Como a moda se ressignifica diante de questões ambientais e econômicas
A moda sustentável é uma alternativa ao consumo excessivo e pode refletir positivamente em toda a sociedade, seja nos aspectos econômicos ou nos que se referem ao meio ambiente. Além disso, deixa de incentivar a produção massiva que fere o direitos humanos, como o trabalho escravo, que utiliza, em muitos casos, a mão de obra infantil, sendo uma realidade presente em diversas indústrias da área têxtil.
A proposta de uma moda mais sustentável abrange desde a produção das peças, reciclando e reutilizando materiais – como algodão orgânico e reciclado, bambus, garrafas plásticas, pneus, seda orgânica – e diminuindo a quantidade de resíduos, até a distribuição das mesmas. As grandes marcas de roupas e as empresas fast fashion, varejistas, são exemplos de um mercado que gera impactos negativos, considerando a exploração demasiada de matérias-primas dispostas na natureza e o alto custo dos produtos comercializados.
Assim como a utilização de materiais menos agressivos e os novos meios de produção, o reaproveitamento de peças proposto pelos bazares e brechós também é uma iniciativa que inspira o consumo consciente. O conceito é simples: peças usadas e em bom estado por preços mais acessíveis. Esses espaços podem ser de instituições beneficentes e até mesmo de cooperativas e funcionar através de consignações – que é quando o dono de determinada peça deixa a mesma na loja e recebe um valor pela venda – ou de trocas.
A idealizadora do bazar “Eram Delas”, Nathalia Nakano, conta sobre a ideia, sugerida por sua mãe, de realizar um bazar com roupas disponibilizadas por ela e um grupo de amigas, que se organizaram com o intuito de desapegar das peças que não estavam sendo utilizadas. As motivações eram diversas: “fazer um dinheirinho extra”, passar para frente uma peça que não estava obsoleta por um “preço bacana” e significativas diante da crise econômica ressaltada por Nakano. “Muita gente está poupando “centavinhos” para poder ter momentos de lazer, poder jantar fora, poder fazer qualquer coisa. E ficar comprando roupas nessas lojas hoje em dia do shopping e etc. é muito caro, então, a opção de você comprar uma peça mais barata, mas de boa qualidade, poupa no bolso do consumidor. Senti que fez muito sucesso (o bazar) por causa disso, as pessoas gostam de pagar pouco por coisas de qualidade, coisas que hoje em dia você não está encontrando aí. As lojas fast fashion estão cada vez mais caras e a qualidade cada vez caindo mais”, pontua Nakano – uma das organizadoras do bazar que está indo para a sua 4ª edição.
Ela afirma que os bazares e brechós são iniciativas eficazes e sustentáveis quanto ao consumo consciente e ainda aborda a questão de muitas empresas lucrarem em cima do trabalho escravo que se beneficia pelo baixo custo da produção devido à desvalorização da mão de obra. Através dessa reutilização de peças é possível não compactuar com esse tipo de exploração, uma vez que, mesmo adquirindo um produto de “x” marca, a pessoa não está contribuindo com a empresa e sim com o pequeno negócio.
Michele Gonçalves Rossi, responsável pelo site “Minha Segunda Dona”, que também propõe a reutilização e a “reciclagem” de peças, comenta que estamos vivendo uma era em que a fase do ciclo dos produtos está cada vez menor. Simplesmente compramos coisas, sejam elas roupas ou outros tipos de bens de consumo, e descartamos como se fossem lixo. Só porque saiu um modelo mais novo ou porque já não está mais na moda.
“Mas, espera aí, a moda vem e volta o tempo todo! E quanto aos bens de consumo, o que não serve mais para você, serve para outra pessoa. Consumir e incentivar o uso de uma moda mais sustentável diminuiu a probabilidade do trabalho escravo em grandes fast fashion, diminuiu a poluição, além de gerar muita economia entre as pessoas envolvidas. Porque você vai pagar R$1.000 – R$ 6.000 em um vestido de festa, por exemplo, que você só vai usar uma vez? Sendo que você pode alugar ou comprar o mesmo vestido por menor valor que só foi usado uma única vez ou mais, mas ainda está em perfeito estado? Em grandes cidades como São Paulo já existem vários tipos de ‘lojas’ em que você faz sua sacola, usa x número de roupas por semana e depois devolve, não é sensacional? É uma pena que a maioria das pessoas tenha um grande preconceito com esse tipo de moda ‘reutilizável’”, completa a responsável pela plataforma.
Rossi, que criou o site inspirada na reflexão sobre o seu próprio consumo e diante da real necessidade de adquirir determinado produto, considera que a moda sustentável vem ganhando espaço no Brasil, mesmo ainda sendo um mercado inferior se comparado a outros países. Na sua opinião, as pessoas compram muito mais do que precisam e que isso é uma questão cultural. “Nascemos e nossos pais já passam para a gente o ciclo do consumo, são raros os casos diferentes. Levando tudo isso em consideração, se toda a sociedade ou pelo menos metade dela começasse a utilizar a moda mais consciente, as produções seriam bem menores e nosso meio ambiente seria muito mais preservado”, complementa.
A estilista Bruna Godoy aponta dados do Fashion Revolution, movimento global que incentiva tanto a sustentabilidade quanto a transparência e a ética na indústria da moda, que afirmam que dobrando a vida útil de uma peça de um para dois anos de uso é possível reduzir 24% das emissões de CO2/ano. A estilista aposta no upcycling (transformação de materiais que seriam descartados em produtos com maior valor) como uma forma alternativa e acredita que brechós, bazares e reuso de materiais e peças se encaixam na economia circular, que se preocupa com o destino do produto após o mesmo ter sido utilizado e vê nesses lugares a possibilidade de adquirir uma “matéria-prima” por um valor menor para a customização ao invés de optar por uma peça nova. “Além disso, estamos aproveitando mais os investimentos feitos para a produção de tal item e, ao revendê-lo, aumentamos a sua rentabilidade no mercado sem ter refeito todos os processos”.
Godoy também conta que sempre escolhe comprar em bazares e brechós beneficentes, uma vez que parte do lucro é revertida para alguma causa social na qual ela acredita. Ela conclui que as fast fashion são uma questão importante a ser repensada, pois impactam de diversas maneiras no meio econômico e ambiental. Quanto aos aspectos negativos, essa moda “incentiva o consumismo, acelera o descarte de peças e, normalmente, não se atenta aos danos causados ao meio ambiente durante os procedimentos, tentando altos gastos e contaminação da água e desperdício de tecidos, por exemplo”.
Por outro lado, a estilista não nega que há um ponto positivo: “ela representa uma grande parte do mercado da moda e o giro do lucro é muito alto, o que faz a indústria têxtil crescer. Porém, a distribuição dos lucros é desigual e concentrada e, além disso, normalmente recorrem a importados, o que desvaloriza as nossas produções nacionais. E há a questão trabalhista, envolvendo trabalho escravo que costuma ser utilizado para se conseguir preços baixos, mas infelizmente ainda é a única alternativa para muitos desempregados e se, supostamente, todas as fast fashion acabassem, teríamos um colapso de desempregos”.
Tags: economia, fast fashion, moda sustentável, reutilização, trabalho escravo
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Infográfico: https://infogram.com/economia-1h7g6kzgddl06oy
Links:
http://justificando.cartacapital.com.br/2015/10/23/20-marcas-da-industria-textil-que-foram-flagradas-fazendo-uso-de-trabalho-escravo/
http://www.bbc.com/portuguese/brasil-36574637
https://www.ecycle.com.br/component/content/article/73-vestuario/5891-fast-fashion-o-que-e-como-funciona-e-quais-impactos-ambientais-que-gera-marcas.html
https://www.socialbauru.com.br/2017/10/04/bazar-eram-delas/
http://estilistasbrasileiros.com.br/reciclar-reutilizar-e-reaproveitar-suas-roupas/
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