Por João Pedro Ferreira e Julia Bacelar
Durante as contantes brigas nas redes sociais no período das eleições de 2014, virou meme a expressão “vai para Cuba“. Sentença destinada a quem se inclina mais à esquerda, a frase virou bordão dos protestos de rua.
A bandeira cubana hasteada em… Cuba! (Foto: João Pedro Ferreira)
Mas aparentemente o brasileiro não levou tão a sério o grito de ordem. No ano de 2014,
19.513 turistas brasileiros tiveram como destino a ilha caribenha governada por Raul Castro, classificando o Brasil entre os 20 países que mais visitam Cuba, segundo dados do
Escritório Nacional de Estatística e Informação de Cuba.
O número é pequeno, se comparado com destinos como os Estados Unidos (2,06 milhões de turistas brasileiros), Argentina (1,08 milhão) ou até mesmo um país tão próximo a Cuba, como o México (265 mil). O número de visitantes foi informado pelo
Ministério do Turismo brasileiro e se refere ao ano de 2013.
Em junho de 2015, fui um destes brasileiros a se aventurar na ilha comunista. Sem planejamento prévio e no susto. A oportunidade de participar de um Congresso Latinoamericano de Extensão Universitária em Havana parecia tão distante de ser aprovada, mas aconteceu, aos 45 segundos do segundo tempo. Pouquíssimo tempo antes da viagem o dinheiro foi liberado e pude ter a certeza de que estaria lá, na minha primeira viagem internacional.
Primeiros passos… a 120km/h!
No susto e no desespero, há poucos dias de pegar o avião, não tinha tempo ou dinheiro para requisitar uma agência de turismo para me auxiliar. A única coisa que fiz a distância foi a reserva de um translado do aeroporto (muito distante da cidade) na ida e na volta do hotel, escolhido por meio da razão
custo x comentários mais favoráveis em sites estrangeiros que mostram classificações de hospedagem.
Destino: Aeroporto Internacional de Havana (Foto: João Pedro Ferreira)
Tanto o hotel, o
Paseo Habana, quanto a empresa do translado, a
Havana Tur, foram indicados pelo site do evento. Havia um peso de responsabilidade nisso, mas e-mails confusos me tiraram a tranquilidade até que eu finalmente chegasse lá e fizesse o pagamento, pouco antes do final da estadia.
Havia outras opções de estadia, como ficar na casa das pessoas. Isso é regulamentado pelo governo e os locais funcionam praticamente como
hostels. Eu não tentei arriscar essa modalidade.
Mas além de saber onde você vai ficar, se você quer visitar Cuba, há outros requisitos a serem cumpridos previamente aqui no Brasil. O país exigem visto dos visitantes brasileiros, válido por apenas 30 dias. É preciso que você apresente
passaporte, formulário de solicitação (disponível no site) e xerox da passagem aérea e pagar uma taxa, atualmente de R$62,00. O visto também pode ser solicitado por correio, caso você não possa ir a São Paulo, Salvador ou Manaus, locais onde o Consulado Cubano se instalou.
(Foto: João Pedro Ferreira)
Só pude ir a São Paulo no mesmo dia da viagem, pela manhã, exatamente no horário que o Consulado estava aberto. Felizmente, nada deu errado e eu saí de lá rumo ao aeroporto. A
Copa Airlines ofereceu no check-in do voo a compra do visto. A venda não é informada e nem confirmada em sites oficiais, mas é uma opção a mais caso algo dê errado na sua ida ao Consulado.
Apesar da falta de verificação deste requisito, oficialmente também é necessário ser vacinado contra a Febre Amarela e emitir o seu
Certificado Internacional de Vacinação (
veja os detalhes no site da Agência Nacional de Vigilância Sanitária). O mundo ainda sofria seriamente com o surto de ebola descontrolado e fui perguntado na saída do voo se tive algum contato com alguém da África. Quem negava, como eu, era liberado sem mais questionamentos e deveria seguir em frente.
Não há voo direto para Cuba saindo de São Paulo, entretanto as empresas aéreas Copa Airlines, Lan, Avianca, Aeroméxico e Tam oferecem conexões, normalmente rápidas, no Panamá, no Peru, na Colômbia e no México.
Pisando em Havana: Viva la revolución!
O espanhol é a língua oficial de Cuba, porém há pessoas treinadas para falar em inglês também, como praticamente em todo o país turístico. É possível enrolar um pouco no português e os cubanos são pacientes, mas para evitar problemas é recomendável visitar o país ao menos sabendo o básico da língua espanhola.
Carros antigos e modernos se misturam. Mas os antigos dão o tom que Havana realmente imprime. (Foto: João Pedro Ferreira)
Se você vai para Cuba por conta própria, é bom saber lidar com mapas de mão, aqueles típicos de turistas. Eles são bem informativos, inclusive com relação completa das ruas mais importantes do centro histórico da capital e demais locais próximos turísticos.
Eu saí do hotel no primeiro dia com fome e com um desses mapas na mão. Perguntei a um funcionário do hotel onde poderia comer ali perto e ele me indicou um restaurante próximo quando disse que era brasileiro. O restaurante se chamava “Brasileiríssimo”. Infelizmente a comida não passava perto do gosto brasileiro e nem se assemelhou ao que comi da comida cubana nos dias seguintes. Mas foi suficiente para matar a fome.
Não coma em um restaurante brasileiro se você não está no Brasil (Foto: João Pedro Ferreira)
Descobri nesse passeio despretensioso da tarde que a escolha do hotel tinha sido boa. O local, conhecido como Vedado, ficava a uma distância razoável e possível de ser percorrida a pé do centro e de outros locais interessantes. Estava bem próximo ao Malecón, a avenida Beira-Mar de Havana, e da Avenida de Los Presidentes, as duas avenidas com monumentos que merecem vários cliques e admiração. Muitos hotéis tem característica “resort” e ficam mais afastados, fazendo que você fique preso aos táxis e talvez não tenha a mesma liberdade desses passeios.
A Havana Velha
A visita a
La Habana Vieja provavelmente é o ponto mais alto da viagem para a cidade de Havana. É onde pulsa o velho coração histórico e monumental da cidade, que ainda resiste com todo o charme dos anos em que a arquitetura e os carros do local pararam. Se você quer visitar as praias de Cuba, é preciso sair da cidade, pois o litoral da parte urbana é poluído. Há destinos próximos, possíveis de ir de táxi ou ônibus turístico, ou então você pode agendar um dia em Varadero, cidade próxima litorânea com água cristalina.
O taxista que me levou para La Habana Vieja tinha seu amuleto (Foto: João Pedro Ferreira)
Sou uma pessoa de andar bastante, mas do meu hotel até Habana Vieja havia uma boa caminhada, que estava disposto a economizar para poder aproveitar por lá. Eram uns 5km de caminhada, o que fez também que o carro que pedi no hotel não custasse caro, afinal estava apenas do segundo dia de viagem e não tinha
CUCs sobrando.
Os CUCs são a moeda oficial para turistas em Cuba. Os habitantes da ilha utilizam os CUPs. O CUC, ou
peso convertível cubano, só é válido por lá, portanto você deve trocar novamente o dinheiro antes de deixar a ilha. Você pode trocar euro ou dólares (a moeda americana possui taxação extra, é melhor evitá-la) no aeroporto ou então em alguns hotéis. A cotação é bem salgada em valor ao real, visto que o CUC tem valor próximo a 1 euro.
Há preços por lá nos dois valores, mas turistas só usam o CUC. Um fato importante é sempre se atentar se você está recebendo seu troco em CUCs, pois os CUPs não valem quase nada comparado ao seu dinheiro.
O primeiro local fotografado ao descer do táxi (Foto: João Pedro Ferreira)
Pagando o taxista com meus suados CUCs no destino final (cujo local ele escolheu, visto que eu não conhecia nada), cheguei ao centro velho munido de uma câmera fotográfica, mochila, mapa na mão e cara de perdido. Ainda não havia entrado de cabeça na Velha Havana, mas ali começaria uma bela jornada.
A rua em que se localiza a famosa “Bodeguita del Medio” (Foto: João Pedro Ferreira)
Meus apetrechos e cara de perdido eram prato cheio para o que você vai ouvir a cada passo quando andar pelo centro velho. Não, eu não queria ajuda, guia, passeios, carona de bicitáxi, visita a fábrica ou loja de charutos ou qualquer outra coisa. Pelo menos por enquanto. Isso é algo que chega realmente a incomodar. Não houve perigo, mas a insistência das pessoas em tentar conseguir qualquer dinheiro que você possa pagar pela ajuda chega a ser irritante.
Olhando de cima dos prédios, as coisas são mais diferentes em Havana Velha (Foto: João Pedro Ferreira)
Fui caminhando pelas estreitas ruas, vendo pequenas lojas de lembranças, igrejas, restaurantes, muitos outros turistas das mais diversas nacionalidades. A Plaza Vieja foi uma das que mais chamou atenção. Mas foi possível perceber uma Havana em reforma, Principalmente em um dos mais belos prédios do local, o Capitólio. Imponente, ele era minha referência visual que guiava onde eu estava, juntamente com o mapa. Ele estava totalmente cercado por tapumes indicando reforma. Quando cheguei por lá, uma outra curiosidade, um portal para o
Barrio Chino. Achei surpreendente, mas não me atrevi a entrar lá, pelo menos por enquanto.
Imponente, mas em reforma (Foto: João Pedro Ferreira)
Não entrei no bairro chinês, mas me disseram por lá que chinês é o que menos tem nesse bairro (Foto: João Pedro Ferreira)
Do Capitólio resolvi caminhar pelo belo Paseo de Martí. Após horas andando no sol e sem comer, o passeio havia começado a me cansar. Atraído por um Museu da Revolução, resolvi sair do Paseo ir ver se o museu valia a pena.
Não entrei no museu. Na porta fui convencido por um simpaticíssimo motorista de bicitáxi, o Alex. Feliz com a minha presença ali, conseguiu me convencer com seu carisma a passear com ele pelo centro e, nas palavras dele, “
conhecer a verdadeira Havana”. Foi um convite irrecusável, mas eu não tinha dinheiro ali para pagar sequer uma hora do valor que ele cobrava. Sabendo do meu interesse, ele aceitou me mandar até o hotel de carro para buscar o valor suficiente para fazer tudo o que tinha para fazer por ali, desde a compra de souvenires, chocolate, alimentação e bebidas. Mantive-me desconfiado a todo momento, mas o convite era irrecusável.
A Bicitáxi está pronta para me levar (Foto: João Pedro Ferreira)
Bicitáxi
Além dos carros antigos, Havana mantém como forma de transporte
Cocotáxis (lambretas em formato de Coco com dois lugares para se sentar atrás do motorista) e os bicitáxis. Os bicitáxis possuem modelos no estilo mais carruagem, com cobertura do sol, e outras no melhor estilo carroça. Eu acabei ficando no modelo sem cobertura mesmo, pois era a bicicleta do Alex. Como as ruas de Cuba são em sua maioria planas, não fica tão pesado para quem está na frente para quem está acostumado, o que não foi meu caso quando pedi para ver como era dirigir uma bicitáxi e não fui o melhor dos equilibristas. O Alex ria.
Alex fez questão da foto segurando seu crachá (Foto: João Pedro Ferreira)
O tour do Alex era realmente diferente. Passando por alguns monumentos principais de forma rápida, ele ia me perguntando se eu queria parar para ver alguns locais. Nem todos eram tão interessantes para gastar as horas que estava pagando, então a maioria eu não parei. Alex então fez uma parada obrigatória: a casa de alguns de seus parentes. Começava ali o passeio da verdadeira Cuba.
As visitas de Alex (Foto: João Pedro Ferreira)
As condições das habitações não eram nada bonitas, muitas coisas lembravam nossa favelas, mas ao invés de barracões de madeira, as pessoas moravam em prédios velhos caindo aos pedaços. Muito se assemelhava a cortiços. Entramos na casa do primo de Alex. Ele estava ouvindo música. Eram clipes latinos na televisão. Alex tomou um café, eu fiquei em séria dúvida se seria falta de educação recusar, mas na verdade estava com um pouco de medo ainda. Um gole acabei aceitando.
O café foi por aqui (Foto: João Pedro Ferreira)
A água da torneira em Cuba não é recomendável para turistas. “Você não vai querer passar os dias da sua viagem com dor de barriga”, era o que dizia qualquer habitante por lá. Some isso ao fato de que papel higiênico não é um item de prioridade nos banheiros, portanto, sempre leve um na bolsa com você. Eu até trouxe do Brasil, lendo a recomendação de outros turistas.
Em todos os lugares que eu fosse, Alex explicava quem e da onde eu era (Foto: João Pedro Ferreira)
O café não me fez mal, mas fazia muito calor. Seguimos em frente na forte temperatura do dia ensolarado cubano. Outras paradas foram uma oficina mecânica, lojas (onde comprei meu chapéu para proteger do sol) e mais outros locais históricos que não havia passado ou então havia passado mas não tinha reparado em muita coisa, como a Plaza Vieja.
Paramos em um barzinho para tomar uma cerveja cubana. Não tomei exatamente pela experiência do produto local, mas sim pois normalmente não há outra opção sem ser as marcas cubanas de cerveja (Cristal e Bucanero) e refrigerante (Ciego Montero), mas elas são boas, pelo menos para o meu paladar. Tive que pagar também a do Alex. Achei um pouco de folga, mas não tinha muito o que fazer. Fiz o mesmo em outro bar, mas que tinha fama por ter o famoso mojito que Marlon Brando e Ernest Hemingway também costumavam tomar. Não precisei pagar o almoço, que valeu muito! Foi uma tacada certa do Alex que contou que não precisava ir na famosa Bodeguita del Medio, lugar que falavam muito e apresentava pouco. Era verdade, fui outro dia nele e, apesar do mojito bom, realmente não era nada demais.
Bucanero: a cerveja de Cuba. (Foto: João Pedro Ferreira)
Entre um passeio e outro, Alex foi me contando sobre a sua vida e seu sonhos de também poder viajar e sair de Havana. Quis meu contato para caso precisasse ir para o Brasil já ter um conhecido. Levou-me até a própria casa e apresentou sua mulher. Prometeu um almoço de gratidão e gratuito em dois dias, ao qual não compareci. Era só ligar para o número dele, ele iria me buscar no hotel, mas não fui. Muitas outras coisas aconteceram depois daquele dia e eu já queria conhecer outros locais. Antes de sair da casa dele, ganhei um “verdadeiro charuto” de presente, para que completasse a experiência cubana.
Durante o ótimo almoço o Alex me deu um tempo sozinho (Foto: João Pedro Ferreira)
A hora já tinha passado demais e eu não tinha relógio para contar. Eu tinha combinado um número x de horas com ele, mas extrapolamos. Como não havia trazido dinheiro a mais, paguei o combinado, o que era um belo valor. Preferi apagar da memória o valor do passeio, pois convertendo o euro para real, era muito tempo trabalhando para conseguir esse valor. Conheci tudo o que queria e não imaginava e ainda tinha garantida a volta para o hotel de táxi. Naquele momento entendi o desespero coletivo das pessoas do centro em te abordar para conseguir tudo que um turista melhor pode oferecer: condições melhores de vida com o dinheiro pago. A ilha comunista tem mais capitalismo do que a gente pensa. Dinheiro é levado muito a sério por lá. Alex me mostrou tanto os locais onde os idosos comem gratuitamente todos os dias, como também o local onde todos têm direito aos alimentos da “cesta básica”. Vi postos de saúde e escolas em vários locais. Mas é perceptível, ao menos na população mais jovem, o desejo de não viver mais assim.
Cartazes e folhetos sobre a saúde da mulher, combate ao preconceito e homofobia e informativos sobre DSTs em prédio público me chamou a atenção (Foto: João Pedro Ferreira)
Compreendi que não seria possível para mim, no pouco tempo que passei em Havana, compreender a política do país e como as pessoas lidavam com isso. Havia quem se orgulhava muito da história e de tudo que o país passou e resiste após o embargo estadunidense.
A mistura entre o passado e o presente em Havana ainda não dá indícios de como será o futuro (Foto: João Pedro Ferreira)
A mentalidade das pessoas ali é muito diferente da nossa. Somos influenciados a viver o sonho de querer mais e mais e não se contentar com o básico. Pelo olhos de Alex, conheci um pouco da Havana que queria. Sem agência de turismo, sem tantos passeios batidos. É possível conhecer um pouco de Havana sem planos, mas nunca conhecê-la completamente.
Que belo relato.