Visto como uma solução para a violência obstétrica, a humanização do parto vai a passos lentos no SUS e nos convênios
Por Agnes Sofia, Fernanda Luz, Heloísa Kennerly, Isabela Giordan e Thales Valeriani
A humanização do parto já é discutida no país há mais de uma década. Em 2001, o Ministério da Saúde lançou o livro Parto, Aborto e Puerpério: Assistência Humanizada à Mulher com estudos e instruções para o tratamento e procedimento de mulheres em trabalho de parto nos hospitais e maternidades do país. O documento enfatiza a importância do direito ao acompanhante e do respeito às vontades e necessidades da parturiente, que deve receber apoio psicológico e clínico durante todo o processo pré e pós-parto.
O estudo Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado de 2010 da Fundação Perseu Abramo mostra que 23% das mulheres entrevistadas para a pesquisa sofreram abuso verbal e outras violências durante o parto em hospitais. Desse número, metade relataram que foi negado o alívio de dor durante o atendimento. A pesquisa Gravidez, filhos e violência institucional no parto, de 2011, sugere que mulheres negras e dependentes do SUS têm mais chances de sofrer alguma violência ou abuso nas maternidades.
O dossiê elaborado pela Rede Parto do Princípio para a CPMI da Violência Contra as Mulheres de 2012 analisa casos e violência obstétrica e procedimentos de praxe em hospitais para partos normais e cesarianas. Em ambos os casos há relatos de abuso da equipe médica, que elenca: xingamentos, não informação sobre os procedimentos, negligência e abusos físicos que vão desde exame do toque doloroso até episiotomia (corte do períneo) sem anestesia e desnecessária.
O livro Aborto, Parto e Puerpério, do Ministério da Saúde, publicado em 2001, questiona um ponto que é crucial para entendimento da violência obstétrica: a medicalização do corpo da mulher. Em trecho do livro, é possível destacar “a perda da autonomia da mulher no parto está relacionada, principalmente, com a intensa medicalização que o corpo feminino sofreu nas últimas décadas”. Segundo o texto, o corpo da mulher passou a ser visto como um problema a ser resolvido, embora uma mulher gestante não esteja doente, há uma dificuldade de entender que no momento do parto a mulher não deve estar totalmente submetida ao julgamento do médico, ela deve ter o poder de decidir sobre o parto e ser informada sobre os procedimentos.
Parto respeitado e estrutura do SUS
Uma das soluções propostas para diminuir os índices de violência obstétrica é a humanização do parto. O Caderno Humaniza SUS, de 2014, da Universidade Federal do Ceará (UFCE) em parceria com o Ministério da Saúde, propõe diversos procedimentos para melhoria nos atendimentos de partos, que incluem a capacitação dos profissionais, mudança de regras dos procedimentos com o intuito de acabar com a episiotomia (corte do períneo) como regra e a cesárea eletiva ou coagida.
A OMS classifica a episiotomia, o rompimento da bolsa, a analgesia peridural (da cintura para baixo), exame de toque frequentes, cesariana e a utilização habitual de ocitocina (hormônio que acelera o parto) como “práticas frequentemente utilizadas de modo inadequado”. A Organização recomenda que a mãe e o bebê tenham contato de pele imediatamente após o nascimento e a elaboração de um plano de parto, que deve ser seguido, salvo casos extremos. Segundo a pesquisa Nascer Brasil, de 2014, 26,6%, dos bebês saudáveis têm contato pele à pele com a mãe logo após o parto.
O direito ao acompanhante durante o parto é garantido pela lei 11.108 de 2005, tanto em atendimentos da rede pública ou privada. Desde 2013, a lei 12.895 obriga todas os hospitais do SUS ou conveniados a manter em local visível um aviso informando sobre o direito ao acompanhante.
De acordo com Fabiano Milan, obstetra e diretor técnico de assistência da Maternidade Santa Isabel, localizada em Bauru no interior de São Paulo, medidas para incentivar o parto natural e a humanização no atendimento começam na melhoria da estrutura do hospital. A maternidade está em reforma, ao fim da obra, deverá estar mais capacitada para o atendimento neonatal e a realização de partos naturais respeitados, inclusive contando com duas banheiras para parturientes que desejem dar a luz na água, segundo informações da assessoria da Famesp, órgão que administra a Maternidade.. A valorização dos funcionários também é citada pelo médico como elemento importante para evitar que episódios de violência ocorram.
Para Milan, parto humanizado não é “necessariamente” o parto natural, mas o atendimento sensível e adequado à mulher. “E, para além de usar este ou aquele procedimento, precisamos nos lembrar que a humanização envolve uma série de medidas na assistência ao parto, garantindo à gestante um tratamento respeitoso e disponibilizando recursos médicos que devem ser usados quando for necessário”, afirma o médico.