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Perfil: a descoberta da sexualidade por um jovem gay com deficiência

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Ian Carmo acredita que ainda faltam mais informações veiculadas pela mídia a respeito da sexualidade da pessoa com deficiência

Por  Wesley Anjos
 

Estudante de Ciências Sociais, Ian Carmo parecia bastante empolgado com a entrevista. Disse mais de uma vez estar ansioso. Eis que, numa dessas típicas tardes, conversamos a respeito de algo bem íntimo: a vida sexual. Ele se propôs a compartilhar como foi para ele, um rapaz com deficiência física, lidar com as descobertas do seu corpo, da sua libido e sua orientação sexual.

Para chegarmos à sua sexualidade, precisamos entender primeiro como se deu a sua deficiência, não é mesmo? Ora, Ian nasceu prematuro após seis meses e meio da gestação de sua mãe. Em decorrência disso, teve um Acidente Vascular Cerebral (AVC) que atingiu o cerebelo, a área do cérebro responsável pelo equilíbrio.

–  Eu consigo mexer a perna, andar, consigo me locomover. Quando eu era pequeno, andava muito de andador – explicou Ian. –  Hoje eu ando mais de cadeira por conta de uma operação que eu fiz e que me debilitou um pouco os movimentos. A minha deficiência é que eu não consigo ficar em pé sozinho sem ter apoio. Então, eu preciso de algum apoio, alguém ou alguma coisa pra me segurar.

 

São 45,6 milhões de pessoas com deficiência no Brasil, segundo último censo do IBGE. (Foto: Pixabay)

É com orgulho que o jovem aspirante a sociólogo conta a sorte que teve em nascer em uma família de pessoas que sempre lidaram com isso da melhor maneira possível, segundo o seu ponto de vista. Nunca nenhum de seus familiares disse coisas como “ai, coitadinho!” ou “ai, o incapaz!”. Pelo contrário. Sempre se esforçaram para mostrar que ele é capaz de fazer muitas coisas.

–    Claro que eu sempre fui uma pessoa muito insegura por conta disso. Medo de não ser aceito pelas pessoas. Não pela minha família, mas pelas outras pessoas – revela Ian. – Mas, eu me lembro uma vez, quando eu tinha uns três ou quatro anos, tudo o que eu fazia de errado, falava que era porque eu era deficiente.

O que ele não esperava na época é que seria marcado profundamente por uma fala da sua mãe. Certo dia, após ele ter mais uma destas atitudes, ela o olhou e disse:  “Olha, você tem duas opções: ou pode ficar chorando pela deficiência pelo resto da vida ou pode olhar pra ela, levantar a cabeça e falar ‘eu vou lutar!’ ”. Eu nunca mais esqueci isso. É algo que eu levo pra vida sempre.

A descoberta da sexualidade

Com tantos mitos que rondam a sexualidade de uma pessoa com deficiência e que se locomove com uma cadeira de rodas, Ian revela que não foi fácil lidar com a descoberta da sua homossexualidade somada à sua deficiência. Confessou ter ficado apreensivo com perguntas como: “Ah, mas você consegue? O seu pinto fica duro?”. Apesar disso, diz ter tido sorte por não ter deixado se abalar.

Foi com o seu primeiro namorado que descobriu o que era capaz de fazer na cama. A experiência serviu, também, para desmistificar a questão de que uma pessoa com deficiência não faz sexo.

–   Eu tinha essa necessidade de poder conhecer o meu corpo. De descobrir o que eu podia fazer, o que eu gostava de fazer e descobrir os meus pontos eróticos. Então, existe esse processo de lidar com os rótulos das pessoas. A gente mesmo se rotula. É difícil você sair desse lugar comum. Então, você sair dele e saber que você é capaz de transar, dar prazer e sentir prazer é muito importante.

Quando toco no assunto de excessos de cuidados e medos por parte de algumas pessoas durante o ato sexual com uma pessoa com deficiência, ele fica um pouco exaltado. Com um tom de voz mais agressivo, ele aponta que isso se dá pela falta de informação de que deficientes físicos são como qualquer pessoa. Que o fato de ele ter uma deficiência, não o condiciona como uma pessoa menor.
Ian vai além quando ressalta a importância de uma conversa aberta com uma pessoa com deficiência, da mesma forma como seria necessária com qualquer outra pessoa. E destaca a importância do respeito, algo que diz ser fundamental em qualquer relação.

–    Quem sabe os limites do corpo melhor que ninguém é a própria pessoa! Quando você está numa relação com alguém ou mesmo num ato sexual consentido, tem que haver diálogo franco. Tem coisas que eu consigo fazer e tem coisas que não.  Tem certas posições que eu não sei fazer. E eu não vou conseguir fazer mesmo! E daí? Se a pessoa quiser ficar comigo, ela vai entender.

Ele acredita que existe uma falta de informação a respeito deste assunto. A partir do momento que se pressupõe que as pessoas com deficiência não se adequam ao padrão midiático, essas informações não são dadas.

  É importante que deficientes falem sobre sexualidade, seja em programas de televisão ou dando entrevistas, como eu, agora.

 

Comunidade LGBT

No Brasil existem 13 milhões de pessoas com deficiência motora. (Foto: Pixabay)

Quando você se descobre homossexual e, posteriormente, lida bem com a sua própria aceitação, espera que vai encontrar uma comunidade gay receptiva e que te aceitará exatamente como você é. Para Ian, não é bem assim que ocorre na prática.

  Na comunidade LGBT existe uma valorização do corpo. E o modelo de homem gay mais aceito na comunidade é daquele homem sarado, lindo e maravilhoso. Não deixa de ter a sua beleza, mas aquilo é um padrão de beleza socialmente criado. Quando você não tá nesse padrão, muitas vezes é rejeitado. Eu acho que o deficiente está fora desse padrão.

Ian acredita que há, então, um modelo de sensualidade para a população gay. Quem foge deste modelo de sensualidade não é erotizado. É como se deficiente não sentisse desejo sexual.

  Isso é uma bobagem! Deficiente sente desejo. Mas, as pessoas não pensam que eu possa sentir vontade de fazer sexo e mesmo capacidade de seduzir alguém. Acho que se cria uma assexualidade para o deficiente.

Neste momento da entrevista, Ian fica mais calmo. A expressão de revolta finalmente some do seu semblante. A mudança é brusca e inesperada. De certo modo, talvez haja algum conformismo nele. O fato é que até a sua voz mudou. De uma voz que chegava a estar gritante em certos momentos, foi para uma voz suave e mais dócil.

Hoje, ele conhece o seu corpo e o que pode fazer. Ian usa o aplicativo de encontros e relacionamentos “Tinder” para tentar conhecer outros caras e, quem sabe, o possível amor da sua vida. Sim, é um moço bem romântico! Ele deixa bem claro na sua descrição de perfil que é uma pessoa com deficiência. Faz questão, também, de pôr uma foto em que a sua cadeira de rodas esteja bem visível para evitar possíveis constrangimentos futuros, pois, antes, não costumava fazer nada disso e, quando se encontrava pessoalmente com alguém, a pessoa, às vezes, tomava um susto.

Desafios

Assim como para muitas pessoas, o desafio diário de Ian é lidar com as suas possíveis inseguranças. Já aconteceu de ele sair para um encontro e sofrer com a intolerância que está presente mesmo dentro da comunidade LGBT. Certa vez, quando chegou a um encontro amoroso, mesmo estando com a informação da sua deficiência no perfil do aplicativo, o rapaz ficou irritado e alegou se sentir “enganado”.

O que fica der tudo isso é que ainda há muito para se desmistificar no senso comum das pessoas, assim como não é tão fácil resistir a crescentes discursos de ódio. Entendido de seu local de fala, a única certeza que Ian tem é que seguirá firme na construção da sua carreira e vida pessoal. Acima de qualquer rótulo, acima de qualquer preconceito e acima de qualquer outra premissa, ele é um ser humano.

Ilustração de capa: Pamela Raul
 

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Redação

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