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Novos relacionamentos moldados pela era digital

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Alguns dos aplicativos de encontros disponívels na Play Store, loja online da Google (Foto: Reprodução)


Na tela do celular a foto de uma pessoa aparece juntamente com um nome e a idade. Ao clicar nessa foto, um perfil é aberto e mais imagens desta são disponibilizadas. Além de algumas informações, como a distância em que ela se encontra de você, onde trabalha ou estuda, também é possível visualizar uma breve descrição ou qualquer outra coisa que a pessoa julgar interessante escrever – como se fosse um cartão de visita.
Com relação a este perfil, tem-se duas únicas opções resumidas em dois botões: um botão possui o formato da letra X e outro o formato de um coração. O significado de cada um é bem simples e feito de opostos: enquanto um indica que você não gostou daquele perfil, o outro revela sua aprovação e, consequentemente, o interesse em conhecer melhor a pessoa.
E assim funciona o aplicativo. Em meio a cliques de coração, uma nova notificação pode surgir a qualquer momento dizendo “It’s a Match!” (É uma combinação!, em tradução livre). Caso haja dois matches recíprocos, abre-se então uma janela de conversa possibilitando o contato dessas duas pessoas.

Imagem de divulgação do Tinder, mostrando o momento de uma combinação


Resumidamente, esse é o modo como funciona o Tinder – um aplicativo de relacionamento para celular criado em 2012. O programa é um dos mais populares do mundo nesse ramo. Segundo dados dos desenvolvedores, estão presentes em um total de 192 países e a quantidade de “matches” – ou combinações – realizadas ultrapassa os 20 bilhões.
O Tinder, entretanto, não é a única ferramenta voltada para relacionamentos, inclusive hoje existem aplicativos exclusivos para públicos específicos – homens homossexuais, mulheres homossexuais, sexo a três, mães e pais solteiros. Seguindo a onda dos sites de bate-papo da década passada, os softwares para celular ainda fornecem opções seletivas para os usuários, incluindo gostos e afinidades, altura, idade e outros aspectos. Criando desta maneira uma condição de parceiro ideal. Esse cenário possibilitou ao século XXI o surgimento de novas e complexas relações interpessoais.

País conectado

O Brasil é um dos países que mais consomem aplicativos para smartphone da América Latina. De acordo com uma pesquisa em conjunto da We Are Social, eMarketer e Ericson, são 84,9 milhões de usuários de internet móvel no país, contra 231 milhões em todo o continente: mais de um terço do total corresponde a nós brasileiros.
Além disso, os brasileiros costumam passar grande parte do tempo utilizando seus smartphones. Conforme dados do GlobalWebIndex, em 2015 o tempo médio do brasileiro usando um smartphone foi de aproximadamente 3 horas e 40 minutos por dia. Para efeito de comparação, em 2012 o tempo médio era de uma hora e 18 minutos.
Diante desse crescimento no uso diário, muitos aplicativos têm sido utilizados com as mais diversas funções e finalidades. Na telefonia móvel, a variedade de programas que podem ser baixados para celulares é imensa, partindo de redes sociais a utilitários que facilitam o cotidiano, como aplicativos de banco e transporte. Isto posto, os smartphones tornaram-se dispositivos que permitem ao usuário ter tudo o que ele precisa, na palma de sua mão, sem que seja necessário se deslocar até algum lugar. Existem também inúmeras formas de entretenimento, como jogos e os serviços de streaming.
Assim como atualmente as pessoas possuem essa possibilidade de realizar afazeres do dia a dia diretamente do celular, elas também podem recorrer ao próprio aparelho para conhecer e encontrar novas pessoas. Aí que entram os aplicativos de relacionamento. Uma rápida pesquisa nos mostra que existem muitas opções segmentadas.
Um aplicativo popular na rede é o Happn, que funciona para descobrir pessoas que estão na mesma localização que o usuário. Do mesmo modo é possível encontrar aplicativos que são destinados a públicos específicos. O Divino Amor, com mais de 500 mil downloads na Play Store, é voltado especialmente para cristãos – o programa inclusive permite apenas encontros entre casais heterossexuais.
A segmentação envolve até laços familiares e faixas etárias. O Single Parent Meet foi criado para o pessoas solteiras que possuem filhos. Outra opção é o CoroaMetade, que tem como objetivo um público mais velho: ele é destinado para usuários com mais de 40 anos de idade. Existe ainda o MeuPatrocínio: um aplicativo voltado para conectar “Sugar Daddies” e “Sugar Mommies” – termos usados para definir pessoas bem-sucedidas financeiramente e dispostas a gastar – e “Sugar Babies”, jovens que procuram alguém para dar apoio financeiro.
O público LGBT possui opções como o Grindr e o Hornet para homens homossexuais, enquanto o Femme e o Her são para as mulheres homossexuais. Os aplicativos que não são segmentados, como Tinder, Happn e Badoo, oferecem opções para encontros homossexuais.
E, por último, há uma parcela de aplicativos de relacionamentos que é voltada para realizar encontros através de afinidades próximas. O OkCupid, com mais de 10 milhões de downloads, tem a proposta de mostrar a verdadeira personalidade da pessoa, e não apenas as fotos: são feitas uma série de perguntas específicas e o aplicativo encontra o par perfeito através do conteúdo das respostas. O software também surpreende ao oferecer para o usuário 13 opções de orientação sexual e outras 22 opções de gênero. Todas são disponibilizadas em um guia no site do programa.
Essa gama de aplicativos permite ao usuário que ele consiga encontrar uma ou mais pessoas de acordo com o segmento que mais preferir. É algo inédito, mesmo quando comparado aos sites de relacionamento que fizeram sucesso na década passada. Agora, é possível começar um relacionamento ou arrumar um encontro a partir do tipo de programa que foi baixado em seu celular. E isso gera novos e complexos tipos de relacionamento.

Relacionamentos no mundo digital – as vantagens e os riscos

Os aplicativos funcionam como um filtro para selecionar pessoas por afinidade e suas preferências. Os usuários utilizam para um encontro descompromissado ou até mesmo com intuito de conseguir algo mais sério. A experiência pode render boas lembranças e até mesmo um novo relacionamento, mas é importante sempre ter cuidado, uma vez que muitas pessoas encontram no anonimato uma brecha para realizar crimes.
Isis Vieira (nome fictício) mora em São Paulo e hoje está em um relacionamento que começou de uma forma inesperada. Estudante da Universidade de São Paulo (USP), ela sempre frequentava as festas da faculdade e conhecia pessoas diferentes. Como se interessa por novas tecnologias, resolveu utilizar o aplicativo Happn (inserir hiperlink). Ela conta que começou de uma forma descontraída: “Não imaginava que fosse encontrar pessoas realmente dispostas a algo sério nos aplicativos”.

Propaganda do aplicativo Happn: “Encontre com quem você cruzou” (Foto: Divulgação)


Ela e Matheus Sarabi* (nome fictício) começaram a namorar seis meses depois do primeiro encontro, e acredita que o aplicativo ajudou no processo: “Acho que facilita muito pra conhecer pessoas, além do que já filtra bem porque mostra quem frequenta os mesmos lugares que você, os gostos, idade, se tem amigos em comum”.
Diferentemente de Isis, Vera Mosquini (40), não tinha o costume de sair para festas ou bares. Então a experiência do aplicativo a possibilitou de conhecer Marcos que, assim como ela, também estava em busca de sua cara metade. “Eu acredito que o app ajuda muito, pois se fosse em um barzinho ou balada não seria igual. Com o aplicativo dá para conversar bastante sobre a vida”, conta. Ela revelou que eles começaram a namorar um dia após se conhecerem: “No final aconteceu o beijo e esse momento sentimos que tínhamos encontrado a pessoa ideal”. Hoje, após sete meses do encontro, eles já dividem o mesmo teto e fazem planos para o ano que vem: oficializar com matrimônio.
Entretanto, uma preocupação que os usuários dos aplicativos apresentam é em relação à segurança, Isis conta que no caso dela, marcaram em um bar movimentado para evitar problemas. Outras dicas comuns também são sempre informar um conhecido sobre o encontro e combinar mensagens de segurança.
Em comparação aos encontros combinados de formas mais convencionais, Isis viu vantagem em utilizar o aplicativo: “Acho que a principal diferença é conversar com alguém que você nunca viu ao vivo, gera expectativa para conhecer”.  Entretanto ela acredita que existem alguns riscos: “Não dá pra ter certeza do que esperar”.
Todavia, nem todas as experiências encontram um final feliz. Recentemente, veio à público o caso da advogada de 43 anos que foi estuprada após marcar um encontro através do aplicativo de relacionamento Tinder.
Ela relatou a experiência em uma coluna e conta que teve precauções na hora de marcar o encontro: “Comecei a conversar mais profundamente com um homem. Quando marcamos de nos conhecer pessoalmente, pedi seu nome, RG e CPF. Como ele me mandou de cara, não me preocupei em checar as informações. Mais tarde descobri que ele mandou os dados de um jogador de futebol famoso, mas nem me liguei”, alerta.
O encontro, que segundo a advogada começou bem, terminou de forma trágica: “Ele respondeu que faria (sexo) sem camisinha. Logo se debruçou sobre mim, segurou meu pescoço, o virou para não me sufocar no travesseiro e fez sexo anal. Pedi para ele parar, mas ele respondia: “Fica quietinha”. Pedi para ele parar novamente, até que percebi que minhas reclamações não adiantariam nada. Ele fez sexo vaginal também. Fiquei olhando para um ponto fixo esperando aquilo tudo acabar.
Ela conta que depois do acontecido, recebeu outros relatos de usuárias de aplicativos: “Logo em seguida, o homem que me estuprou desapareceu do perfil e eu também sai do Tinder. Conversei com alguns amigos sobre o que tinha acontecido e recebi mensagens de várias mulheres que passaram pela mesma coisa, em encontros marcados pelo Tinder e pelo Happn. É muito triste”.
A empresa responsável pelo aplicativo escreveu uma declaração para o ocorrido:

Estamos profundamente tristes com esta notícia, e nossos pensamentos estão com a vítima. Pessoas mal-intencionadas existem em restaurantes, livrarias, nas redes e nos aplicativos sociais. Embora a grande maioria dos nossos usuários tenha boas experiências em nosso aplicativo, não somos imunes a malfeitores.
Encorajamos que o usuário que tenha sido vítima de crime reporte o caso para as autoridades locais. Iremos cooperar com as autoridades no que for preciso para auxiliar nas investigações. Além disso, recomendamos aos nossos usuários que conheçam nossas dicas de segurança, disponíveis online e no aplicativo, e denunciem qualquer atividade suspeita no próprio app ou pelo e-mail help@gotinder.com.

 

Inclusão

Grindr

“Direitos LGBT Globais, Profilaxia Pré-exposição, teste de HIV, igualdade, eleições. Vamos lidar com nossos problemas” diz outdoor promovido pelo aplicativo Grindr (Foto: Divulgação/Grindr)


No âmbito LGBT, os aplicativos de relacionamento fazem muito sucesso. Grindr e Hornet são dois exemplos de programas desse tipo, os dois destinados para homens homossexuais. O primeiro possui mais de 10 milhões de instalações em smartphones, enquanto o segundo possui mais de 5 milhões. Nesses, o funcionamento é muito parecido com os aplicativos voltados para o público heterossexual: criação de perfil com fotos, descrição e gostos.
Esses dois programas abrem espaço para discussões sobre sexualidade e o comportamento do público homossexual. Venan Alencar, mestre em Estudos Linguísticos pela Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, é um dos que estudam o assunto. Ele é autor da dissertação de mestrado “Aplicativos de encontros gays: traços identitários de seus usuários em Belo Horizonte”, na qual analisa as descrições de perfil dos usuários. Além disso, Venan já trabalhou com a questão dos aplicativos de encontros em outras ocasiões, como na discussão do imaginários sociodiscursivos e das identidades sociais.
Através de um contato por e-mail, Venan revela que os usuários destes aplicativos tendem a se sentir mais confortáveis. “Acredito que a maioria deles encontrou nesse espaço de sociabilidade ‘virtual’ um lugar para mobilizar seus desejos, seus interesses, suas inquietações, suas exigências e, inclusive, seus preconceitos. Entretanto, não se trata de uma espécie de paraíso das homossexualidades masculinas – existem muitas questões passíveis de serem analisadas e por isso o trabalho com tais mídias é tão interessante, ao meu ver. O sentir-se confortável tem muito a ver com a sensação de anonimato, de uma possibilidade de fugir das pressões sociais que envolvem o declarar-se gay. Portanto, muitos usuários encontraram nesses aplicativos meios de se deslocarem livremente, já que as amarras e os constrangimentos da vida pública, por muitas vezes, não os permite fazê-lo.”, explica.
Apesar de serem espaços criados para reunir homens homossexuais, a homossexualidade ainda pode vista com alguns preconceitos nesse ambiente virtual. “As homossexualidades, nesse caso em específico, são tratadas de formas bastante plurais – trata-se de sujeitos vindos de diferentes formações, com diferentes níveis de escolaridade, de acesso a informação, de renda e de entendimento sobre seus próprios desejos. Desta forma, nessa multidão de quadrinhos com fotos em linhas umas abaixo das outras (assim está configurada a primeira ‘página’ de um aplicativo de encontro gay), nos deparamos com descrições bastante diversas mas que, no final das contas, tendem a dizer mais ou menos a mesma coisa”, comenta Venan.
O estudioso ainda completa: “É inegável que as homossexualidades são vistas, pelos próprios usuários dos aplicativos, de forma negativa. Eles tendem a negativar os traços de feminilidades presentes em homens gays – e por isso rechaçam os efeminados –, e a sobrevalorizar os traços de masculinidades, como a virilidade, o ‘parecer homem’, o ‘não ter trejeitos’, e por aí vai. A tendência geral, portanto, é mais de desqualificação de um outro imaginado do que de integração de sexualidades dissidentes, que foi a proposta do criador do Hornet, por exemplo. Tenho visto ultimamente também alguns usuários que criticam quem entra nos aplicativos para moralmente minimizar os outros, seja por meio de suas descrições, seja em seus diálogos propriamente ditos. Esses sujeitos estão arraigados em padrões da cultura hegemônica tão fortes que mal percebem (prefiro acreditar nisso) o quão preconceituosos, machistas e mesmo homofóbicos podem ser.”
O ambiente desses aplicativos faz com que os desejos dos usuários fiquem mais explícitos. Entretanto, isso pode gerar complicações devido à carga de preconceitos: “Os usuários dessas mídias veem nesse espaço uma oportunidade de falar mais abertamente sobre suas preferências sexuais, até mesmo de comportamentos”, comenta Venan. Ele não nega que a maioria das pessoas possui desejo por homens gays “viris, não efeminados, que não tenham trejeitos indesejados. Por esse motivo, esses desejos podem estar inclusive carregados de preconceitos e não raro são justificados como preferências. Isso abre para uma longa discussão sobre o que é preferência e o que é construção social quando se trata de desejos”, completa.
A popularização dos aplicativos de relacionamento no século XXI mostra que possui lados bons e ruins. Entretanto, é inegável que esta materialização tenha difundido e criado novas formas de se relacionar, principalmente de uma maneira mais seletiva e diferente de como isso acontecia em décadas passadas.
 
 

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Redação

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