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Pichadores: Peregrinos Efêmeros

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Vandalismo ou arte? Ócio ou manifesto?

Aline Antunes e Isabella Holouka

A pixação é uma arte urbana e efêmera: seu prazo de exposição nos muros das cidades é curto. Mas podemos dizer que a pixação é tão efêmera quanto um muro em branco, que pode ser pixado a qualquer hora.
A manifestação é um grito da juventude periférica que descobriu nos traços uma maneira de ser e estar presente na sociedade, mesmo que para isso seja preciso agredir os bons costumes, transgredir à paisagem.

    “De forma paradoxal, eles tentam imortalizar seus nomes em um suporte extremamente efêmero que é a paisagem urbana. Enquanto fixam suas marcas com letras estilizadas à procura ‘da fama por outros meios’, como costumam afirmar, a cidade tenta arrancá-las da paisagem. As coleções de folhinhas aparecem, nesse sentido, como uma forma de fazer com que os seus pixos  permaneçam e não sejam apagados da memória. Muito mais do que fugir da condição de anônimo, eles querem a permanência de seus nomes para que seus colegas possam admirá-los. Assim, os pixadores aproveitam-se do anonimato proporcionado pela metrópole para estampar seus pseudônimos pela cidade e tornarem-se conhecidos entre os seus pares, sem, no entanto, deixarem de ser anônimos para o restante da cidade (As marcas da cidade: a dinâmica da pixação em São Paulo – Alexandre Barbosa Pereira Lua Nova, São Paulo, 79: 143-162, 2010)

estação ferroviária - pixação

Pixações na Estação Ferroviária de Bauru (foto de Aline Antunes)


Os peregrinos
A pixação que tomou conta das cidades brasileiras remete ao Situacionismo, um movimento europeu da década de 50, que tinha um perfil crítico social e cultural. Naquela década, artistas de diversas linguagens definiram o movimento como uma vanguarda artística e política, que era apoiada em teorias críticas à sociedade de consumo e à cultura mercantilizada.
Para eles, os indivíduos deveriam construir as situações de suas vidas para romper com a “alienação” da sociedade, quebrar a ordem social, reinventar o cotidiano e obter prazer. Foi esse movimento que inaugurou a ideia da intervenção artística, estando intimamente ligado à intervenção efêmera que é a pixação.
Uma das vertentes do Situacionismo, era a teoria de Guy Deborde, que sintetiza o ato do artista como o simples caminhar pela cidade sem destino, que leva a um processo de criação ao acaso. Por isso o pixador será tomado como um flanêur, aquele que anda pela cidade a fim de experimentá-la.
‘Flanêur’ vem do verbo francês ‘flanêr’ que significa perambular. Originalmente, o termo quer dizer vagabundo ou vadio, mas adquiriu um sentido filosófico relacionado a experimentação da cidade.

Por outro lado, esta também se torna uma maneira de justificar suas ações, tão mal vistas pelo restante da população. Ao se afirmarem como protestos, suas ações podem passar a fazer mais sentido para parte dos cidadãos paulistanos. Por isso, ao lado de algumas pixações surgem frases com conteúdo mais político e escrito de maneira legível para a compreensão de quem não pertence à dinâmica, tais como: ‘ajudando a destruir um país malgovernado’ ou ‘só paro de pixar quando os políticos pararem de roubar'” (As marcas da cidade: a dinâmica da pixação em São Paulo – Alexandre Barbosa Pereira Lua Nova, São Paulo, 79: 143-162, 2010)

A regra principal da pixação é circular pela cidade e deixar sua marca, o que traz aos pixadores um ar de nomadismo. Porém, isso não garante a afirmação de que esses grupos de jovens sejam desterritorializados. A verdade é que, eles pertencem a vários locais, mas suas raízes estão na periferia, que é valorizada e reconhecida por eles pelo seu pertencimento a ela. Dessa forma, a periferia assume um perfil único e múltiplo ao mesmo tempo, nas vozes desses jovens.
Ao realizarem as peregrinações pelas cidades, e organizarem seus encontros nos points (festas organizadas pelos pixadores para trocarem experiências, fichas com seus traços, e etc), o que acontece é o processo de reterritorialização das periferias. Os jovens a extendem aos outros cantos da cidade. Dessa forma, a pixação assume o perfil de nômade, mas os pixadores não.

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Pixações em prédio na Avenida Rodrigues Alves, no centro de Bauru (foto de Aline Antunes)


Pixação Estridente
O fenômeno da pixação está intimamente ligado ao do grafite, mas as diferenças entre as duas manifestações artísticas e sociais são gritantes.
O grafite geralmente é colorido e apresenta alguma imagem, e pode ou não ter um tema político. Essa forma de arte já foi tratada como marginalizada, porém nos últimos anos sua aceitação é grande. Obras de grafiteiros paulistanos como Nunca e osgêmeos, entre muitos outros artistas, são aceita em galerias de arte, como já visto em museus consagrados, o Tate Modern, na Inglaterra, por exemplo.
Já a pixação ainda é vista com desconfiança pelos olhos da sociedade. Tido como um ato de vandalismo, ligado a marginalidade, ainda é difícil de convencer a sociedade que ela também é uma forma de arte.
Mesmo tendo suas origens na década de 60 na Europa, a arte de rua ganhou maior expressividade quando foi incorporada pelo movimento negro através da Cultura Hip Hop. Envolvendo música, dança, comportamento e artes plásticas, essa cultura ganhou notoriedade em meados da década de 70 num contexto de identificação com a etnicidade negra.
Sofrendo com o racismo e a violência policial, jovens negros ousaram transgredir as regras e difundir sua arte – e sua cultura – pelas ruas brancas do grandes centros. Deixar sua marca, seu nome ou um pensamento registrado, mesmo que quebrando as regras talvez fosse o único jeito de ser ouvido. Nesse momento a pixação ganha um caráter político, expondo à sociedade o abismo social entre cidadãos e marginais.
É notável que, desde os anos 90, com a popularização do Rap no mundo, a cultura Hip Hop foi engolida pela Indústria Cultural. Muitos elementos, como música, dança e o grafite, antes exclusivamente negros e marginalizados, seduziram os jovens de classe média e começaram a ser glamurizados pela mídia. A apropriação cultural do Hip Hop estava em andamento. Porém, nesse meio tempo, as pautas do movimento foram ignoradas pela indústria, descaracterizando a questão étnico-social envolvida.
A única exceção é a pixação, que nunca deixou de ser tratada como vandalismo. Mesmo com aceitação de parte da cultura Hip Hop, a transgressão dos valores estéticos e morais incomodam os olhos de uma sociedade que se preocupa mais com o patrimônio do que com as mazelas dos excluídos. O último recurso dos marginalizados de expressar sua identidade como jovem, morador da periferia e insatisfeito com o modelo vigente, seria deixar sua marca. Não pela estética ou pela mensagem, mas para agredir, causar impacto. Talvez por essa agressividade visual, a pixação seja vista pelo viés negativo. Jovens negros, pobres e com baixa escolaridade que não aceitam o status quo não podem ser considerados artistas, e sim infratores. Por isso há hostilidade policial com seus praticantes.

“Não pretendemos aqui estabelecer e caracterizar uma diferença estética ou valorativa entre grafite e pichação, pois o intuito de produzir uma intervenção de cunho artístico ou degradativo diz respeito antes ao ator da prática, do que a técnica visual empregada. No entanto, é certo que a sociedade em geral, e o Estado em particular, vêem com melhores olhos as obras produzidas por grafiteiros do que as realizadas por pichadores, dado que valorizam, antes de tudo, a caráter estético do símbolo exposto na parede. Sendo assim, a forma popular de perceber as mais variadas maneiras de intervir na estética da cidade é, em geral, baseada em uma dicotomia simplista: grafite é tudo que é belo e reluzente; piche é o monocromático que suja.” (Spinelli, Luciano; Pichação e comunicação: um código sem regra. LOGOS 26: comunicação e conflitos urbanos, Rio de Janeiro, p. 111-121, 2007

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Pixações em prédio na Avenida Rodrigues Alves, no centro de Bauru (foto de Aline Antunes)


#transgressão
A pixação popularizou-se no Brasil a partir da década de 90 e fixou-se como uma das mais expressivas formas de comunicação entre jovens em grandes centros. Mas é importante também delimitar quem são seus praticantes e quais são seus motivos. Grande parte dos pixadores são jovens, com baixo poder aquisitivo e baixa escolaridade. Vivem numa discrepante situação socioeconômica, evidenciando-se um marcante contraste entre os recursos mercadológicos de suas cidades e suas condições concretas de vida. Logo, esses jovens buscam, com a pixação, mostrar que eles existem para a sociedade.
Os pixadores procuram aceitação e, como a sociedade se nega a legitimá-los como agentes da comunicação, acabam unindo-se em grupos para obtê-la. Muitas vezes, letras quase incompreensíveis representam um grupo de pessoas com um código de escrita, gírias e comportamento comum entre si. Os grupos são chamados de diversas formas, sendo as mais comuns “banca” ou “crew”. Dentro das “bancas”, todos os membros devem seguir um código complexo, que abrange desde a forma de escrita até os métodos de ação. A presença de um líder pode ser facultativa, mas é notável que a hierarquia entre os membros está sempre presente. Os mais experientes ou mais habilidosos para escalar prédios são tidos como mais importantes. Já os novatos são expostos a situações de menor risco.
A convivência entre grupos de pixadores também não é sempre pacífica. Além da violência física entre as “bancas”, elas competem entre si quem consegue deixar sua marca no local mais difícil. Não é raro ver a marca de um grupo encobrindo a de outro, bem como uma pixação mais alta que a de outra. Cada forma representa o desafio de um grupo a outro para saber quem é o mais audacioso. Porém, há também casos de grupos amigos, onde não raramente a união entre eles é simbolizada com uma seta ou um sinal de mais. Mesmo tendo códigos e condutas diferentes, a linguagem da pixação é entendida pela maioria dos pixadores. Uma linguagem quase incompreensível para olhos destreinados, mas um mundo de significados para os praticantes.
Esses grupos de jovens pobres, com baixa escolaridade e excluídos dos centros comerciais pelo Estado, formam uma comunidade capaz de estabelecer suas próprias metas e papéis a serem construídos. Por isso, para garantirem o seu espaço nas cidades, as pixações são importantes para a formação da identidade dos jovens que sempre foram jogados a margem da sociedade.
Quando encontram um grupo de pessoas com ideias semelhantes, eles finalmente se sentem parte do todo. Mesmo que o todo ainda esteja à margem da sociedade, ele não está sozinho.
A pixação coloca-se, então, como um elemento de arte transgressora. Mesmo sabendo que não são desejados pela maioria, os pixadores se unem em grupos para quebrar barreiras sociais e conseguir se expressar da maneira que é possível. Transgredindo os valores eles se encontram como agentes da comunicação com poder pleno, uma vez que nenhuma lei ou convenção social pode impedí-los. E mais, eles teriam esse direito, uma vez que toda sua vida ele lhes foi negado. A agressividade dos traços os fazem serem chamados de poluição visual. Mas entre os iguais, é uma poderosa forma de expressão.

Fala Povo: O que Bauru vê, sente e fala?
A matéria Pixadores: Peregrinos Efêmeros tratou o tema por pixação por acreditar que o ato é uma representação artística. Textos que trazem a palavra pichação carregam a ideia de vandalismo e crime.
Ao andar pelo centro de Bauru é inevitável o encontro com prédios pixados e diversos personagens das mais variadas origens. Os pontos de ônibus são os lugares mais recheados de nomes e personalidades, e são, também, paisagens tão efêmeras quanto as pixações.
Na realidade, a região central das cidades são telas pintadas a cada minuto. Basta um ônibus passar e o lugar já não é mais o mesmo.
O Fala Povo produzido pela reportagem foi desenvolvido após uma tarde de andança sob o sol quente bauruense. Afinal, o que homens, mulheres, adolescentes, adultos, trabalhadores e estudantes pensam sobre os muros da cidade? Descubra!
https://soundcloud.com/antunesaline/peregrinosefemeros

Redação

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