Luís Negrelli
O sorriso de uma criança pode ter vários significados. Tudo depende de quem o observa. Obviamente, o esboço de um sorriso carrega consigo a felicidade, a alegria. Mas e quando o sorriso é de gratidão? E quando esta gratidão é fruto do ideal de fraternidade, por vezes, deixado de lado pela sociedade? Aqueles que fazem parte da Organização Não-Governamental Fraternidade Sem Fronteiras (FSF) lidam cotidianamente com estes dois pontos: a gratidão e a fraternidade.
Eliana Simioni é natural de São Manuel, interior de São Paulo e empresária do ramo de tecnologia da informação. Hoje, ela tem uma ligação com a FSF. Essa história começou com um desejo de visitar o continente africano. Eliana sabia que sair do país sozinha e chegar num lugar que não conhecia poderia ser complicado. Por isso, começou a procurar organizações que tivessem alguma ligação com a África. Foi assim que conheceu a ONG e descobriu as caravanas que levavam padrinhos para o continente. No site encontrou mais informações, assistiu vídeos e a resposta foi instantânea: “já de antemão, à primeira vista, houve uma conexão com a causa, com a forma como eles trabalhavam”. A partir daí essa conexão só foi se fortalecendo.
A FSF foi fundada em 2009 por Wagner Moura. De acordo com a ONG, Wagner, ainda criança, sentia uma profunda dor ao ver a fome no mundo. A dedicação em trabalhos voluntários na periferia de sua cidade o fez sonhar grande, até que ele decidiu ir para a África. A região escolhida foi a África Subsaariana.
Segundo a ONU, nesta região mais de 40% da população vive na extrema pobreza. Wagner visitou Moçambique e conheceu orfanatos, asilos, crianças de rua e as aldeias. Pôde constatar o grande número de órfãos, por causa do HIV e da malária e a falta de assistência às crianças. O Relatório Mundial da Malária de 2016, da Organização Mundial da Saúde, OMS, alertou que a malária continua sendo um problema de saúde global e que em 2015 foram registrados 212 milhões de casos e 429 mil mortes. A África Subsaariana concentra 90% dos casos e 92% das mortes em todo o mundo.
Toda a realidade que observou fez com que Wagner começasse a pensar na fundação de alguma organização não governamental para acolher as crianças. Quando retornou da África em 15 de novembro de 2009 reuniu os amigos mais próximos e propôs a criação da ONG. Nascia então a Fraternidade sem Fronteiras.
No ano seguinte, voltou ao continente com alguns recursos financeiros em mãos e, a princípio, suas estimativas incluíam o amparo a 35 crianças, mas notou que 70 crianças precisavam de cuidados urgentes. Dessa forma, abriu o primeiro centro de acolhimento. Para o serviço contratou monitores, cozinheiras e buscou líderes naturais com vocação para o canto, dança e brincadeiras nativas, todos indicados por pessoas da própria aldeia, oferecendo em seguida uma capacitação.
Desde sua primeira viagem à África, Eliana Simioni conta que se apaixonou pelo projeto e o abraçou pela sua verdade e transparência. (Foto: Eliana Simioni)
Para poder manter um trabalho de assistência para acolher ainda mais crianças foi criado o método do apadrinhamento. Por meio de uma colaboração de 50 reais por mês de uma pessoa (o padrinho) as crianças teriam a chance de fazer parte dos projetos da ONG. E esse modelo foi conquistando adeptos no Brasil e no mundo. E conquistou também a Eliana. Ao ser um padrinho, existe a possibilidade de participar das caravanas organizadas pela FSF para visitar os projetos no continente africano. “Foi assim que, então, eu fui como madrinha na minha primeira viagem para a África. Fiquei lá durante 60 dias. Apesar da caravana durar em torno de 10 dias, eu quis ficar mais tempo para viver um pouco mais com eles”, conta. Depois de todo o envolvimento e experiência Eliana foi convidada para trabalhar na organização. Ela passou a coordenar as caravanas de padrinhos para Moçambique a fim de conhecerem o projeto in loco.
Com o passar do tempo, a FSF tomou a decisão de alterar o sistema de apadrinhamento. Em 2016, o padrinho passou a ser para o projeto e não mais para uma única criança, já que o volume das que entravam no projeto era muito maior do que a capacidade de construir e equipar os centros de acolhimento. A contribuição passou a ser direcionada para construir cozinhas, banheiros e salas para atividades pedagógicas. Segundo a ONG, esse sistema é o coração de todos os projetos realizados pela FSF.
Hoje o projeto conta com vários apoiadores que além da ajuda financeira também atuam nos projetos no continente africano. (Foto: Eliana Simioni)
A transparência nos trabalhos foi o que chamou a atenção de Eliana logo que descobriu a organização. “A forma como eles estavam atuando era diferente de algumas ONGs que eu tinha visto que faziam trabalhos pontuais, também importantes. Mas a fraternidade se instalou no continente africano, então é uma ação continuada. Meu coração bateu mais forte. Eu disse: ‘é com eles que eu vou’”, revela.
Nesse envolvimento, a empresária ajudou também na implantação de um projeto de construção de uma granja com galinhas poedeiras. O objetivo é buscar aumentar a oferta de proteína na alimentação das crianças e gerar trabalho aos jovens que cuidam da granja. Eles foram capacitados e tudo está em fase de teste. A granja foi construída na filosofia de agroecologia, pois as galinhas ficam soltas em um pasto e se recolhem a noite, gerando produção com base no bem estar do animal. Eliana explica que, depois de ajustado e a produção acertada, pretendem replicar o projeto em outras aldeias.
Somente em Moçambique a Organização Humanitária Fraternidade Sem Fronteiras já conta com 24 centros de acolhimento que oferecem alimentação, cuidados com a higiene, atividades pedagógicas, culturais e formação profissional a crianças e jovens das aldeias.
Em 2017, teve início a ajuda humanitária no sul da ilha de Madagascar, onde a população local sofre com a fome e sede. A água potável é vendida e as famílias sem dinheiro bebem água suja e só tomam banho quando chove. A FSF acolheu aproximadamente três mil crianças e mães em duas unidades, onde recebem alimentação, água limpa para beber, escovar os dentes, tomar banho e lavar as roupas.
E essa missão já atingiu grandes proporções. Como foi fundada em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, a ONG desenvolve projetos humanitários também no Brasil. Em 2017 inclui em seus trabalhos a causa pelo tratamento de crianças com microcefalia, no Nordeste. Segundo informações divulgadas pela organização, esse é um tipo de apoio ao trabalho do Instituto de Pesquisa Professor João Amorim Neto (IPESQ), em Campina Grande, na Paraíba.
O primeiro centro de acolhimento da FSF no Brasil está localizada em Roraima. O intuito é acolher os venezuelanos que atravessaram a fronteira da Venezuela com o Brasil em busca de uma chance. Cerca de 100 famílias recebem moradia, alimentação, cuidados com a saúde e orientação para o trabalho.
O trabalho humanitário na África leva alimentação, uma condição de vida melhor para os habitantes e, sobretudo, leva esperança e distribui solidariedade. (Foto: Eliana Simioni)
A FSF, através de suas redes sociais e do site, divulga o fruto de todo o trabalho. São 253 mil refeições oferecidas por mês, 484 jovens incluídos na escola, 270 trabalhadores diretos, 162 idosos amparados, 35 casas e 10 poços artesianos construídos, 240 caravaneiros sem fronteiras e 27 centros de acolhimentos. O total de crianças acolhidas chega a 12 mil.
Na visão de Eliana, a ONG representa muito para essas crianças atendidas, pois acredita que se fornece a opção delas terem futuro e enxergarem além do agora. “Tem muita coisa para fazer e o pouco que a gente faz já é muito para eles. Não dá para andar sozinho e deixar as pessoas para trás. É por isso que eu acho que não existe limite, não existe fronteira mesmo. A vida só tem sentido quando você fizer para o outro, quando você partilhar um pouco e se colocar à disposição, não apenas com bens materiais, mas com atenção e cuidado, tornando essas pessoas visíveis”, diz.
Por essas razões é que a gratidão e a fraternidade permeiam toda a dedicação e empenho dos voluntários da FSF. Primeiro, porque a fraternidade é o ideal que os norteia, trazendo a noção da coletividade, do olhar fraterno para o próximo. E, segundo, porque a gratidão não parte apenas daqueles que são assistidos, mas também daqueles que se colocam a serviço, como aponta Eliana: “isso faz uma diferença completa na nossa vida quando a gente sabe que nós somos responsáveis por fazer a diferença na vida das pessoas de alguma forma”.