Os fatores que levaram a queda dos índices nacionais são diversos, mesmo assim os riscos e consequências são os mesmos de quando a vacina foi inventada
Antes das vacinas serem inventadas no século XVIII, eram comuns as epidemias que levavam à morte de grande parte da população, de regiões e até países inteiros. Com o pouco desenvolvimento científico da época, os tratamentos das doenças se baseavam nas sabedoria popular e mesmo na religião. Em todo espaço deixado pela ciência, “evidentemente a fé entra para poder fazer a sua parte, preencher esse vazio de sentido” – explica Genivaldo Pereira dos Santos, formado em História pela Faculdades Integradas de Fátima do Sul. Segundo o professor, as epidemias “chegavam a ser tidas como pragas e castigos divinos, como destino, explicações que estavam fora do alcance científico da época”.
Segundo dados do Instituto de Métricas e Avaliação de Saúde (IHME) da Universidade de Washington, em 2016, o Brasil estava entre os países com maiores índices de vacinação, com 99,7% da população-alvo imunizada. Porém, em 2017, os números começaram a despencar. De acordo com dados do PNI (Programa Nacional de Imunizações), do Ministério da Saúde, hoje os índices de alcance das principais vacinas (poliomelite, sarampo, caxumba, rubéola, difteria, varicela, rotavírus e meningite) estão entre 70,7% e 83,9%, muito longe do índice ideal, que prevê a vacinação de 95% do público. Quando o número ideal é alcançado, a população encontra-se imunizada e a doença é considerada erradicada, já que com a maior parte da população protegida, o risco de contágio é quase nulo.
Bauru
Na cidade de Bauru, os dados são ainda mais alarmantes. Os últimos dados (23/08) publicados pela Secretaria Municipal de Saúde indicam que apenas 65,07% das crianças na faixa etária entre 1 e 5 anos foram imunizadas na campanha de vacinação que está ocorrendo contra Sarampo e Pólio. Esse é um número muito baixo quando se leva em consideração o fato de que a campanha de vacinação está em sua reta final. A ação foi realizada até o dia 31 de agosto em todas as Unidades Básicas de Saúde (UBS), e o atendimento acontece nos horários de funcionamento de cada uma das unidades. Para receber a dose da vacina, é obrigatória a apresentação da caderneta de vacinação.
Algumas estratégias foram utilizadas pela Secretaria da Saúde para aumentar o alcance da campanha de vacinação contra Sarampo e Pólio. A primeira delas foi estender o horário de atendimento para vacinação em todas as UBS, porém, não foi bem sucedida, já que o movimento nesses horários era muito baixo e não valia a pena diante dos custos necessários para manter as unidades abertas em tempo extra. Por causa disso, o funcionamento voltou a ocorrer somente no horário normal. A segunda estratégia empregada foi levar para os dois shoppings da cidade postos volantes, que disponibilizaram a vacinação das crianças no dia 18 de agosto das 10h às 17h. Entramos em contato com a Secretaria da Saúde e até o momento da publicação desta reportagem não houve resposta.
Por que as pessoas não vacinam mais?
Segundo Dr. Eudes Nóbrega, membro do Hospital dos Queimados de Bauru e cirurgião plástico no Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC/Centrinho) da USP, acredita que queda dos índices de vacinação atualmente estão relacionados a falta de entendimento da importância da imunização, já que as pessoas não tiveram contato com as doenças. “As novas gerações não tiveram o azar de viver naquela época nos anos [19]50 e [19]60 que a poliomielite matava muita gente, por exemplo”. Mas, este não é o único fator que leva as pessoas a não se vacinarem.
A arquiteta Fabiana Crespilho, de 40 anos, conta que sua carteira de vacinação era atualizada quando criança, mas hoje opta por não se vacinar mais. Ela parou de se vacinar depois de adulta porque não via necessidade já que em sua opinião “todo ano surge uma nova doença e uma vacina pra ela, no ano seguinte não se ouve mais falar delas e surge uma nova doença e uma nova vacina” e isso para ela parece suspeito. Mesmo assim ela vacina seu filhos e animais, porque não vê problema no calendário básico de vacinação. Contudo, as demais em sua opinião “não são confiáveis quanto à necessidade e a real finalidade delas”.
Já Lorenna Bottesi, estudante de 19 anos, conta que a última vacina que tomou foi contra febre-amarela em 2008. A estudante diz que não se preocupa em ficar doente por não se vacinar. Fazendo as contas a última vacina que Lorenna tomou foi com 9 anos de idade. Portanto, até sua idade atual, ela precisaria ter tomado entre os 11 e 19 anos, segundo o calendário do Ministério da Saúde, as seguintes vacinas: Hepatite B (3 doses), Difteria e Tétano (3 doses), reforço da Febre Amarela, a tríplice Sarampo, Caxumba e Rubéola (dose única) e HPV (3 doses).
Importância da vacinação
Dr. Eudes explica a importância da vacinação em massa. Ele usa como exemplo o último surto de sarampo que ocorreu no país. Quando os imigrantes bolivianos vieram pro país, trouxeram consigo o vírus, que começou a ser espalhado para os brasileiros. O motivo do alto número de contágio foi o baixo índice de vacinação no país, o que deixou a população vulnerável. “Se todos estivessem vacinados podia entrar boliviano a vontade no país que ninguém pegaria sarampo” – assinala. Essa falta de contato com a doença, gera o pensamento de que se eu não vejo algo não preciso me proteger disso, colocando as doenças como uma espécie de superstição.
O médico relembra um caso recente quando foi encontrado em 2014, nos esgotos da cidade de Campinas-SP, o vírus da poliomielite. Mas ninguém na cidade contraiu a doença porque estava todo mundo vacinado. “Os vírus não foram embora ou desapareceram”, alerta Dr. Eudes. “Se a população de Campinas não estivesse imune a poliomielite, nasceria um novo surto lá e essa doença mata e quando não mata deixa sequelas, por isso que chama paralisia infantil, porque a criancinha fica com uma ou até as duas pernas atrofiadas” – concluí.
Riscos da vacinação
Um outro receio recorrente da população está ligado aos riscos relacionados a tomar a vacina e a possíveis reações adversas.
“Os riscos da vacina reais são as reações alérgicas. E um risco mínimo que existe de morrer, que existe, não podemos mentir. Mas ele é muito menor do que a chance de morrer da doença se você não tomar” – alerta Dr. Eudes Nóbrega.
As reações alérgicas podem ocorrer e as mais comuns ocorrem com as vacinas inoculadas em ovos. Nesses casos, os profissionais da saúde são orientados a perguntar para o paciente se ele já apresentou alguma reação alérgica ao ingerir alimentos que contém ovo em sua composição. Quando a resposta é afirmativa, a vacina é contra indicada e o paciente é orientado sobre as outras opções.
(Fonte: OPAS/OMS – Elaboração: Larissa Caliari)
Há ainda outras vacinas que apresentam contraindicações. Pessoas com hepatite ou outra doença no fígado, por exemplo, não devem tomar a vacina da febre-amarela. Dr Eudes explica que isso acontece porque “o fígado já não responde tão bem. E a febre amarela ataca o fígado, assim a pessoa fica amarela, como se fosse uma hepatite fulminante”. Por isso, é importante a entrevista com um profissional habilitado antes da aplicação da vacina, para evitar futuras complicações e também orientar corretamente o paciente quais motivos se recomenda que ele retorne a unidade de saúde.
A possibilidade de o paciente contrair a doença através da vacina assombra algumas pessoas desde os primórdios da vacinação. O professor de história Genivaldo relembra a revolta da vacina em 1904 no Rio de Janeiro. “O povo começou a não querer tomar a vacina por falta de informação. Se questionaram porque tomar o próprio vírus de uma pessoa infectada e se isso a deixaria doente não se tinha notícia que o vírus era um vírus atenuado e de certa forma leve e que o corpo se encarregaria de produzir os anticorpos necessários para combatê-lo e assim ficar imunizado”, isso somado as precárias condições da cidade, a violência infligida a população e a compulsoriedade da vacina na época gerou revolta. Assista um vídeo informativo sobre como as vacinas funcionam:
https://www.powtoon.com/embed/dpkBeqlyhaN/
A chance real de se morrer de uma vacina é muito pequena, e continua sendo muito menor do que o risco corrido por aqueles que optam pela não imunização e acabam contraindo a doença, explica Dr. Eudes. “Para se entender melhor, no caso da febre amarela, por exemplo, é como se fosse um para um milhão que podem morrer da própria vacina, mas se a pessoa não for vacinada a chance de se morrer é de 40 a 50% dos casos”, assinala.
Há também movimentos que acreditam que o método de imunização mais efetivo é através da contração da própria doença. Porém, as infecções naturais trazem uma série de riscos que não estão presentes quando a proteção é realizada por meio da vacina. Dr. Eudes ressalta que os riscos corridos por quem opta pela imunização natural carrega certa incoerência, pois “se reclama tanto da pequena reação que a vacina pode dar e então querem pegar a doença em si? O sarampo, por exemplo, pode matar. É muito melhor a vacina, muito menos perigoso do que a própria doença”.
De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), várias outras doenças podem ser citadas para se demonstrar os riscos gerados por essa decisão. “Deficiência intelectual oriunda do Haemophilus influenzae tipo b (Hib), defeitos congênitos da rubéola, câncer hepático provocado pelo vírus da hepatite B ou morte por sarampo”. Além disso, o risco de morte aumenta quando a pessoa que contrai a doença não tem acesso aos cuidados necessários ou mesmo se encontra com o organismo vulnerável ou debilitado devido a outros fatores. As populações mais marginalizadas da sociedade estão em maior risco, caso contraião alguma doença pela falta de imunização. Assim, a queda dos índices de vacinação nas classes sociais menos favorecidas da sociedade é ainda mais preocupante.
Vacinação e políticas sociais
Um dos motivos da queda da vacinação de crianças menores de 5 anos foi o corte do programa social Bolsa Família que tinha entre seus requisitos, a vacinação em dia das crianças das famílias beneficiárias. Dr Eudes assinala que com o corte, houve a impressão que “perdeu-se a obrigação de vacinar”, como se vacina fosse um “favor ao estado” e não um fator de proteção da saúde infantil. O médico pondera que essa afirmação até pode ser verdade, “porque é muito mais barato prevenir do que tratar um quadro das doenças que temos vacinas, sai mais barato para o estado realmente, mas esse não é intuito principal de se vacinar, mas sim proteger”.
“Talvez seja o caso de implantar mecanismos similares ao que foi feito com o bolsa família, como exigir a carteira de vacinação no dia na matrícula escolar” – opina. Mesmo assim, o profissional da saúde acredita que as políticas públicas de conscientização são satisfatórias, mas não chegam a excelência. Ele também destaca a diferença entre campanhas de conscientização e de vacinação, pois a primeira difunde a importância de se tomar vacina e a outra divulga e leva os pontos de vacinação em si.
Diferentes vacinas, diferentes motivos
Os fatores que levam a população a não se vacinar variam de vacina para vacina. No caso da vacina contra a gripe, Dr Eudes explica que “há desconfiança porque há muitos vírus da gripe, então você toma a vacina para vírus x, mas vezes você pega o y. Por isso, algumas pessoas dizem que tomaram vacina e não adiantou nada, que ‘griparam’ mesmo assim”. O médico explica que essa vacina em específico é importante que as pessoas de mais idade tomem, “eu mesmo tomei esse ano e tive uma pequena gripe, mas sei que foi muito menor do que se eu não tivesse tomado”.
Há também quem deixa de tomar uma vacina porque acredita que não vai ter contato com o vírus durante a vida. Dr. Eudes explica que esse é o caso do rotavírus, relacionado a falta de saneamento básico. Para ilustrar ele usa um exemplo do seu dia-a-dia: “aqui neste hospital, chega gente do Brasil inteiro e pessoas de diferentes classes entram em contato, o filho de uma faxineira de Rondônia, que pode ter o rotavírus e o filho de um industrial, operado aqui se não estiver imunizado, pode pegar”.
Outras vacinas geram polêmicas de ordem moral e religiosa como a do HPV que supostamente incentivaria as meninas imunizadas a terem uma vida sexual precoce, além de teoria das conspirações sobre o vírus da gripe e os relatos que circulam na internet sobre pessoas que morreram ou apresentaram reações alérgicas de alguma vacina. Como demonstrado, toda vacina apresenta um risco, mesmo que pequeno. Atualmente enfrentamos uma crise de confiança das nossas instituições e até mesmo pessoas questionam se as recomendações do Ministério da Saúde devem ser seguidas. O pouco contato com pessoas infectadas com as doenças que estamos imunizados geram um sentimento de segurança ilusório.
Como no passado os espaços deixados pela ciência eram preenchidos pelas crenças, hoje não se pode ter esse argumento. A vacina foi uma revolução na medicina responsável por livrar da morte grande parte da população mundial, sua importância não deve ser subestimada. Quanto mais pessoas imunizadas, mais a população estará segura. De acordo com dados disponibilizados pelo Ministério da Saúde, a imunização (vacinação) de 95% das pessoas é suficiente para interromper a cadeia de transmissão. Só assim o ciclo de contágio não é perpetuado. Mas esta é uma batalha contínua que exige comprometimento de geração a geração. Pois os vírus ainda estão a espreita, o que muda é se a população está imune a eles ou não, e essa pode ser uma questão de vida ou morte.