Entenda os prós e contras dessa medida provisória que está em fase de sanção presidencial
Por: Caroline Mazzer e Geizi Polito
O dia 24 de maio de 2017 poderia ser mais um dia comum no Congresso brasileiro, porém a data se tornou peculiar quando o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), chegou a encerrar a sessão do Plenário, mas iniciou outra extraordinária com sete novas medidas provisórias em pauta.
Dentre essas medidas, está a MP 759/16 que trata da regularização fundiária rural e urbana, a qual prevê alterações estruturais na legislação em relação ao acesso às terras no país. Em linhas gerais, de acordo com o texto dessa MP, o processo de concessão de títulos de terras públicas será facilitado, podendo, por exemplo, ajudar famílias carentes que estão em situação irregular. Esse processo pode acontecer também em nível municipal, no qual caberá ao poder público da cidade decidir se a regularização será feita sem custo para o futuro titular, ou se haverá cobranças pela terra.
Outra mudança prevista pela medida, é a do reconhecimento do direito de laje, em que estas construções serão consideradas como imóveis autônomos, desde que o cômodo seja isolado da parte inferior, e que tenha acesso independente para a rua. Além disso, a medida também prevê que o poder público possa conceder o reconhecimento da posse do imóvel, dese que haja a identificação de seus ocupantes e a natureza da posse.
Em Bauru, Letícia Kirshner, responsável pela Secretaria Municipal de Planejamento (Seplan), se sentiu contemplada pela MP e não perdeu tempo, formalizando já no dia 25 de maio uma solicitação para que a cidade receba terras da União para regularização de ocupações clandestinas. “Temos agora um instrumento legal muito facilitado e que abrange não só a regularização fundiária urbana como abrange também normas de parcelamento de solo. Vamos priorizar demandas antigas, como o Ferradura Mirim, a maior ocupação irregular da cidade há anos. Já protocolamos também o pedido de recebimento pelo município de glebas da União que esperam essa ação e que emperravam em vários obstáculos até então”, disse a secretária em entrevista ao jornal regional JCNET.
Atualmente, a MP já passou pelo Senado, está em fase final de aprovação, esperando sanção presidencial. Entretanto, deputados da oposição classificam que a medida foi votada na Câmara de forma oportunista, e que a mesma pode, em vez de ajudar as famílias carentes, beneficiar aos ricos ao mercantilizar terras públicas. Veja, a seguir, um quadro que reúne os principais argumentos usados por políticos e especialista favoráveis e contrários a aprovação da medida provisória 759/16.
Quais são as críticas ao projeto
O pesquisador do Movimento Sem Terra e graduando em Ciências Sociais, Rafael de Andrade Almeida, 25, afirma que a Medida é um processo de reconcentração de terras da União, ou seja, da privatização das terras, principalmente para o capital estrangeiro e tem como maior representante a Bancada Ruralista no Congresso, “com a principal função de amortecer a luta de classes no campo e desmobilizar a luta pela reforma agrária”, diz.
É preciso entender o contexto histórico que envolve essa problemática. Almeida explica que no Brasil, desde a queda das oligarquias agrárias, a burguesia que então nascia tinha o pressuposto de afastar qualquer participação das classes populares. O resultado, segundo ele, foi o desenvolvimento de um estado autocrático burguês, vindo da fusão entre a antiga oligarquia agrária e a burguesia industrial que nasceu com a “Revolução de 1930.” “Assim, o estado sempre agiu a serviço dos interesses privados da burguesia, ou seja, a intervenção estatal sempre visou criar condições favoráveis para expansão do capital privado”. Dessa forma, o Estado faz da Reforma Agrária, apenas políticas públicas de assentamentos que não possuem o menor interesse de romper com as estruturas criadas historicamente e aceitas socialmente.
Partindo desse princípio, a Medida Provisória 759/16 aprovada pela Câmara e encaminhada ao Presidente, é justamente a efetivação da desmobilização do MST, pois os assentamentos da suposta reforma agrária têm condições de extrema miséria e estão localizados em lugares onde o acesso é quase impossível e serviços como atendimento médico, transporte público e escolas são realizados apenas em lugares distantes. “Se você não consegue produzir, não consegue um emprego, devido à distância, o que você vai fazer? Vai morrer de fome? Ou vai tentar vender a sua “propriedade” da qual o Estado te deu a posse, para então tentar buscar melhores condições de vida nos centros urbanos? E quem vai comprar essas terras, aumentando mais a concentração fundiária? Claramente, será aquele 0,8% da burguesia rural que detém mais de 42% das terras produtivas do país. Enfim, entender essa Mp da regularização fundiária, é entender qual classe ela irá favorecer”, finaliza Rafael.
O jornalista e ativista Bauruense, Henrique Perazzi de Aquino, mostra sua preocupação com o cenário municipal. “Meu interesse nesse momento é acompanhar como a Prefeitura Municipal, através da Secretaria Municipal de Planejamento (SEPLAN) na pessoa do prefeito Clodoaldo Gazzeta e da secretária da pasta Letícia Rocco Kirchner estão pensando em tratar o assunto.” Para ele, o governo Federal deixa claro seu interesse de liberar as propriedades para a especulação imobiliária, “ou seja, a negociação favorecendo grupos econômicos, tudo em detrimento do trabalhador”, diz.
O ativista acrescenta que deseja acompanhar cada detalhe dessa situação e que isso é papel de todos os interessados na solução dos graves problemas sociais que o país enfrenta, pois o que em princípio deveria atender interesses populares pode ser desviado para que atenda o interesse de uns poucos. “Quanto à Bauru, o prefeito tem uma batata quente nas mãos, pois selou um compromisso com mais de 800 famílias assentadas em área praticamente urbana e tem prazo para resolver o problema. O prefeito ficou de arrumar um local para abrigar todos e sofre uma enorme pressão para atender os interesses dos especuladores, esses sempre muito atuantes na cidade. Como existe essa pressão, vinda de todos os lados, creio que essas terras quando forem repassadas aos municípios, apenas chegarão às mãos dos menos favorecidos com muita luta, mas muita mesmo”, conclui Perazzi.
Maria Teresa Miceli Kerbauy, mestre em Ciências Sociais e pesquisadora de elites políticas locais (FFCL/Araraquara) apresenta um panorama da questão ambiental em Bauru e que pode ser afetada caso a medida provisória seja sancionada efetivamente como lei. Na cidade existem vários bairros fechados que são hoje chamados de loteamentos fechados e que podem passar a ser regularizados como condomínios fechados. Essa questão envolve também a necessidade do licenciamento ambiental em áreas de interesse social que a medida extingue. “A medida pode fortalecer os grandes interesses territoriais tanto rurais quanto urbanos se não for adequada corretamente”, diz. Dessa forma, é possível que haja uma expansão dos loteamentos nas áreas de proteção ambiental em Bauru. “A mais extensa área de proteção do cerrado do estado de São Paulo, está em Bauru e hoje, ela já diminuiu significativamente. Isso de não precisar de licenciamento ambiental, caso a terra seja de interesse social pode afetar essa área de proteção do cerrado, favorecendo os interesses imobiliários”, comenta a pesquisadora. Vale ressaltar, que o texto da medida pode não ser sancionado dessa forma e futuramente pode ser que se coloque as áreas de proteção ambiental como uma exceção.
Entenda o processo
A Medida Provisória é uma norma prevista na Constituição Federal, conforme o artigo 62, que tem força de Lei e pode ser utilizada somente pelo Presidente da República apenas em situações consideradas de urgência e relevância. Sendo assim, ao expedir uma Medida Provisória, o Presidente deve publicá-la no Diário Oficial da União (DOU) e a partir desse momento, a medida deve seguir para a apreciação do Congresso Nacional, pois ela produz efeitos imediatos, porém depende da aprovação do Congresso Nacional para se transformar definitivamente em lei. Os critérios de urgência e relevância devem ser analisados primeiramente pelo Presidente da República e depois pelo Congresso Nacional, mas o Poder Judiciário pode realizar o controle da constitucionalidade desses critérios quando houver a constatação de desvio de finalidade ou abuso do poder de legislar por parte do executivo.
O prazo de validade de uma Medida Provisória é de 60 dias contados a partir da data de sua publicação no DOU. Caso não seja apreciada no Congresso dentro desse prazo, automaticamente o prazo é prorrogado por mais 60 dias, totalizando 120 dias. Se após este prazo total, a medida não for convertida em lei, ela perde a sua eficácia desde a sua edição e a partir daí o Congresso deve emitir um decreto legislativo, disciplinando as relações jurídicas geradas durante a vigência da medida.
Dentro do Congresso, a medida deve ser apreciada por uma Comissão Mista formada por deputados e senadores para que emitam um parecer a respeito do assunto. Logo após, o texto deve seguir primeiramente para o Plenário da Câmara e depois para o Plenário do Senado para que sejam feitas as votações, as proposições de emendas, se for caso, e as votações da medida.
Caso ocorra a alteração do texto da medida, a partir da proposição de emendas, ela passa a tramitar como projeto de lei de conversão (PLV). Se houverem alterações propostas pelo Senado, o projeto deve voltar à Câmara para a votação dessas emendas e somente após a aprovação ou rejeição das mudanças é que o projeto segue para a sanção do presidente. Se o senado não fizer a proposição de alterações, o projeto de lei de conversão deve ser enviado ao presidente da república para a sanção. O presidente pode sancionar ou vetar integral ou parcialmente o projeto dentro do prazo de 15 dias.
No caso específico da MP 759/2016 da regularização fundiária, após a medida já ter sido aprovada pela Câmara e pelo Senado, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou no dia 20 de junho, que a votação na Câmara fosse refeita devido a uma liminar obtida por deputados e senadores do PT. O pedido foi feito, pois o projeto não foi rediscutido na Câmara após a aprovação das alterações no Senado. Com isso o projeto voltou para a Câmara dos deputados e no último dia 28, entrou novamente da pauta da Câmara, teve 8 emendas aprovadas e foi encaminhado para a sanção presidencial.
Inconstitucionalidade
O advogado Jocelino Junior da Silva, 23, ressalta o perigo do executivo legislar. De acordo, com o artigo 62 da Constituição Federal, a regularização fundiária não é matéria para medida provisória. “A medida provisória foi criada para último caso, pois seus requisitos são relevância e urgência. Mas, o presidente utiliza dela para atrair para si, uma competência que não possui, ou seja, legislar sobre um assunto de seu interesse”, conclui.
O procurador da República de Dourados (MS), Marco Antonio Delfino de Almeida, foi ouvido em uma das audiências públicas realizadas pela comissão mista criada para apreciar a medida provisória e foi um dos poucos a enfatizar os efeitos de inconstitucionalidade. Para ele, a MP não possui assunto de urgência e, que, portanto, deveria ser enviada ao legislativo como um projeto, pois permite que o governo pague em dinheiro as desapropriações e a Constituição diz que desapropriações devem ser pagas com títulos da dívida agrária.