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Música constrói a identidade do interior paulista

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Bauru e região apresentam diversidade de sons e ritmos mesmo com dificuldades de investimento
Por Gabriella Soares e Maria Clara Novais

Uma expressão cultural que nos acompanha desde o início da humanidade, a música faz parte de nossas vidas. Segundo dados históricos, há indícios de que sons instrumentais existam desde 60 mil anos antes de Cristo. Em diferentes épocas e contextos, a música foi significada como uma representação artística, militar, medicinal, educacional e religiosa. Independentemente da função atribuída, composições e melodias sempre constituíram a identidade dos indivíduos e dos povos.

Considerada como a primeira arte, a música é a expressão artística mais acessível, popular e universal. Além disso, permite que as pessoas se unam em torno de uma única  manifestação cultural. Mariana Oliveira Arantes, doutora em História e professora da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM)  afirma que é por isso que “é capaz de atingir questões relativas à identidade de uma cidade, a memória coletiva das pessoas, já que ela é capaz de mobilizar memórias afetivas e individuais. […] ela inclusive pode se constituir em patrimônio histórico não-material de uma cidade”.

A pesquisadora também diz que as manifestações sonoras contribuem para um senso de comunidade e coletividade nas cidades. Blocos de carnaval e bandas marciais, por exemplo, desempenham diversos papéis dentro de um município. O mesmo ocorre com movimentos culturais, como os de hip hop e de samba, que desenvolvem atividades além da artística, como política e social. E essa atuação pode ser determinante para o desenvolvimento de uma cidade.

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O samba é um exemplo de ritmo que constitui a identidade de diversas cidades brasileiras

Essa inclusive é uma realidade para o interior paulista. Na primeira década dos anos 2000, a forma como a indústria musical era organizada favorecia os artistas que se encontravam nos grandes centros, já que eles estavam mais próximos dos meios de comunicação, como grande redes de televisão e rádio. No entanto, a popularização da internet garantiu uma nova configuração do mercado. As tecnologias possibilitam que os músicos produzam áudio e vídeo em qualquer lugar com qualidade. Dessa forma, os músicos não precisam dos meios tradicionais para divulgar os seus trabalhos e podem permanecer no interior se assim desejarem. E ao permanecer podem atuar de diferentes formas na cidade e se conectar à identidade desses locais.

 
Cultura e entretenimento

A música no interior paulista tem uma lógica própria de funcionamento. A visão de que o sertanejo é o ritmo identitário dessa região é alimentada pela forma como o interior é retratado pelas mídias. A associação desse gênero com o modo de viver interiorano faz com que outros gêneros musicais que se desenvolvem nessa área percam espaço não apenas nos meios de comunicação como nas próprias cidades.

Assim, mesmo ritmos que têm público na cidade de Bauru encontram dificuldades para ocupar um espaço cultural. “O que a gente vê é que existe uma cultura forte do sertanejo no interior e isso acaba tomando quase todos os lugares. […] Hoje, o público do sertanejo tem muitos lugares aonde ir,  o público do funk e do pagode romântico também têm algumas opções, enquanto o samba tenta se locomover dentro dessa lógica e encontrar pequenos espaços”, diz Ivo Fernandes, coordenador do movimento Coletivo Samba, que surgiu em 2014 na cidade com o objetivo de promover o samba e os sambistas regionais.

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Primeiro Encontro de Sambistas 2018 promovido pelo movimento Coletivo Samba

O músico Gabriel Blackalpha concorda e acrescenta que o público muitas vezes não está aberto à novidades. “Aqui no interior também tem uma limitação para bandas autorais. Se as pessoas não conhecem os artistas, elas não vão ao show. Elas precisam de uma identificação para estar lá. Se desprender de alguns conceitos e experimentar o novo é uma coisa, que no interior, é difícil de encontrar. Já nas capitais tem muitas pessoas com diferentes gostos, porque tem vários nichos”, diz ele.

Apesar da facilidade que os avanços tecnológicos proporcionaram, muitos artistas ainda consideram que os grandes centros têm vantagens em relação ao interior. O músico, professor e compositor Thiago Lucali afirma que uma dificuldade das cidades do interior é a estrutura da cena musical. Isso porque as capitais, por terem uma maior concentração de pessoa, possuem mais espaços para divulgação, como casas de shows, bares e festivais. Além disso, a presença de gravadoras e produtoras também estimula o mercado.

Dessa forma, ainda que alguns festivais que ocorrem no interior abram espaço para a música autoral que não o sertanejo, “o que se tem na cidade é um circuito de música que atende a ideia do entretenimento, em locais que as pessoas não estão necessariamente para ouvir a música e sim para uma outra forma de divertimento”, declara Lucali.

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A falta de espaço para manifestações artísticas atinge ainda mais culturas que são periféricas na sociedade, como ressalta a pesquisadora Arantes. “Geralmente, o poder público apoia manifestações ligadas ao folclore nacional ou à música clássica, erudita, e crítica e nega qualquer forma de apoio às manifestações mais periféricas, principalmente manifestações culturais ligadas à música popular e que se desenvolvem nos bairros mais periféricos das cidades”.

Um exemplo disso é o samba, principalmente o de raíz e de partido-alto, ritmos originados no início do século XX e que mais se aproximam das raízes africanas. Essa é a realidade do Coletivo Samba, que, além de lutar pelas oportunidades que já existem, precisam criar os próprios espaços. Um maior número de locais para as apresentações significaria uma continuidade de trabalho e assim uma valorização, inclusive econômica, desses artistas. Para isso, o grupo bauruense busca a pluralidade de ritmos musicais e a resistência à imposição que a cultura de massa faz ao definir arbitrariamente o que o interior deve consumir.

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Sustentabilidade musical

A forma como a mídia representa a música no interior influencia também quais grupos e gêneros recebem apoio financeiro. Grandes investidores apostam em artistas que podem trazer um maior retorno monetário, ou seja, aqueles que produzem dentro da lógica comercial. Isis Maria fez parte do grupo Enxame Coletivo, o ponto Fora do Eixo de Bauru, que buscava realizar um circuito musical e a democratizar o cenário na cidade em 2009, e relata que o apoio sempre foi algo difícil de conseguir. “Essa é uma das grandes preocupações, porque nem todo mundo consegue desassociar cultura e entretenimento. Bauru, por exemplo, tem orçamento para gastar no aniversário da cidade. E eles vão investir em um grande nome da música atual de fora, mas não tem esse mesmo investimento em pequenos eventos ou bandas locais”, diz ela.

Para os músicos Thiago Lucali e Gabriel BlackAlpha, pelo tamanho da cidade, pela localização geográfica e pela movimentação universitária, Bauru aposta pouco no cenário musical. O investimento público na pluralidade contribuiria para construir um cenário mais democrático no interior paulista. Esse também é o desejo do Coletivo Samba, que sofre com a falta de apoio municipal. Segundo Ivo Fernandes, a única instituição que manifestou interesse em pagar e dar algum incentivo financeiro para o coletivo foi o SESC – Bauru.

Essa iniciativa privada, que atua nas áreas de educação, saúde, lazer, cultura e assistência, tem como objetivo valorizar artistas e, por isso, tem uma política de estímulo  a músicos alternativos. Fabiana Monteiro, programadora cultural do SESC Bauru, acredita que é importante trazer músicos de cidade e da região para manter um diálogo local, mas também é necessário promover o intercâmbio com artistas de outras regiões.

Para a programadora, falta uma programação sistemática municipal que garanta espaço para as manifestações culturais. Entretanto, esse problema de investimento não é apenas regional, mas uma característica de todo o país. “Uma manifestação cultural ou artística não é prioridade dentro da política das cidades. O trabalhador artístico é precarizado. É um problema estrutural de como a gente lida com a cultura. Cada vez mais os incentivos vão caindo. Então é menos um problema local, de cada cidade, mas um problema estrutural, social, político e ideológico”, completa.

Incentivos Culturais

Gabriel acredita que não é falta de capital para ser investido, mas poucos gêneros concentram as aplicações financeiras já que o mercado do interior não é compreendido. Uma alternativa para superar essa lógica de mercado seria utilizar a internet para se autopromover. Entretanto, poucas bandas e artistas conseguem se destacar, já que, para o artista, falta conhecimento administrativo.

Em Botucatu, o cenário é um pouco diferente.  Hell Hound, guitarrista da banda de crossover botucatuense D.I.E, afirma que “para uma cidade desse tamanho, 150 mil habitantes, estamos anos luz à frente de muitos lugares. Conseguimos colocar palcos alternativos no aniversário da cidade, virada cultural e colocamos no calendário municipal o festival Dia Mundial do Rock, que já tem dois anos”.

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O atrativo do interior

A pouca oferta de determinados gêneros no interior paulista também pode ter um lado positivo para grupos culturais locais. Muitas vezes, o mercado das capitais está saturado enquanto que no interior pode haver pouca oferta de uma manifestação, como ocorre com o Coletivo Samba. “É um trabalho único. Não tem outras pessoas que o façam. É como diz a música do grande compositor Serginho Miriti ‘se a gente não faz, vai ficar por fazer e ficar por fazer é deixar o pior acontecer’. […] A principal vantagem de tocar no interior é que há poucas pessoas que fazem o mesmo tipo de música e, assim, o coletivo se tornou uma referência”, relata Ivo Fernandes.

Outra questão que beneficia os artistas do interior é a proximidade. Como afirma Isis Maria, a conexão entre as pessoas é mais forte, então é possível conhecer a maior parte da cena cultural de uma cidade, diferente de uma capital. Gabriel diz ainda que “o público do interior é mais quente, ele é mais fiel. Ele consome mais o produto do artista do que nos grandes centros […] e isso favorece a fidelização do fã. O artista tem como vender o seu trabalho de uma maneira mais próxima do que o artista de São Paulo. Na capital, muita gente vai aos locais por causa da casa e não por causa do artista que está tocando e lá tem muita banda, muita concorrência”.

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Essa preferência pelo interior também tem motivos emocionais e que se refere à qualidade de vida dessa região do estado de São Paulo. Botucatu, por exemplo, é a quinta melhor cidade entre 100 e 200 mil habitantes para se viver, segundo dados de 2016 do Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM). Os membros da banda D.I.E. não consideram mudar para um grande centro brasileiro, pois na cidade eles estão próximos da família e já tem uma base de fãs.

Assim, segundo Emerson Gomes, músico e produtor cultural responsável pelo Festival Quilombo Groove de Bauru, a fronteira entre capital e interior vem se estreitando.“Há grandes músicos e artistas do interior de São Paulo na cena musical nacional e internacional, Liniker de Araraquara, Coruja BC1 de Bauru, Camila Garófalo de Ribeirão, Tássia Reis de Jacareí, sem contar com artistas que estão acontecendo hoje que são do interior do Brasil, Xênia, Djonga”.

Festivais de música no interior paulista

Esses expoentes que surgiram no interior, assim como as bandas e músicos que ainda se mantém na região são reflexos da diversidade encontrada no cenário musical paulista. Os diferentes artistas que se desenvolvem nessas cidades também comprovam que a identidade interiorana ultrapassa a imagem criada pelos meios de comunicação. Em tais municípios, diferentes gêneros, mesmo com todas as dificuldades, convivem em busca de um cenário musical que represente a diversidade e a pluralidade de seus públicos.

Redação

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