela estava eram oportunidades valiosas para aprender mais sobre música, política, sociedade. A partir disso, esses momentos começaram a fazer parte da nossa rotina, eram nossos almoços de domingos, conversas no bar, momentos assistindo filmes junto. Quanto mais o tempo passou, maior ficou a admiração por ela, pois cada vez, de pouco a pouco, algo sobre ela se revelava.
Ao mesmo tempo mulher e menina. Como Giovana é tímida! Sua voz é maravilhosa, e é de conhecimento entre todos nossos amigos que ela tem jeito para cantar. Aquela figura empoderada e inteligente é tímida, ainda bem que isso não a atrapalha na hora de se impor e de demonstrar suas ideias, pois que pena seria não saber sobre elas.
Há mais ou menos dois anos, Giovana com outros colegas resolveram dar voz a quem não é dado nem dignidade. Com o projeto Fatos da Rua, as pessoas em situação de rua em Bauru puderam revelar suas pautas, virar agenda. Em poucos meses de projeto foram atendidos pelo prefeito, foram notícia no jornal da cidade. Esse exercício de ouvir e de construir notícias para aqueles que têm pouco ou nada é algo muito natural para ela. “Eu vejo como o trabalho da minha vida, que é a coisa que eu mais gosto de fazer, que é muito difícil de fazer e tem momentos que é muito desesperador, tipo parece que não vai dar certo e que nada vai funcionar, e que já não tá funcionando e que as pessoas não tão em contato como a gente gostaria. Então dá para perceber que as pessoas se sentem muito mais humanizadas assim, se sentem bem mais reconhecidas e confortáveis entre si também por que elas acabam se conhecendo mais. E eu acho que trazer um projeto assim para uma cidade que é muito coronelista e bem conserva e tem umas bases bem divididas entre quem tem grana e quem não tem, quem tá de passagem e quem não tá e quem é estudante e quem não é”.
Giovana é natural de Marília, cidade próxima a Bauru. Vem de uma família grande, que também passa por alguns perrengues financeiros, vencidos com muito suor e batalhas diárias.  Estar na faculdade, na opinião dela, já é um ato de resistência. E realmente é. Em 2017, para os mais de 37 mil alunos de graduação da UNESP, foram oferecidos 1240 vagas em moradias estudantis, e 3370 bolsas BAAE (Bolsa de Apoio Acadêmico e de Extensão I) e outros  tipos auxílios. Esses outros auxílios elencados oferecem de R$ 75 a R$ 350. Em contrapartida, a busca por auxílios foi feita por 5530, e esse número só cresce ano após anos, enquanto a oferta de bolsas diminui.
Ela se mantém como freela trabalhando em bares e festas, com estágios, e com bolsas-auxílio em projetos como o Fatos. Durante toda a faculdade foi dessa forma que se sustentou.

  • Gi, que tu acha dos cortes previstos para a pesquisa, previsto para o ano que vem?
  • “Se você não tiver uma universidade pública disposta a abrir e possibilitar que você abra o seu conhecimento para fora, então tipo se você não tiver auxílio para pesquisa, mano quem que vai pesquisar sobre um assunto que tipo vai realmente, sei lá, dizer alguma coisa em relação, a sociedade precisa. Como que você vai pesquisar em favor das outras pessoas ou em favor de uma causa se você não tem ou você vai ter que se preocupar com sua vida fudida, você não consegue se manter na universidade. Então esse conhecimento nunca vai ultrapassar a barreira da universidade, vai ficar sempre ali dentro, com quem consegue ali, quem conseguir sei lá fazer um tipo de pesquisa que não precisar de auxílio. E aí pronto! a universidade vai deixar de ser produtora de conhecimento, vai deixar de ajudar quem mantém a universidade”.

Retrocedendo um pouco no texto, combinamos com a Giovana que ela seria nossa perfilada, e ela quase nos negou essa oportunidade de saber um pouquinho mais sobre ela. Mas, finalmente, por saber das dificuldades impostas por alguns contratempos da faculdade, afinal é nossa veterana, ela topa.
Sentou-se com a gente, acendeu o cigarro e começou a contar um pouquinho mais sobre ela. Os primeiros instantes da conversa são os mais travados. Pouco tempo depois ela já está gesticulando bastante com as mãos, intercalando as tragadas no cigarro com suas opiniões. Finalmente temos a oportunidade de entender os caminhos que construíram essa fortaleza de emoções, de ideias, e posicionamentos. De uma forma geral, percebemos que certas histórias, certos caminhos, certas discussões familiares são relatadas por quase toda mulher, que depois tornar-se feminista.
Uma das perguntas que nunca surgiram de forma natural entre tantas conversas que já tivemos revela-se nessa ‘entrevista’. – Giovana, por que tanto preto? Tu é rockeira, gótica? – Não, me sinto apenas confortável, bonita. É uma cor que me faz bem, e sou na verdade mais do rap, hip hop mesmo. E então ela conta como a música surgiu em sua vida, depois de alguns anos em uma religião que proibia o contato com rádio e televisão. A inspiração veio do irmão, que gostava de ouvir Racionais e Charlie Brown. “Hoje meu irmão tem um filhinho, muito lindo e trampa com várias coisas, toda a vez que volto pra casa ele quer ser alguém diferente”.
Algo que fomos nos dando conta, durante a entrevista, foi de que demoramos muito para conseguir essa aproximação com ela, e mais ainda para descobrir quem é Giovana. Mais do que nunca ela está mais perto da conclusão da graduação, já entregou seu pré-projeto de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) e pretende entregar finalizar essa etapa ainda neste semestre. Mas como ficam os projetos, como os Fatos? “A gente já deve dois processos seletivos [para inserir novos integrantes] desde que começou, por que justamente a galera vai se formando, tem o pessoal que criou o jornal com a gente que já se formou e atualmente assim conversa com a gente sobre, mas tá fazendo outras coisas e não está mais no projeto e aí a ideia é essa, é passar o projeto [para outras pessoas] o máximo que ele conseguir. A gente conseguiu o PROEX [Programa de Extensão Universitária] esse ano e eu estou me mantendo com a bolsa da PROEX, por exemplo”. E o futuro, Giovana, e quais são os planos ou sonhos? “Eu queria muito conseguir alguma vaga de trampo mais perto de São Paulo. Primeiro que eu queria muito trabalhar com revista e coisas que mexam com fotografia diretamente também e eu queria muito ter alguma parte da minha vida que fosse voltada pra música . Mas, bom, eu acho que por enquanto assim logo que acabar a faculdade eu vou ficar aqui em Bauru e tentar produzir mais para ter um portfólio de um negócio para apresentar mais pra frente e aí depois eu vou tentando jogar meu trampo mais longe. O meu sonho real assim, da minha vida, se fosse para eu falar um sonho, eu queria morar na Bahia e queria ter muito contato tipo com a galera historiadora de lá e com origens nesse sentido da história da galera que veio para cá escravizada. Acho que esse é meu sonho assim, conseguir um trampo lá, onde eu possa também expressar minha ideia social do bagulho. Eu acho que isso é muito importante pra mim, eu acho que eu vou ser sempre miserável em um trampo que eu não conseguir expressar isso. Que eu tiver que ficar presa em um editorial conservador ou alguma coisa do tipo, e viajar assim bastante”.
Vai deixar saudades, assim como a letra de sua música favorita. Mas vai seguir fazendo a diferença, tocando cada um que encontrar. Sorte da Bahia, que vai ganhar mais uma guerreira, quem sabe até, mais uma cantora. Ela vai com certeza seguir sem pilantragem, vai honrar e provar, pois vai seguir com os deuses (ou com a Deusa, quem sabe).
 

Redação

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