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O vegetarianismo é alternativa para a produção animal em larga escala, mas o alto custo dos alimentos ainda não está ao alcance de toda a população

Caroline Braga, Lígia Morais e Marina Spada

Sentaram-se à mesa de almoço em Paris, no dia 30 de novembro, 150 líderes mundiais que participariam das discussões de um novo acordo global do clima, na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. Durante a preparação do cardápio, Laurent Fabius, ministro francês das Relações Exteriores e presidente da COP 21, antecipava: “Será um almoço que fará jus à excelência ecológica e excelência gastronômica francesas”. Sobre a mesa, produtos locais, na maioria orgânicos. A Conferência, que se estendeu até o dia 12 de dezembro, firmou compromissos de redução da emissão de gases causadores do efeito estufa (GEE) – e a produção de alimentos é setor relevante a ser considerado.

O Brasil está entre os dez maiores emissores de gases estufa. Em agosto deste ano, o Observatório do Clima publicou relatório que indicava a agropecuária como diretamente responsável por 30% do total de emissões do país – sendo que, segundo o IBGE, o Brasil possui o segundo maior rebanho bovino do mundo, atrás apenas da Índia. Considerando o período de 1970 a 2013, as emissões do setor aumentaram 160%. Apesar do avanço econômico, esse crescimento, segundo a análise do Observatório, implica maior preocupação à respeito dos problemas ambientais causados pelo setor de produção animal – como a emissão de metano pelo gado, o uso de fertilizantes nitrogenados e o excesso de dióxido de carbono (CO2) liberado na atmosfera pelo desmatamento para expansão agrícola; além da poluição dos recursos hídricos, da degradação dos sistemas ambientais e da degradação do solo.

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A demanda global de alimentos tende a crescer entre 15% e 40% nas próximas décadas (FAO/ONU). A agropecuária mundial tem o desafio de lidar com esse aumento e reduzir suas emissões de GEE.

O Observatório do Clima aponta que a agropecuária brasileira tem potencial para reduzir suas emissões se políticas públicas incentivarem em larga escala o manejo correto dos pastos e a recuperação das pastagens degradadas. João Martins, presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) certifica que o setor depende diretamente de investimento do governo. Em nota da CNA, ele afirma ver nos compromissos estabelecidos pela COP 21 um avanço, e indica que o negócio agropecuário brasileiro terá papel fundamental nesse processo. “Buscamos um modelo que atenda as exigências ambientais, mas que permita a exploração econômica destas áreas e possibilite o aumento da renda do produtor rural”, pondera.

Para a Sociedade Vegetariana Brasileira, porém, “A criação de animais para consumo é ambientalmente desastrosa”. A organização aponta que o setor agropecuário é responsável por 14,5% das emissões de GEE causadas por atividades humanas, em escala global (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, 2013). Também indicam que a produção de 1 kg de carne bovina no Brasil, que emite 335 kg de CO2 na atmosfera, equivale às emissões produzidas ao se dirigir um carro médio por 1.600 km (Schmidinger K, Stehfest E, 2012). Segundo a Sociedade Vegetariana, “Uma das formas mais eficazes de mudar os nossos hábitos em favor de um meio ambiente mais saudável e equilibrado é, sem dúvida, adotar uma alimentação vegetariana”.

O PACIFIC INSTITUTE FOR CLIMATE SOLUTIONS APONTA QUE A DIETA VEGETARIANA PODE AJUDAR NA DIMINUIÇÃO DA PEGADA ECOLÓGICA, ISTO É, NO IMPACTO QUE CADA INDIVÍDUO CAUSA NO MEIO AMBIENTE.

Mais grãos,  por favor

O vegetarianismo se apresenta como uma opção de regime alimentar que permite distanciar o consumidor das práticas de produção alimentícia em larga escala. Vegetariano deriva do latim vegetus – “forte”, “vigoroso” saudável” – e pode ser definido como um regime alimentar que não depende do sacrifício de vidas animais. Desse modo, vegetarianos não consomem carnes e seus derivados, mas podem ingerir laticínios e ovos. Dentro do escopo vegetariano encontra-se também o veganismo, que estende o respeito aos animais para além da alimentação – veganos não incluem qualquer produto de origem animal em sua dieta ou em seu modo de vida, não consumindo carne, laticínios, couro ou lã, por exemplo.

Sergio Greif, mestrando em Alimentos e Nutrição no Departamento de Alimentos e Nutrição da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp, em artigo da Revista Cadernos de Debate, discute possibilidades de sustentabilidade econômica e ecológica a partir da prática do vegetarianismo. De acordo com o autor, a alternativa vegetariana começou a ganhar poopularidade na década de 1970, a partir da publicação do livro de Francis Moore Lappé, “Diet for a Small Planet”, no qual a autora discute os desperdícios envolvendo a atividade pecuária, além de demonstrar “através de diferentes parâmetros (ecológicos, econômicos e sociais), o quanto a pecuária contribui para a destruição de ecossistemas, ao caos de sistemas econômicos e ao empobrecimento de uma maioria de seres humanos”, afirma Greif.

Marly Wincler, socióloga, em artigo no qual discute a relação entre produção de alimentos, degradação ambiental e fome, apresenta dados que visam atestar os benefícios de uma dieta alimentar que exclua carne. A socióloga aponta que para a produção de um quilograma de carne de vaca e um de carne de porco são necessários 7.2 kg e 2.7 kg de grãos e soja, respectivamente. Sobre a relação entre produção pecuária em larga escala e fome, Wincler diz que quarenta pessoas poderiam ser alimentadas com os cereais empregados na produção de um bife de carne bovina de 225 gramas.

Para Sergio Greif, a abstinência de carne não será a solução definitiva para diminuir os impactos negativos deixados pela pecuária em larga escala no meio ambiente, no entanto apresenta o vegetarianismo como um grande passo na direção correta. Para o autor, a prática alimentícia que exclui carnes é necessária na busca de uma sociedade produtivamente sustentável e ecologicamente correta, pois afirma que “os desmatamentos, a extinção das espécies, o desperdício de energia, de água, a poluição atmosférica e dos cursos d’água” estão diretamente relacionados com a dieta onívora dos seres humanos.

No Brasil, o número de pessoas que declaram-se vegetarianos nas principais capitais e grandes centros é crescente: de acordo com os dados do Target Group Index, do IBOPE Media, são 8%. A penetração se altera conforme a idade, sendo 10% entre pessoas de 65 a 75 anos e 7% entre jovens de 20 a 24 anos e pessoas de 35 a 44 anos. Greif aponta que o vegetarianismo voluntário, como observado nos números brasileiros e em parcelas da população de países desenvolvidos, ainda não é expressivo para causar um impacto na indústria pecuária e de produção de alimentos em larga escala. No entanto, os números crescentes apontam para uma mudança de atitude em relação à produção e consumo alimentício, importante para a disseminação de práticas vegetarianas como alternativa.

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Vegetarianismo de boutique?

Nos blogs e portais na web dos adeptos ao vegetarianismo, normalmente é apontada como  a justificativa mais comum entre os contrários à dieta os preços altos dos ingredientes. A gastronomia tem atraído admiradores e entusiastas, especialmente com os reality shows de “alta cozinha”, em que se apresentam pratos de especiarias sofisticadas e que demanda um longo e difícil preparo – o que pode contribuir para a imagem gourmet do vegetarianismo. Os restaurantes especializados nesse tipo de comida também costumam ser apontados como mais salgados no preço, como é o caso do Brasil Wok, franquia que mantem lojas em shoppings centers.

De acordo com a socióloga Marly Wincler, em artigo publicado no portal Vegetarianismo, dos cereais produzidos em solo brasileiro, quase metade são cultivados para a alimentação de animais de criação. A soja, por exemplo, costuma tomar o lugar do feijão no plantio, com o objetivo de exportar e alimentar gado. Consequentemente, quando destinada às prateleiras de supermercado, seu preço costuma alcançar patamares elevados e distantes das opções de alimentos de muitas pessoas. A alimentação humana, ainda de acordo com Wincler, tem origem tradicional nos alimentos vegetais. Foi apenas recentemente que países ricos e “a elite urbana de países pobres” passaram a aderir ao uso da carne em suas refeição. Em muitas nações, inclusive, comer carne representa um costume de elite ou ainda uma prática reservada à ocasiões especiais.  

Em contrapartida, nas últimas décadas com o desenvolvimento de novas técnicas agrárias e com o uso de fertilizantes químicos e pesticidas, a produção de grãos passou por um significativo aumento. Esse excedente de produção, contudo, não teve reflexo algum na mesa do consumidor, como esclarece a socióloga, já que foram dedicados, à exemplo da soja, para a alimentação de animais de abate que são criados em confinamento.

Sebastião Wilson Tivelli, agrônomo e pesquisador da Estação Experimental São Roque – ligada à Secretaria Estadual da Agricultura de São Paulo -, explica em seu artigo as razões do alto custo dos produtos da agronomia. Uma delas é o tempo que os vegetais levam para amadurecer; a cenoura, por exemplo, é colhida depois de 117 dias em lavouras sem aditivos químicos e em 97 nas que trabalham com agrotóxicos. A certificação do produto também custa caro ao produtor. Atualmente, os alimentos orgânicos sem uso de agrotóxicos passaram a ser procurados pelos adeptos da dieta vegetariana, em especial a vegana. Esses produtos, porém, são comumente apontados como extremamente caros por causa, em especial, da área de plantio reduzida e das técnicas menos eficientes adotadas em substituição aos agrotóxicos, como aponta Tivelli.

Apesar das circunstâncias do plantio não serem boas para a dieta vegetariana, muitos adeptos afirmam ser possível, sim, fazer boas substituições dos alimentos por grãos e vegetais gastando tanto ou menos os que mantém a carne na alimentação. O principal argumento é o alto preço do quilo da carne bovina, e a maior capacidade de rendimento dos  legumes, vegetais etc., que poderiam ser utilizados em várias refeições. O portal Vegetarianismo, por exemplo, possui um acervo de receitas e uma lista vegana para auxiliar na troca dos alimentos de origem animal.

Impressao

O Observatório do Clima já apontou em seu relatório os impactos ambientais da ação agropecuária no ambiente, especialmente no que diz respeito à emissão de gases estufa. O Brasil é um dos grandes responsáveis pela emissão de gases causadores do efeito estufa pela produção agropecuária, já que é um dos maiores produtores de carne bovina do mundo. Além disso, é curioso notar que os preços mais altos de determinados alimentos recorrentes na alimentação dos vegetarianos são causados, dentre outras razões, pela alimentação dos animais criados para o abate. Apesar dos componentes da dieta vegetariana muitas vezes ficarem longe do alcance das pessoas menos abastadas, o crescimento econômico tem se mostrado positivo. Segundo a Associação de Franquias Sustentáveis, em 2012 sabia-se que o mercado de alimentos saudáveis cresceu 80% entre 2004 e 2009. No ano anterior à pesquisa, 40 bilhões de reais haviam sido movimentos por este mercado.

Entre os adeptos e os não adeptos do vegetarianismo, parece que a questão a ser esclarecida é qual preço “pesa” mais no final das contas: se o prejuízo ambiental das dietas com carne ou os alimentos  do vegetarianismo com preços que não se ajustam muito bem ao bolso de todas as classes sociais.

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Redação

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