O teatro passou por diversas evoluções, mas suas funções principais se mantêm desde os primórdios
Por Larissa Borges Caliari
O teatro é uma atividade que possui seu início desconhecido. Os historiadores acreditam que ele é praticado desde os primórdios da vida humana, como uma das principais formas de comunicação entre os homens. Era utilizada para contar histórias e repassar ensinamentos quando os seres humanos ainda não possuíam a habilidade da comunicação verbal. Dessa forma, uma das saídas encontradas para repassar informações era a representação dos acontecimentos. Portanto, a expressão corporal e a representação, típicas do teatro, já eram utilizadas como forma de retratar acontecimentos de um grupo, para imitar os animais que viram ou caçaram, contar sobre o que aconteceu quando o resto do grupo não estava presente, mostrar qual a foi a técnica que melhor funcionou para pescar um tipo de peixe, entre outras coisas.
Da Grécia Antiga aos dias atuais
Mais tarde, já na Grécia Antiga, o teatro começou a ser praticado como parte das cerimônias para adoração dos deuses, como a celebração Dionisíaca que era realizada para Dionísio, o Deus do vinho, das festas e do teatro. Nessa época, as histórias dos deuses e os mitos eram utilizados como forma de explicar os fenômenos naturais, e eram ensinados para a população através da representação teatral, que até então possuía dois gêneros, a comédia e a tragédia. Cada um desses dois gêneros eram utilizados para alcançar resultados diferentes e passar mensagens diferentes para a população. Geralmente as tragédias eram ligadas a temas mais críticos, como a justiça e o destino. Já a comédia era utilizada para abordar os temas mais leves e divertir a população. Até esse momento, apenas atores homens eram permitidos nessas apresentações teatrais e, por causa disso, grandes máscaras começaram a ser incorporadas durante as encenações, para criar uma cena condizente com a realidade, porém, sem a presença de mulheres reais atuando.
Então, o teatro como é conhecido hoje, foi criado na Grécia Antiga como parte de um ritual sagrado, que tinha como objetivo principal a sua função social. Buscava-se através dele, compartilhar entre o próprios cidadãos o aprendizado sobre os sentidos existentes na natureza, na vida privada e na vida em sociedade, e repassar o conhecimento que já havia sido criado até então. Anos depois Shakespeare ainda via o teatro dessa mesma forma. Em Hamlet ele escreveu: ““A finalidade de representar, tanto no princípio quanto agora, era e é oferecer um espelho à natureza; mostrar à virtude seus próprios traços, à infâmia sua própria imagem, e dar à própria época sua forma e aparência” (Ato III, cena II).
Ao longo do tempo, o fazer teatral passou por muitas transformações, tanto na forma de atuar, quanto na finalidade das apresentações. Em Roma, por exemplo, o objetivo do teatro era divertir a população, e os espetáculos apresentavam apenas comédias. Os espetáculos circenses apresentavam competições entre romanos e cristãos, e incluía mortes como sacrifícios necessários para criar a diversão. Durante a Idade Média, a igreja católica utilizava o teatro para exibir representações das passagens da bíblia e transmitir os ensinamentos religiosos para os fiéis. Já na época do Romantismo, o objetivo do teatro deixou de ser social e passou a ser individual, o teatro acompanhou a tendência do movimento e as peças tinham como tema principal as emoções humanas.
É no século XX, com a chegada do Realismo e do Naturalismo, que o teatro volta a ter a função social como objetivo principal, porém, além de representar a sociedade e o contexto do momento, as apresentações teatrais eram produzidas como forma de críticas, que pretendiam ser um caminho para a abertura de uma discussão entre os cidadãos, sobre assuntos como a política e sociedade, por exemplo. Esses dois últimos movimentos também foram responsáveis por tornar o teatro mais verossímil, à medida em que as peças buscavam atingir atuações mais naturais.
O teatro hoje
Atualmente as principais atrações teatrais são os grandes musicais. / Foto: Larissa Borges Caliari
A origem da palavra teatro é grega, vem dos verbos ver ou enxergar, e pode ser traduzida como “lugar onde se vê”. Para Daniel Christianini, graduado em Educação Artística com Habilitação Plena em Artes Cênicas, esse continua sendo o principal significado da palavra teatro e está ligado ao principal objetivo dessa arte. “É no teatro que uma sociedade pode ver a si mesma”, ele ressalta. Daniel acredita que o propósito do teatro sempre foi bem definido: “A única função do teatro social!”. Ele relembra que até hoje essa é o principal objetivo da atividade, e cita o autor Augusto Boal, que nos anos 1960 criou o Teatro do Oprimido, uma técnica que busca democratizar o fazer teatral e alterar a realidade social através do diálogo.
Atualmente, o teatro pode ser encontrado em vários lugares, apresentado em suas variadas vertentes. Existe o teatro amador, o profissional, o educacional, o comercial, entre outros. Cada um deles com um objetivo bem definido e características próprias. De acordo com Carlos Batista, um dos fundadores do grupo Ato de Bauru, o teatro amador dá permissão para o indivíduo “experimentar sem compromisso com as diversas etapas que o teatro exige para realização de uma peça”. Elisabete Benetti, também fundadora do grupo Ato, acredita que o teatro profissional se diferencia do amador a partir da “dedicação necessária para se viver fazendo o que ama”. Ela também acredita na capacidade de formação dos cidadãos que o teatro possui. “O teatro sempre foi instrumento de educação para grandes pensadores e educadores”.
Além dessas vertentes, a vertente mais utilizada atualmente é a do teatro comercial, que se fez necessária com a chegada do capitalismo. “O teatro assim como toda ação que se faz como uma ocupação principal, isto é, você vive daquilo, seja advogado, engenheiro, o teatro também precisa de recursos para produção de sua obra”, ele observa.
O Grupo Ato surgiu em 1989, na cidade de Bauru, com o objetivo de levar a cultura para a cidade e para a região. Foi fundado por Carlos Batista e Elisabete Benetti, que acreditavam que só a arte é capaz de sensibilizar o homem. No início o grupo mantinha o foco na produção e apresentação de peças. Em 2007, Elisabete criou o projeto Gente Legal, para levar a arte para instituições educacionais e assistenciais. Em 2011, o Grupo Ato tornou-se Ponto de Cultura, através do movimento Cultura Viva do governo federal. Porém, desde 2014, o grupo continua realizando essa atividade voluntariamente, sem nenhum tipo de ajuda do governo federal, com o objetivo de ampliar o entendimento de mundo pelo artístico.
O teatro busca sensibilizar o público e compartilhar suas descobertas com a população. / Foto: Divulgação Grupo Ato
O papel social e educador do teatro
Carlos Batista, além de fundador do grupo, é autor, diretor e produtor. Ele acredita que o teatro tem papel fundamental na sociedade que está inserido. Para ele o teatro “tem uma função importantíssima nas relações sociais. Os mestres nos mostram em suas obras. Exemplos: Sófocles “Édipo Rei”, Shakespeare “Hamlet”, Bertolt Brecht “Mãe Coragem e Seus Filhos”, Augusto Boal “Teatro do Oprimido”. O teatro tem um poder de provocar, de levar tanto os que fazem teatro como os que assistem”.
Elisabete Benetti, que também é professora do grupo de teatro, acredita que a educação teatral vai além da formação social do cidadão. Para ela, o teatro tem papel fundamental no desenvolvimento individual. “O Teatro aproxima o indivíduo dele mesmo. Oportuniza a resolução de conflitos pessoais e sociais a partir do treinamento de leitura e conscientização musical e corporal. Ampliando senso crítico. Transforma o ser e o ambiente em que vive”.
O teatro pode ser utilizado como uma estratégia de educação e é capaz de desenvolver, através de suas atividades, diversas habilidades. Ele já é utilizado por algumas escolas e vem se mostrando eficaz. Elisabete lembra do caso das escolas Waldorf, onde o teatro está incluso na grade curricular dos alunos e traz muitos resultados positivos. Ela comenta que muitas outras escolas também utilizam as atividades teatrais, mas que muitas vezes não tão eficazes quanto poderiam, porque não são ministradas por profissionais capacitados da área. “Acredito que o teatro seria mais eficiente na educação e transformação social, se fosse trabalhado por pessoas mais integradas a esta linguagem”.
Daniel Christianini é um dos integrantes do Grupo Ato. Ele conta que quando criança assistiu a uma peça do grupo e ficou maravilhado. Anos mais tarde, quando já tinha 15 anos, ele entrou para um curso livre de teatro e desde então nunca mais saiu do meio. Ele entrou para o Grupo Ato, grupo que havia produzido a primeira peça que ele assistiu, onde ele participou de várias atividades e atuou em diversas peças. Hoje ele é formado em Artes Cênicas e trabalha com o Grupo Ato como educador no Ponto de Cultura Gente Legal.
O Grupo Ato promove ações para aproximar a comunidades através de ações culturais. / Foto: Divulgação Grupo Ato
O teatro comercial
Atualmente, a forma como mais vemos essa arte é nos palcos dos teatros comerciais, que exibem grandes shows musicais. Esse tipo de produção possui herança no teatro norte-americano. Eles foram criados para ser produtos comerciais do ramo do entretenimento, para atrair público, gerar lucro e movimentar a economia. Por causa disso, propor temas que possibilitassem uma discussão social após as apresentações não era o principal objetivo, mas sim o consumo gerado pela peça. Nos grandes centros urbanos, instituições comerciais oferecem diversas opções de atração para o consumo daqueles que buscam entretenimento, um exemplo disso são os espetáculos na Broadway, em Nova York.
Elisabete acredita que tendo em vista a finalidade destas produções, os teatros “lucrativos e comerciais muitas vezes se distanciam do artístico. Acontece porque o objetivo está comprometido. Não é a ideia, a crítica, a arte e sim o produto”. Para Daniel, as produções comerciais se diferem em muitos aspectos do teatro artístico. “O teatro foi criado para agradar aos deuses, para aliviar as dores, para que os homens olhassem para si mesmos, para suas belezas e mazelas. O teatro sim mantém sua função até hoje. Já o show, o entretenimento, a exibição, são outras coisas”.
Apesar desse histórico construído pelo teatro comercial, de shows com temas superficiais, é possível unir o teatro comercial com o teatro artístico. Apesar de não ser o mais frequente, existem produções teatrais, que apesar de possuírem o objetivo comercial, por ser a atividade principal dos envolvidos, que tiram dali o seu sustento, elas também se preocupam em manter as bases sociais do teatro e despertar na população o senso crítico, cultural e artístico. Carlos pondera sobre assunto: “No mundo do comércio eu acredito que tem dois tipos de pessoas, aquele que faz qualquer coisa para ganhar vantagens financeiras e tem aquele que faz com o compromisso que o teatro tem desde sua origem e necessidade”.
Os teatros da Broadway possuem 500 assentos ou mais, peças apresentadas para um público menor do que esse são consideradas off-Broadway. / Foto: Larissa Borges Caliari
A atuação na vida
A história nos mostra que o teatro sempre foi uma forma de expressão do ser humano, e desempenhou um papel relevante para a construção da vida em sociedade do modo como ela acontece hoje em dia. Além disso, como destaca Carlos, o teatro está presente na vida cotidiana de qualquer pessoa. “O teatro na sua essência mantém sua função desde sempre, ele nasceu dentro de nós. Eu acredito que somos todos atores e atrizes além do palco. Atuamos constantemente desde os primeiros dias de vida. Contracenamos uns com os outros em diversos cenários – dentro do ônibus, na fila do banco, na escola, e no próprio teatro”.