Em tempos de desordem o consumo de notícias se apresenta como um aliado dos indivíduos. Usá-lo contra, ou a seu favor, depende de cada um
Por Tatiana Aguiar
Semanas antes de decretar a situação de pandemia de COVID-19, a Organização Mundial da Saúde (OMS) já havia declarado que o planeta enfrentava uma infodemia.
“Uma superabundância de informações – algumas precisas e outras não – que dificultam que as pessoas encontrem fontes e orientações confiáveis quando precisam delas” (OMS)
Isso porque, enquanto o vírus ainda estava restrito ao território chinês, notícias equivocadas se espalhavam pelos cinco continentes alarmando a população mundialmente e causando desordem.
Ao longo da história, o mundo já lidou com a disseminação de notícias falsas e surtos pandêmicos. No entanto, é a primeira vez que se enfrenta uma pandemia em um contexto de pós-verdade, no qual as informações são mais valorizadas pela carga emotiva e ideológica que carregam, do que pela veracidade dos fatos. Essa situação é potencializada pela facilidade de compartilhamento de conteúdo no mundo virtual, que além de promover uma fácil propagação das informações, não regula a veracidade dessas. Diante de tal panorama surge a necessidade de lidar não apenas com a ameaça do vírus que circula na sociedade, mas com todas as consequências que a desinformação em relação à ele pode ocasionar.
O acesso à informação é um direito do cidadão, e um bem imprescindível em um momento como o atual, no qual lidamos com um inimigo invisível e sobre o qual pouco se conhece. É necessária a compreensão sobre o que está acontecendo para que se saiba lidar com a situação, no entanto, é preciso que isso seja feito da maneira correta, com informações apuradas e contextualizadas.
Uma pesquisa publicada recentemente pelo Reuters Institute for the Study of Journalism revelou que durante a pandemia houve uma alteração no meio de consumo de notícias. Há nove anos o ambiente online tinha superado a televisão no fornecimento de informações. Apesar de ser uma mudança momentânea, o estudo constatou que nos países analisados grande parte das pessoas voltaram a utilizar a televisão como principal fonte de notícias, por acreditarem ser um meio mais confiável.
Rogério Christofoletti é Professor do Departamento de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), pesquisa sobre crítica de mídia, ética e transparência jornalística, e a crise no Jornalismo. Para ele,
“O surgimento das grandes plataformas de tecnologia que abrigam essas mídias sociais modificou bastante os processos de comunicação e informação no mundo. Alguns impactos afetaram diretamente o jornalismo, por exemplo, retirando dele a primazia de agente informador. Antes, repórteres uniam fontes e públicos, e com as redes sociais, essa mediação não se apresenta como a única opção.” (Rogério Christofoletti)
Para o pesquisador a atual dinâmica é dicotômica: “Isso pode facilitar alguns processos, mas também pode levar ao público informações sem verificação e o devido processo de contraste de versões. Mais recentemente, as redes sociais têm sido o palco e motor mais potente de propagação não de notícias, mas de mentiras, boatos, propaganda ideológica e outras formas de desinformação.”
Somada à crise de saúde instaurada no país, enfrentamos também uma crise política e econômica. Notícias alarmistas nos estimulam a todo o momento, cheguem elas estampadas em capas de jornais ou nos grupos de Whatsapp. Além da ameaça da desinformação é preciso lidar também com a sobrecarga de informações negativas que são bombardeadas a todo momento.
Segundo a psicóloga Camila Messias, a frequente exposição à notícias negativas pode gerar vieses cognitivos capazes de distorcer a compreensão da pessoa na interpretação do que de fato está acontecendo. Nem todas as pessoas estão inseridas na mesma realidade, e o que é transmitido no noticiário não necessariamente se aplica ao microcosmo que o indivíduo vivencia.
“No atual contexto de pandemia, as notícias negativas sobressaem as notícias positivas, de modo que os indivíduos tendem a interpretar toda situação a ser vivenciada como desesperadora. Consumir informação não é ruim, é necessário que os indivíduos estejam atentos às mudanças e ao andar da situação. Porém, a qualidade, assim como a quantidade, pode trazer malefícios como: improdutividade, desânimo, ansiedade, falta de vontade de realizar tarefas simples, entre outras.” (Camila Messias)
Camila afirma que de acordo com a abordagem cognitivo-comportamental: “o modo como o sujeito interpreta a situação interfere no modo como irá se comportar e se sentir.” Questionada sobre os principais distúrbio que podem ser desencadeados por esse processo a psicóloga cita: “transtorno depressivo, transtorno de pânico, agorafobia, transtorno de estresse pós-traumático, transtorno de estresse agudo, transtorno de adaptação, transtornos alimentares, entre outros.”
Diretora de Operações do PROJOR – Instituto para desenvolvimento do Jornalismo, Ângela Pimenta reitera o prejuízo oriundo da frequente exposição à notícias negativas sob o ponto de vista do jornalismo. Para ela isso pode “gerar uma certa anestesia ou mesmo aversão ao noticiário” e cita a importância de se realizar uma cobertura contextualizada e com caráter humanizado. Ao relatar sobre a atuação do PROJOR, no atual contexto, ela cita o projeto “Credibilidade” o qual busca desenvolver estratégias para a compreensão da qualidade de produções jornalísticas no espaço virtual.
“Ao conhecer como os veículos apuram e publicam informações, as pessoas podem decidir se acreditam ou não no que veem e escutam por lá. A ideia é sinalizar o conteúdo jornalístico de qualidade, aumentando também o escrutínio das pessoas sobre esses mesmos veículos que adotam os nossos indicadores de credibilidade.” (Angela Pimenta)
A cobertura do tema realizada pela mídia reflete na compreensão da mensagem pelo consumidor, e por isso é importante que o trabalho jornalístico seja realizado de maneira prudente e ético.
Para o público, permanecer constantemente preocupado não é sustentável, nem sequer saudável. A exposição frequente à notícias negativas estimula a liberação de Cortisol, o chamado hormônio do estresse, e pode vir a desencadear diversos distúrbios como relatou a psicóloga Camila. Como medida preventiva ela sugere a adoção rotinas, tanto das atividades banais como alimentação e lazer, quanto informacional, de modo que o indivíduo defina horários do dia para consumir notícias, restringindo a exposição a informações negativas.
É necessário que se saiba buscar as informações em veículos comprometidos com a qualidade da informação, sem dar espaço para a ameaça da desinformação e a proliferação de inverdades.
Conheça algumas agências de checagem de notícias e colabore para que a desinformação não seja espalhada: