Nos últimos anos, foram incontáveis as denúncias de abusos sexuais de menores de idade que receberam repercussão por parte da mídia. Seja pelo envolvimento de personalidades, esquemas com membros da administração pública ou de instituições importantes. Segundo levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Ipea, 70% das vítimas de estupro no Brasil são crianças e adolescentes. Além disso, em 2017 foram registradas 3.332 notificações de violência sexual contra crianças e adolescentes no estado de São Paulo. No entanto, a maioria dos casos não chega a se transformar em denúncia, seja por medo das vítimas ou mesmo por falta de conhecimento ou entendimento completo da situação pela qual passaram.
Recentemente, o mundo do esporte foi estremecido por dois casos nos quais pessoas ligadas a ginástica olímpica foram denunciadas por menores vítimas de abuso sexual. O ex-médico da seleção americana de ginástica olímpica Larry Nassar foi condenado a 175 anos de prisão, por abusar sexualmente de 156 atletas, incluindo diversas campeãs olímpicas, que passaram por seu consultório ainda menores. Já no Brasil, o ex-técnico da seleção brasileira de ginástica olímpica Fernando de Carvalho Lopes, está sendo investigado, após 42 ginastas revelarem terem sofrido abusos cometidos por ele.
Embora notícias envolvendo casos ocorridos no esporte sejam recorrentes, a questão do abuso sexual infantil é um problema presente em todas os setores da sociedade. Em maio deste ano, uma menina de 11 anos do interior de São Paulo entregou um bilhete para uma colega de escola no qual ela afirmava sofrer abusos do pai. Após investigação, os estupros foram comprovados por laudo médico e o homem foi detido.
Este caso traz à tona uma questão importante, isso porque a criança conseguiu ter a percepção para compreender que se se encontrava em uma situação abusiva e procurou meios para comunicar o que estava acontecendo com ela e suas irmãs. Essa compreensão não ocorre na maioria dos casos.
Principalmente porque identificar o abuso sexual é algo muito difícil, ainda mais para uma criança. Muitas vezes esse abuso é praticado por pessoas próximas, como membros da família e conhecidos, o que pode ser mal interpretado como algo corriqueiro pela criança. E é por isso que educação sexual deveria ser algo primordial na escola brasileira. Medo, vergonha ou falta de conhecimento são aspectos que reforçam a impunidade.
Segundo a Agência Nacional de Direitos da Infância, ANDI, existem várias formas de manifestação do abuso sexual: “gestos de sedução, voyeurismo e desnudamento, além de toque e carícias. Levar a assistir ou participar de práticas sexuais de qualquer natureza envolvendo crianças e adolescentes também constituem características desse tipo de crime”.
A exploração sexual de menores é tema preocupante e frequente, mas ainda pouco discutido. Uma parceria entre o Instituto Datafolha e o Instituto Liberta, feita em março de 2018, apontou dados preocupantes: dos mais de dois mil entrevistados, 17% conhecem algum menor idade que faz sexo por dinheiro, e 18% já viram alguma situação de exploração infantil e não denunciaram.
Quando entram em debate temas ligados a menores de idade, o primeiro órgão a ser lembrado é o Conselho Tutelar. Isso devido à sua atribuição de zelar pelo cumprimento dos direitos das crianças e adolescentes. No entanto, a entidade não desenvolve projetos sobre o tema e nesse sentido específico de conscientização. Casemiro de Abreu, conselheiro tutelar titular da cidade de Bauru, explica:
“O conselho entende que o papel de orientar e educar, ou não, sexualmente as crianças é função da família, que faz isso de acordo com suas opiniões e crenças […] é a família quem lida com as consequências do que for aprendido e praticado pelo menor. Se uma menina engravidar, por exemplo, ela não pode ser a responsável pela criança, por ainda não ter dezoito anos. Quem acaba assumindo essa obrigação é a mãe, o pai, os avós ou tios”.
A ação do conselho tutelar se dá de forma mais efetiva no acolhimento de denúncias, averiguação e tomada das providências legais. Uma denúncia de abuso só é levada adiante se houver a comprovação de que os direitos da criança foram desrespeitados, Abreu completa: “O conselho só pode agir quando é constatada uma violação dos direitos do menor como educação, alimentação e saúde, e nos casos de abuso sexual não é diferente”.
Existem alguns outros critérios para a efetivação da denúncia, embora seja feita de forma sigilosa, é necessário que o autor se identifique, a fim de evitar falsos testemunhos. Ainda segundo Abreu, os casos em que a denúncia é feita diretamente por crianças, menores de 7 a 14 anos, são raros, geralmente são parentes, vizinhos ou professores que realizam a queixa após perceberem sinais ou um comportamento incomum por parte da criança.
O currículo das escolas estaduais exige apenas que os professores abordem aspectos do aparelho reprodutor na disciplina de ciências, mas não ensinam educação sexual. Cada unidade decide como e se vai trabalhar o tema. No entanto, tendo em vista a importância de as crianças terem uma compreensão de seu corpo e das naturezas de cada tipo de relação, o tipo de toque que é normal e o que não é, se tornam cada vez mais frequentes iniciativas dentro das escolas que buscam conscientizar as crianças a respeito de sua sexualidade.
Na cidade de Bauru, o Departamento de Psicologia da Universidade Estadual Paulista – UNESP – oferece aulas de educação sexual para escolas da rede estadual de ensino. Dessa maneira, alunos de graduação têm oportunidade de retornar aquilo que foi aprendido em sala de aula para a sociedade.
Como forma de estágio, os alunos do curso de Psicologia apresentam temas como métodos contraceptivos, planejamento familiar, doenças sexualmente transmissíveis, direitos humanos, reprodutivos e sexuais, depressão, diversidade, gênero, orientação e identidade sexual, além de transsexualidade e, também, consentimento.
As aulas são ministradas para alunos do nono ano do ensino fundamental. Além disso, os estagiários oferecem orientação para os próprios professores das escolas estaduais. A atividade do projeto foge a sala de aula, como por exemplo tendo rodas de conversas com convidados que abordam os diversos temas apresentados em aula. Sobre isso, Laura Hanitzsch, aluna do terceiro ano de graduação em Psicologia, comenta:
“Foi super legal eles perguntarem. Ver na prática, e poder perguntar para pessoas diferentes, o que eles aprenderam. E ver que eles estavam conseguindo colocar isso no cotidiano deles. Foi bem legal! E eles ficaram super felizes”.
Sobre a opinião dos responsáveis pelos alunos, a estudante conta que as respostas sempre foram positivas:
“Em reunião de pais e professores, os pais elogiaram muito. Falaram que foi muito interessante, que os alunos levavam as discussões para casa. Eles realmente aprenderam. Os alunos gostavam bastante”.
O ensino de educação sexual nas escolas está longe de ser doutrinação ou fazer parte de qualquer tipo de agenda tendenciosa. A conscientização se faz necessária e é um dever do Estado fornecer não apenas informação e conhecimento para a população, mas também apoio e justiça.
O Disque 100, Disque Denúncia Nacional, é um serviço público de proteção de crianças e adolescentes. O número recebe e encaminha dúvidas tanto por telefone quanto por e-mail e internet e tem funciona diariamente das 8h às 22h. As denúncias recebidas são analisadas e então encaminhadas a órgãos de proteção, defesa e responsabilização no prazo de 24 horas.
O Disque 100 pode ser acionado pelos seguintes canais:
Discagem gratuita do número 100 ( para o território do Brasil);
Discagem paga do número (56-61) 3212-8400 ( para ligações de fora do país);
Envio de mensagem para o e-mail d isquedenuncia@sedh.gov.br; e
Denúncia de pornografia envolvendo crianças e adolescentes na internet, pela página w ww.disque100.gov.br.
Vale ressaltar que, além do Disque Denúncia Nacional, existem serviços similares em vários estados e municípios.
O Instituto Liberta oferece, por meio de seu site, uma cartilha de conscientização sobre exploração sexual de crianças e adolescentes: https://goo.gl/w1BFvv.
O suplemento FORUM, do Jornal Unesp de dezembro de 2017: https://goo.gl/Nq1BGM.