Após se filiar ao PSB em abril, os rumores sobre sua candidatura aumentaram – junto com as suas porcentagens nas intenções de voto
No começo dos anos 70, um menino de 16 anos, pobre e primogênito de oito irmãos, deixava a cidade de Paracatu (MG) rumo à Brasília. Buscava uma vida melhor, queria estudar. Conseguiu um emprego de faxineiro em um tribunal de Justiça, depois de digitador na gráfica do Senado. Esse mesmo menino, muitos anos depois, seria presidente do Supremo Tribunal Federal. O primeiro negro.
Joaquim Barbosa é formado em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Compunha a parcela de discentes na época da ditadura, nos anos 70. Lutou abertamente a favor das cotas raciais na faculdade, além de fundar um núcleo de assistência jurídica a quem não podia arcar com os custos de uma defesa.
Em sua passagem pela presidência do Supremo Tribunal Federal, votou a favor em temas considerados progressistas, como a união homoafetiva, o aborto de anencéfalos e pesquisas com células-tronco. Assumiu também a relatoria da denúncia contra os acusados do mensalão, e em 2014 ganhou fama por conta de suas decisões incisivas e objetivas. Isso explica, talvez, por que mesmo sem qualquer plano apresentado e sem firmar a sua candidatura, aparecia com 10% das intenções de voto das eleições presidenciais que acontecerão este ano. O historiador doutor Maximiliano Martin Vicente, da Universidade Estadual Paulista, explica o fenômeno: “creio que são vários fatores que ajudam na compreensão desse fato. Primeiro, ele teve uma grande exposição na mídia por sua atuação enquanto exercia suas funções no Supremo. Ele passou uma postura de idoneidade e força diante das pressões que sofria.”
Maximiliano comenta o desprendimento de Barbosa em relação a partidos, algo incomum frente à política nacional. “Ao mesmo tempo não militava nos partidos, fato que contribuiu demais para sua popularidade pois naquele momento a descrença nos partidos e na política era generalizada”, afirma.
“Creio que a soma desses fatores contribuiu demais para que ele tivesse uma boa aceitação enquanto candidato dito novo, ou seja, não contaminado pela política tradicional vista como negativa pela população”, conclui o professor.
Contudo, no dia 8 de maio, Barbosa anunciou em seu perfil pessoal no Twitter que não iria mais se candidatar. Justificando a escolha como “estritamente pessoal”, não há explicações mais detalhadas para a sua desistência.
Bruno Marques Gentil, estudante de Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, ativista da causa negra e eleitor declarado do ex-presidente do STF, comentou sua decisão de voto. “É uma escolha pragmática, já que o Joaquim tem uma extensa bagagem atuando nos bastidores da política – e fazendo política também, porque sou da opinião de que o STF é sobretudo um órgão político – além de ter tido um passado de defesa dos direitos fundamentais”. Bruno relembra também o fator racial ao comentar que “o fato dele ser preto fortalece minha decisão. Seria um passo importante na luta contra o racismo e pela representatividade.”
Ao ser perguntado sobre a desistência de Barbosa, o professor Maximiliano especula que o motivo tenha algo a ver com a campanha eleitoral. “Parece que há uma explicação bastante objetiva para isso: custo da campanha. As campanhas para poderem vingar são muito caras e isso abre espaço para que existam forças que controlam, ou tentam controlar, os candidatos, caso venham a ser eleitos. Desde meu ponto de vista a falta de verba idônea fez com que ele desistisse.”, ressalta. Muito se especula, principalmente nos meios digitais, a ligação entre a entrevista de Guilherme Boulos (PSOL) no dia anterior no programa Roda Viva, da TV Cultura, com a desistência. A decisão de Barbosa é anunciada no dia seguinte, mas não há provas de qualquer concomitância.
Sem Barbosa, o posto de “candidato de terceira via” permanece vazio. Ao ser perguntado sobre possíveis nomes após a desistência do magistrado, Maximiliano não arriscou o chute . “De momento não vejo ninguém, mas é bom falar que ainda estamos num momento de costura de alianças, portanto é melhor esperar antes de afirmar que ninguém ocuparia essa vaga”. Já Bruno Marques Gentil comentou sobre os outros possíveis candidatos: “temos um candidato de direita protofascista com chances reais de chegar ao segundo turno, e nenhum dos candidatos de esquerda – a não ser o Lula – tem força suficiente. Ciro Gomes seria uma escolha razoável, mas também acho que faltaria o gás necessário pra frear essa ascensão da direita protofascista”.