Moradores criticam representação da comunidade em novela
Por: Andrey Seisdedos, Francielle Kuamoto, Jaqueline Galdino e Willy Delvalle
Comunidade é título e tema de novela. (Foto: Reprodução Gshow/Globo)
Em maio de 2015, a Rede Globo começou a exibir I Love Paraisópolis (ILP), novela que retrata o cotidiano desta comunidade paulistana. A representação é fiel? Moradores dizem que não. Os autores afirmam nem ser esse o interesse. Estudos apontam para uma caricatura. Críticos defendem o poder das novelas em retratar a realidade.
As periferias estão cada vez mais presentes na teledramaturgia brasileira, principalmente no eixo Rio-São Paulo. Exemplos recentes são Babilônia (2015), Salve Jorge (2012), Avenida Brasil (2012) e Duas Caras (2007), todas da TV Globo. O crescimento das periferias também se dá na realidade, apontam dados do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), divulgados em 2010 junto ao último censo demográfico: cinco das nove principais regiões metropolitanas (RM’s) do país cresceram em termos populacionais, superando a média nacional.
Infográfico: Francielle Kuamoto
A novela
I Love Paraisópolis tem no elenco atores como Bruna Marquezine, Tatá Werneck e Caio Catro em papéis de destaque, interpretando habitantes da comunidade.
Moradores de Paraisópolis não se sentem e não se veem representados pela trama, desaprovando a apresentação da Rede Globo. A página no
Facebook “Paraisópolis por trás da Mídia” traz debates sobre questões da comunidade, em que moradores apresentam suas principais críticas e sugestões. A novela global foi tema de discussões.
Roni Souza, 22, morador da comunidade, acredita que a emissora não está preocupada em apresentar a realidade de Paraisópolis. Para ele, o interesse é atrair mais audiência. “Não tem nada a ver”, afirma Valdirene Ventura Araújo Dos Santos, 29, moradora, sobre a representação da novela. “Não fala a verdade. Não tenho muito tempo de assistir, mas todo mundo fala isso” comenta Teomila, 28, conhecida como “baiana” e que há 13 anos vive na comunidade.
À frente, a comunidade de Paraisópolis. Ao fundo, o Morumbi. (Foto: Reprodução/Vilar Rodrigo/Wikimedia Commons)
Nirlando Beirão, escritor e jornalista, escreveu um artigo à revista CartaCapital, intitulado “‘Paraisópolis’ retrata a realidade com mais veracidade do que o telejornalismo mal-intencionado da Globo”. No texto, Nirlando defende que a novela retrata a desigualdade social da metrópole São Paulo, o que ele classifica como um “escândalo”. E ironiza: “é curioso que a discrepância brutal entre a maior favela de São Paulo e seus vizinhos naqueles prédios de varandas em espiral do Morumbi tenha encontrado abrigo na grade da Globo, em horário de razoável prestígio”.
Para Nirlando, a novela das sete optou pela verossimilhança, não perdendo o direito à ficção, nem sucumbindo ao realismo. Um exemplo seria a escolha da protagonista, Bruna Marquezine, que, segundo caracteriza o escritor, tem cara de uma moça normal.
Rosana Mauro, pesquisadora em Comunicação da Universidade de São Paulo (USP), enfatiza que não cabe à telenovela o dever de representar de modo literal a realidade. “A telenovela, de um modo geral, trabalha com estereótipos e não se dispõe a discutir lutas e conflitos sociais a fundo”, interpreta.
Por outro lado, a pesquisadora afirma ser natural do gênero sublimar contradições de classe e suas soluções por meio de discursos meritocráticos. Rosana exemplifica com o caso da protagonista Marizete, uma moça pobre que se casa com um homem rico: “os pobres bons se dão bem, muitas vezes se relacionando com personagens ricos, que têm o poder de ajudá-los. Os ricos ruins se dão mal”. Para ela, nas tramas, as questões sociais se transformam em questões individuais.
Alcides Nogueira, um dos autores da novela, explica que o objetivo não é discutir diferenças sociais e o interesse de classes. Ele descreve como “fascinante” a existência de um bairro como o Morumbi junto a uma das maiores comunidades paulistanas. “Duas arenas separadas só por uma rua. Queríamos ver e entender como esses dois universos interagem”, explica Alcides.
Para Mário Teixeira, co-autor, Paraisópolis é um lugar “inusitado”, por coexistir “tão bem” com o restante da cidade. Ele diz que o que mais o “fascina” são as histórias de vida das pessoas que moram ali. “Falar de Paraisópolis, pra gente, é falar do mundo todo”, revela.
Mário salienta que a abordagem contém humor e é leve, “mas sempre com o pé nessa realidade que é fascinante”. Descreve os moradores como pessoas que têm orgulho da forma como vivem, do lugar onde moram, de suas histórias. “Paraisópolis é um microcosmos de São Paulo, é como se fosse uma São Paulo em miniatura, com todos os problemas e qualidades de uma cidade grande”, analisa o co-autor. Para Wolf Maia, diretor de núcleo da novela, “todos querem ficar lá e melhorar o lugar, ali é o paraíso pra eles”.
No artigo científico “I Love Paraisópolis : o consumo midiatizado entre a telenovela e o bairro”, Rosana Mauro e a também pesquisadora Lívia Souza apontam que a felicidade mostrada compõe uma ideologia cujo objetivo é manter as desigualdades sociais. As autoras mencionam a personagem Paulucha, uma confeiteira, mostrada como honesta, correta, caprichosa, dotada de cores vibrantes, vestimenta característica e dedicação no preparo dos doces. Segundo as pesquisadoras, “a telenovela, de modo geral, representa o pobre de forma condizente com a ideologia do desempenho e meritocrática, ao afirmar que os pobres são mais felizes”.
Por outro lado, Rosana e Lívia citam o fato de Paulucha ser mãe solteira, chefe de família, representando uma realidade social crescente no Brasil. De acordo com Rosana Mauro, a representação de Paraisópolis numa emissora como a Globo traz mais visibilidade e maior movimentação financeira para a comunidade. A pesquisadora avalia como interessante a conexão estabelecida na novela entre a realidade e a ficção. “É uma comunidade que existe e esse é o diferencial, poder falar de problemas que são reais, trazer outras visibilidades”, explica Rosana. Ela lembra que esta é a primeira vez que Paraisópolis é representada em uma telenovela.
Infográfico: Francielle Kuamoto