Sob os cuidados de seus moradores, o cultivo de hortas orgânicas mudou a perspectiva alimentar e social de uma comunidade inteira
O acampamento Nova Canaã nasceu há dois anos e já abriga cerca de 450 famílias, em sua maioria mulheres e crianças. A iniciativa foi do grupo MSLT – Movimento Social de Luta dos Trabalhadores, que coordena a construção de novas casas e dá suporte aos moradores.
A comunidade cresceu rapidamente, “As famílias foram vindo aos poucos e foram criando o bairro, foi evoluindo e virou isso que é hoje”, conta Cristiane Santos, coordenadora do Nova Canaã. Porém, a infraestrutura não consegue acompanhar as necessidades básicas do local, falta água encanada – o acampamento recebe água potável apenas três vezes na semana, não há iluminação pública, as ruas não são asfaltadas e o transporte público não atende todo o percurso – o ponto de ônibus mais próximo fica há mais de um quilômetro do acesso ao Nova Canaã.
Sem creches e escolas por perto, as crianças acima de 7 anos de idade recebem transporte da prefeitura para se locomoverem até lá. A medida não é suficiente, os ônibus escolares disponíveis não são apropriados para os pequenos com menos de sete anos, o que impede que estes tenham acesso às vagas nas creches. Essa questão reflete na economia familiar: as mães, sem terem onde deixar as crianças, ocupam o papel de dona de casa e não conseguem contribuir com o rendimento financeiro.
Outro problema é a situação de irregularidade com a prefeitura de Bauru, pois o terreno é reivindicado como propriedade particular, e mesmo com promessa do novo prefeito Clodoaldo Gazzetta de regulamentá-lo, os moradores ainda sofrem com o possível despejo.
Em meio a tantos obstáculos, os moradores encontram nas terras do Canaã o plantio de orgânicos como fonte de alimentação, como hobbie e cura para muitas doenças.
As hortas das Marias
A terra aparentemente infértil não assustou os novos residentes do Canaã, pois ali quase todos têm sua própria horta em casa. A variedade é imensa: tomateiros, chuchuzeiros, pés de alface, de feijão, de hortelã, bananeiras, e há quem diga que tem plantado no quintal até a cura do câncer.
Mais do que fonte de alimentação, as hortas funcionam como atividade social e lazer dos moradores. Poucos vendem as frutas, verduras e legumes semeadas, porque para eles o valor maior está no ato de cultivar as pequenas mudas, que aos poucos tomam conta dos espaços antes inutilizados pela terra seca.
Na terra encontra-se também a possibilidade de cura para diversas doenças. A arruda como anti-inflamatório, o boldo em caso de enjoos, citronela como repelente natural, o barbatimão como cicatrizante, e por aí vai.
Vizinhas, as Marias mostram com orgulho as hortas cultivadas, resultado de muita paciência e amor. Qualquer hortaliça perguntada está presente ali – beterraba, rúcula, coentro, rabanete. Há tanta variedade que algumas nem sequer conseguem se lembrar do nome: “Esse aí na cerca é de comer também, só que o nome eu não me lembro. Passou na televisão, isso aí é vitamina”.
Os animais têm espaço especial no ecossistema particular de cada uma das Marias. A criação de galos e galinhas não é para consumo da carne branca, dividem espaço com gatos e cachorros, todos são animais de estimação.
A fartura é tanta que o chuchuzeiro de Dona Maria ultrapassou sua cerca, e já compete espaço com a horta de Dona Maria Helena. A variedade e o espaço não são suficientes para os sonhos dessas Marias, “Pena que é pequeno, se fosse maior dava pra fazer uma coisa mais linda”.