Quando o interesse pelo lucro financeiro sobrepõe à empatia e à sensibilidade dos profissionais da saúde, estamos em perigo
Por LUCAS ALONSO
PARA CADA MÃE E PARA CADA BEBÊ, O PARTO É UM MOMENTO ÚNICO
A recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) é para que um país realize até 15% dos seus partos através da cesariana. No Brasil, de acordo com os resultados da Pesquisa Nacional de Saúde, com base nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) esse número gira em torno de 54%. E, se considerarmos apenas a rede privada, chega a 88% dos nascimentos. Esse modelo é responsável por resultados piores que os encontrados em outros países com igual ou mesmo menores índices de desenvolvimento socioeconômico.
Ao longo das últimas décadas, o movimento de mulheres, organizações não governamentais, profissionais de diferentes áreas e também formuladores de políticas públicas de saúde têm se articulado em um movimento que tem entre outros objetivos devolver às mulheres o protagonismo no momento do parto e nascimento.
O próprio Ministro da Saúde, Arthur Chioro, no último dia 21 de agosto, durante a cerimônia de abertura do 11º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, o Abrascão 2015, em Goiânia (GO), caracterizou o modelo de partos no Brasil como uma “epidemia de cesarianas”. De acordo com a fala do ministro, trata-se de um problema de saúde pública gravíssimo. “É uma vergonha. Eu não consigo, como Ministro da Saúde, ouvir calado. Basta! Não dá pra admitir um negócio desse!”, disse Chioro, aos brados, sob os aplausos de todo o auditório.
Ao mesmo tempo em que romantiza e idealiza o ato de ser mãe, a sociedade pouco sabe de fato a respeito de alguns aspectos básicos da maternidade. “Trazer ao mundo uma criança é muito mais do que um simples acontecimento cotidiano e, por tal importância, existem várias questões que precisam ser estimuladas”, comenta Mônica Bara Maia, autora do livro
Humanização do Parto: Política Pública, Comportamento Organizacional e Ethos Profissional. “As políticas públicas relacionadas ao parto estão ganhando notoriedade, mas ainda estão engatinhando, muito tímidas. Falta uma cobertura mais adequada da mídia sobre o tema”, explica Mônica.
A Rede Cegonha e a Lei de Acompanhamento ao Parto são as políticas públicas mais conhecidas e discutidas atualmente. A primeira visa implementar uma rede de cuidados para assegurar às mulheres o direito ao planejamento reprodutivo e a atenção humanizada à gravidez. A segunda obriga os hospitais, maternidades e instituições semelhantes a permitir a presença de um acompanhante indicado pela gestante para acompanhá-la durante o parto e pós-parto, tanto na rede privada como na rede pública.
A pediatra Sônia Lansky é Doutora em Saúde Pública, coordenadora da Comissão Perinatal e dos Comitês de Prevenção de Óbito Materno e Infantil da Secretaria de Saúde de Belo Horizonte, além de ser consultora do Ministério da Saúde para o programa Rede Cegonha. Para ela, apesar da efetividade das políticas públicas citadas em determinadas regiões, ainda existe uma longa caminhada para que o modelo brasileiro de atendimento ao parto se aproxime do ideal. “Um dos principais fatores que impedem esse progresso é a falta de informação. As leis existem, mas grande parte das mães e das famílias não tem conhecimento dela. Além disso, a supervalorização da figura do médico, a adoração pela cientificidade acaba impedindo que as mães tenham autonomia para questionar a ‘soberania’ da equipe média no nascimento do seu próprio filho”, comenta Sônia.
Para a obstetriz Sayuri Kuamoto, muitas vezes a “má fé” dos profissionais da saúde capacitados para realizar procedimentos de parto (obstetras, obstetrizes e enfermeiros obstétricos) interfere na tomada de decisões da equipe médica. “Assim como haverá médicos que vão indicar a cesárea por um motivo justo, seja o sofrimento fetal ou materno, ou algum outro motivo que realmente coloquem em risco a vida do bebê ou da mãe, existem também aqueles que vão indicar a cesárea por causa do retorno financeiro”, explica Sayuri.
De certa forma, o processo que deveria ser de empoderamento das mulheres no momento de gerar a vida se converteu em mais uma ferramenta de fortalecimento dos médicos e as corporações financeiras que lucram a partir disso. A partir do momento em que as mulheres passaram a entregar nas mãos dos médicos o poder sobre o nascimento dos seus filhos, o parto passou a ser considerado um ato cirúrgico e não mais um evento fisiológico. E se a forma como nós chegamos ao mundo não está sendo tratada adequadamente, quem poderá assegurar a qualidade de vida nos demais caminhos da nossa jornada?