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Herança ativista da MPB e da Black Music ganha novo fôlego com sons e ritmos contemporâneos

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Livre do controle da indústria fonográfica hegemônica, surge uma nova geração de cantores que emerge e conquista papéis de destaque através das plataformas digitais

Resumo: Dentro de movimentos como o MPBtrans, os músicos escrevem letras com grande cunho social e que retratam a realidade que os cerca. Essas pessoas, que muitas vezes não se sentem representadas dentro da sociedade, encontraram na música uma maneira de se expressar e de serem ouvidas.

Por José Felipe Vaz e Tatiane Degasperi

Com mais de 9 milhões de visualizações no youtube apenas no single Zero, a banda Liniker e os Caramelows é um exemplo dessa nova geração de músicos com raízes na MPB e na Soul Music, que se beneficia das facilidades proporcionadas pelas plataformas digitais. O primeiro álbum da banda, intitulado Remonta, foi produzido e gravado em 2016 de maneira independente, contando com ajuda dos fãs por meio de financiamento coletivo. A meta inicial era arrecadar 70 mil reais, mas, com a colaboração de mais de 1500 fãs, a banda conseguiu juntar mais de 100 mil.

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Liniker diz não se encaixar no padrão binário feminino ou masculino. Crédito: Wikipédia

Aos 21 anos, dona de uma voz poderosa e doce ao mesmo tempo, a vocalista da banda conquista fãs pela discussão que traz sobre questões de gênero, nem sempre de forma explícita em suas letras, mais muito presente em seu visual andrógino – usa saias, brincos, pulseiras e maquiagem – e em sua autoaceitação.  Em diversas entrevistas se definiu como “negro, pobre e gay”, no masculino, apesar de não se identificar como uma pessoa binária. “Todo dia eu acordo e trabalho isso, que sou biologicamente um homem masculino e vou usar meu batom, sim, porque é assim que me sinto linda. Acho que é isso que a gente tem que fazer, se sentir maravilhosa, passar três mãos de batom para ele fixar bem”, conta Liniker.

O funk é um outro estilo musical que têm sido aproveitado como forma de representatividade e resistência de artistas e assuntos invisibilizados pela sociedade. Mc Linn da Quebrada afirma que, com a  música, conseguiu ter um alcance que não tinha até então. “Ser artista significa para mim, ter a possibilidade de criar sobre a minha própria existência. Eu consigo fazer de ser uma bicha, preta, trans, favelada, da quebrada, pobre o meu super poder e a minha força para resistir e consigo fazer deste um ponto de encontro entre eu e outras que vivem como eu e, assim, a gente consegue se manter viva”, acentua a Mc.

Papel da tecnologia

Os meios digitais contribuem, em larga escala, na difusão da música. Segundo dados da Federação Internacional da Indústria Fonográfica, a IFPI, a queda na venda de CD’s  de 2015 para 2016 foi de 43,2%. O valor arrecadado com a venda de CD’s representa apenas 22,8% do total, enquanto os serviços disponíveis pelos meios digitais, como o download e o streaming representam 77,2% desse valor. A internet possibilita a ascensão de artistas que não conseguem ou não querem a inserção dentro do cenário fonográfico hegemônico brasileiro. “Música independente depende da internet. Essa questão da formação de público é um trabalho de formiguinha e a internet é fundamental para isso”, conta Marcelo Segreto, integrante da banda Filarmônica de Pásargada. O músico acredita que os meios digitais possibilitam uma maior liberdade na composição das músicas, mas que demandam também um tempo e esforço para “divulgar e administrar a produção dos shows, escrever projetos para editais, cuidar de site, Facebook, responder e-mails e solucionar uma série de problemas”.

No infográfico abaixo é possível entender a dimensão das mídias digitais no trabalho de alguns artistas que abordam temas de representação social nas letras das suas músicas.

Infográfico interatividade com as redes

Infografia: Tatiane Degasperi


*O número visualizações no youtube de cada artista foi obtido através da soma das quatro principais música de cada um.
MPBTrans: a onda de representatividade e discussão de gênero dentro da música

Liniker e Mc Linn da Quebrada fazem parte do movimento intitulado MPBTrans – termo cunhado pelo deputado Jean Wyllys -, uma onda de artistas LGBTs em ascensão na música contemporânea brasileira. Em comum, esses artistas tem a adoção de um visual andrógino, a composição de letras que exaltam questões identitárias relacionadas à minorias sexuais, étnicas e religiosas, além da relação umbilical com a internet e as mídias sociais “ou emergiram daí para abrir espaços nas mídias tradicionais ou trocaram escassos espaços nestas por lugares de destaque entre os internautas” comenta Jean Wyllys.

A diversidade de ritmos é outra característica desse movimento. Para citar alguns, o jazz e as vertentes do samba presente nas músicas de As Bahias e a Cozinha Mineira, banda liderada pelas mulheres trans Assucena Assucena e Raquel Virgínia e pelo guitarrista Rafael Acerbi – formaram-se em 2011 nos corredores do curso de história da USP -, o pop da Drag Queen Pabblo Vittar que faz parte da banda do programa Amor e Sexo, o rap de Rico Dalasam e o hip hop de Gloria Groove.

Para a cantora trans Valéria Houston, o MPBTrans é um movimento como a Bossa Nova, porém, com novos apelos, novas maneiras de cantar, novas imagens e estilo. “Falar em MPBTrans é uma validação de uma caminhada que vem de longe. É como uma assinatura importante, que fecha um contrato; é a cereja do bolo para um entendimento, ao menos no âmbito cultural”, afirmou a cantora.

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Mc Linn da Quebrada encontrou  o seu “super poder” na música. Crédito: Reprodução/Facebook


Raízes LGBT na música popular brasileira

A trajetória da discussão LGBT na música brasileira é antiga. Os novos artistas que figuram neste cenário são herdeiros de uma história que teve seus primórdios nos festivais de música, em meados da década de 70. Em seu livro “Nós duas- as representações LGBT na canção brasileira”, o pesquisador e mestre em filosofia Renato Gonçalves, traça um panorama histórico-social da temática LGBT na música popular. Renato identifica como uma das pioneiras desse tema a cantora Tuca com seu single Girl, onde o eu lírico da música faz um convite a uma outra mulher:

“Girl, pega a sua roupa de pirata azul

E venha ficar comigo

Porque hoje nós vamos partir pra outra

Não tenha medo, você não vai se machucar”

Chico Buarque também tratou da temática homessexual na canção Bárbara em 1972. Ele e Ruy Guerra compuseram a música para a peça de teatro “Calabar – o elogio da traição”, que acabou sendo censurada durante a ditadura militar. Em Bárbara, o amor homossexual entre duas mulheres é tratado de forma lírica e intensa.

“Vamos ceder enfim à tentação

Das nossas bocas cruas

E mergulhar no poço escuro de nós duas

Vamos viver agonizando uma paixão vadia

Maravilhosa e transbordante, como uma hemorragia”

Nessa mesma época, surgia no horário nobre da televisão, o grupo Secos & Molhados que revolucionou a cultura gay dentro da música brasileira. Tendo Ney Matogrosso como líder, os integrantes maquiados e munidos de vestimentas consideradas femininas, interpretavam canções engraçadas que misturam duras críticas à ditadura militar com danças e canções do folclore português como o Vira, que se tornou um marco do estilo e da representação da homossexualidade na época.

Vira! Vira! Vira!

Vira! Vira!

Vira Homem

Vira! Vira!

Vira! Vira!

Lobisomem

Black Music brasileira

No cenário da música negra na década de 70, destacavam-se nomes como a banda Black Rio, formada pelo saxofonista Oberdan Magalhães e que ficou conhecida através da mistura de samba, soul e funk. Tim Maia, Cassiano, Jorge Ben Jor e Racionais MC’s – representantes do soul, funk, R&B e rap – são outros nomes importantes que disseminaram o orgulho negro em suas letras. A mesma onda de revitalização que atingiu a MPB, chegou também a música negra através do surgimento de artistas como Tássia Reis, Ellen Oléria, Emicida, Karol Conka e Rael, que criaram uma tendência do debate questões raciais e sociais na música.

O rapper Fx, do grupo Habitat Urbano de Bauru, acredita que o rap possibilita essa representação do meio que o indivíduo está inserido. Para ele “o rap é, além de um estilo musical, uma militância, um modo de vida. Por isso, devemos nos policiar e buscar tirar proveito no bom sentido e, realmente fazer isso por amor e saber desse compromisso que temos. Ainda mais no rap, acredito que todos somos formadores de opinião em potência. Quando temos essa ciência, podemos fazer uma mudança”.

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O grupo Habitat Urbano se destaca no cenário do rap de Bauru. Crédito: Reprodução/Facebook

Fabiana Pinto, colunista da revista Capitolina, diz acreditar que a black music é popular, mas as pessoas negras não são. “Todos querem cantar ‘Eu só quero é ser feliz andar tranquilamente na favela que eu nasci…’, desde que você faça isso no seu bairro de luxo e, não tenha que de fato se preocupar em poder andar em paz, sem ter medo de levar um tiro ou sofrer qualquer violência pela sua cor, classe e origem”, escreve Fabiana.

De acordo com Achille Picchi, professor em história da música, a música exerce influências coletivas e individuais dentro da sociedade. Os estilos musicais que proporcionam uma participação maior de assuntos vulnerabilizados socialmente são aqueles mais presentes dentro de grupos sociais específicos com produções contra hegemônicas, como o rap e o funk. Essas produções são o reflexo da realidade vivida por esses grupos. O rapper Fx acredita não conseguir “imaginar o mesmo destaque de pessoas negras no rock nacional ou até mesmo no próprio sertanejo. Hoje em dia está tudo muito padrão nesses estilos”.

Nesta linha do tempo, é possível identificar os pilares do passado que colaboraram com a representatividade dentro da música brasileira. Nela, aparecem também as músicas de protesto realizadas durante e depois do período da ditadura militar. Nessa época, a música desempenhou um importante papel de denúncia das injustiças e desigualdades.

Mas o que de fato tudo isso gera?

Mostrar toda essa representação dentro da música não exclui alguns fatos presentes dentro da sociedade brasileira. Juliana Silveira, professora de Estudos Culturais e Mídia da Universidade Federal Fluminense (UFF), ressalta que “o Brasil, apesar do mito da democracia racial e da cordialidade, é um país muito racista, LGBTfóbico, misógino e desigual”. Ela cita dados de 2016, onde número de brasileiras agredidas fisicamente chegou a 500 por hora. “Somos o país que mais mata mulheres trans em todo o mundo. Além disso, segundo dados do próprio governo, negros e negras são a maioria das vítimas de violações de direitos humanos” completa Juliana.

O não reconhecimento de situações semelhantes a do indivíduo contribui para a manutenção de preconceitos. Mc Linn da Quebrada fala que “quando a gente não vê a nossa história, as nossas vidas ou os nossos corpos na televisão, nas novelas, nas músicas ou em qualquer outro lugar, o que significa é que as nossas vidas não importam, e que as nossas histórias não tem peso nenhum e nem existem”.

Dados como esses mostram que ainda são necessários avanços em debates e discussões sobre sexualidade, racismo e machismo. A música se torna um dos pilares que possibilitam essas discussões. Juliana pontua que “através de espaços de sociabilidade e entretenimento é possível combater as narrativas de ódio e construir formas de representação mais plurais. A música pode ser uma forma de construir pontes, de questionar preconceitos e de promover integração e celebração da diversidade. Mas, como em qualquer âmbito da sociedade, é perpassada também por valores e visões de mundo reacionárias e intolerantes”.

A playlist abaixo traz artistas, do passado e do presente, que utilizaram a música como forma de ativismo e resistência.

Foto de destaque da matéria: Divulgação

Redação

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