Por Adriana Kimura
O advento tecnológico é uma importante conquista para a democracia, mas a falta de engajamento do povo ainda é um obstáculo
Para os otimistas, estaríamos prestes a uma transformação radical da democracia representativa em democracia plebiscitária (idem, 49) permitindo o aumento da participação dos cidadãos nas decisões dos governos, possibilitada pelo voto eletrônico. Além disso, a Internet permite “radicalizar a democracia, criando um novo espaço público construído em torno de uma sociedade civil que se organizará à margem do Estado” (idem, 57). Para os pessimistas, “a nova sociabilidade virtual destrói as bases da interação que permite a construção do espaço público e aumenta a capacidade de controle da população pelo Estado” (idem, 49). Para estes, “a Internet destrói as relações face a face, que seria a única fonte de comunicação capaz de gerar grupos sólidos e estáveis, com memória histórica (no lugar do mundo atemporal da Internet), que seria a única base possível de sustentação de uma vida pública e de ação política constante”. Nesse contexto, seria facilitado o controle crescente do Estado e das empresas sobre os cidadãos (idem, 57)*
Os primeiros conceitos de democracia se concretizaram no espaço das ágoras gregas. Em praça pública, discutiam-se as diretrizes e decisões políticas, com a participação direta de todos aqueles que eram considerados cidadãos. A famigerada democracia passou por séculos de mudanças e hoje, no Brasil, se instala em sua forma representativa. Apesar da importância dos detalhes e do contexto não mencionados neste espaço, a base ainda é o poder do povo.
Atualmente, a influência nas decisões políticas, por parte do povo brasileiro, se concretiza no poder do voto. Apesar da sensação de distanciamento da vida política, muitos eleitores enxergam possibilidades para uma participação mais efetiva. O advento da internet e, especialmente, a popularização das redes sociais, por exemplo, são considerados ferramentas para o exercício democrático.
Sobre essa questão, 70 usuários de plataformas como Facebook, Twitter e Instagram responderam a um formulário elaborado para ilustrar esta reportagem. Apenas 22 deles afirmam não ter o hábito de compartilhar ou curtir conteúdos a respeito de política e mais de 54% já participaram de discussões sobre o tema via redes sociais. Questionados quanto à importância dessas ferramentas para a democracia, os usuários reforçaram a relevância da contribuição popular como diferencial para o regime político; mas há ressalvas.
A internet também foi apontada como espaço para a manifestação de intolerâncias e preconceitos, além da menção ao uso de mecanismos de controle com base nos dados fornecidos, pelos usuários, às redes sociais. Alguns participantes da pesquisa sugeriram que, muito embora haja espaço para debates, a segmentação e o patrulhamento ideológicos na internet são fatores determinantes para que muitos acabem por nunca enfrentar de fato a diversidade dos argumentos disponíveis. A legitimidade dos conteúdos compartilhados também é uma preocupação mencionada, já que os produtores e difusores de material informativo são cada vez mais diversos.
Segundo José Antônio Gomes de Pinho, professor e pesquisador em democracia digital, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), “a internet, sem sombra de dúvida, promove um maior volume de informações e de acesso rápido a elas”. Apesar de admitir que, nesse aspecto, a tecnologia facilita a possibilidade da participação política, o pesquisador pondera que essa participação seria “diferente daquela exercida no mundo pré internet”. Em seu artigo Política Presencial versus Política Virtual: uma Investigação no Fórum Digital de Debates entre Docentes na Universidade Federal da Bahia (UFBA), o professor se debruça mais profundamente sobre esse tema. Para ele, o mundo digital ainda é muito recente para conclusões mais definitivas a esse respeito.
Os assuntos políticos debatidos em rede acompanham as tendências do momento, em velocidade real. Os tópicos mais mencionados no Twitter e os campeões de compartilhamentos do Facebook são o resultado de um esforço coletivo de “estar por dentro” do assunto da vez. Após as eleições, as pautas políticas conquistaram espaço nas prioridades desse interesse coletivo. Escândalos de corrupção, impeachment e julgamento de políticos são alguns dos pontos aglutinadores dessas pautas. Mas qual seria a essência por trás desse fenômeno?
Falem bem, falem mal, mas falem por mim
O compartilhamento de links que falem pelos internautas é cada vez mais comum. Os usuários de redes sociais, assim como diversos portais de notícias, produzem cada vez menos conteúdo próprio. A opinião, a linha editorial e, mais generalizadamente, a imagem pública dessas páginas são constituídas do cerne ideológico que sugere uma coerência temática para esses compartilhamentos. Muitos deixam de ler, compreender e pesquisar, porque o mais importante é simples de ser feito: você é o que você curte, mesmo sem saber o que isso significa.
O trabalho de monitoramento do meio digital tem sido um grande aliado de partidos políticos e empresas no conhecimento da opinião pública a respeito dos mais variados tópicos. Cada dia mais, dominam-se as preferências dos usuários através daquilo que eles transmitem em rede. A analista de mídias sociais, Carolina Campos, trabalha com esse tipo de monitoramento, para verificar a reputação de seus clientes na internet. Sua análise se baseia nos posts e comentários que envolvem o nome dos clientes da agência em que atua.
As informações obtidas através do trabalho de monitoramento, especialmente no que diz respeito às manifestações de ordem política, não são requisitadas pelos analistas. Os usuários das redes sociais curtem, compartilham e promovem ideias porque desejam que determinados conteúdos façam parte de seu perfil digital. A criação de grupos fechados e a curadoria das páginas limitam a aleatoriedade das publicações e determinam territórios ideológicos segregacionistas. A partir dessas segmentações, as empresas de comunicação são capazes de direcionar conteúdos aos públicos adequados.
O conceito de “bolhas ideológicas” já foi mencionado em reportagem pelo El País Brasil e pelo portal G1 e é alvo de estudos na área de comunicação. A teoria torna questionável o aspecto da pluralidade de debates tão diretamente vinculado ao advento das redes sociais. O professor Pinho comenta: “como a tolerância é baixa e o respeito, o diálogo sério podem ser baixos também, as pessoas refugiam-se nas suas bolhas ideológicas, falam para os mesmos. Eu mesmo tive uma experiência desse tipo e ainda no sistema email. De um grupo de 15 pessoas, três pessoas que pensavam radicalmente diferente (era um grupo de discussão política partidária) pediram para sair, para terem seus nomes excluídos”.
A era da informação
As maneiras de organização e movimentação políticas passaram por mudanças significativas com o surgimento das mídias sociais. O marcante exemplo dos movimentos de 2010 na Primavera Árabe ilustra a importância dessa ferramenta na organização revolucionária. No entanto, o real envolvimento dos internautas com as pautas políticas ainda é questionável na perspectiva da informação e do engajamento. Segundo o professor Pinho, “pelo que as pesquisas da CGI, do CETIC.br colocam, o interesse pela política, não cresceu tanto assim com as redes”. Ele discute mais profundamente o assunto em seu artigo Muita tecnologia, pouca democracia.
Uma das perguntas do formulário sobre participação política via redes sociais questionava se o usuário se considerava politicamente informado. Cerca de 20 das 70 respostas eram afirmativas. As demais – feitas as ressalvas – apontam que a maioria dos entrevistados gostaria de ser mais informada sobre o assunto. Mais de 74% dos participantes da pesquisa usa as redes sociais para obter informações que dizem respeito ao tema. Para o professor José Antônio Gomes de Pinho, as pessoas confundem a busca por informação com participação política: “participação no sentido da discussão política, estamos há anos luz disso”.
Para a analista de mídias sociais Carolina Campos, o tipo de engajamento diante dos temas de segmentação política também se altera conforme a rede social: “o Twitter é uma rede social mais dinâmica, você tem apenas 140 caracteres para escrever o que deseja ou pensa. Na minha opinião, os indivíduos não se preocupam muito com o teor ideológico de suas postagens e não se sentem tão ‘julgados’ como no Facebook. Os usuários não dão muita atenção aos tweets dos outros. As postagens se dissolvem de maneira muito veloz”.
Nas redes sociais, o conteúdo jornalístico e o entretenimento disputam o mesmo espaço. Entre as fotos de um sobrinho que nasceu, circulam as informações sobre o valor do dólar e a os posts da militância previsível de algumas páginas já conhecidas. Os comentários, curtidas, compartilhamentos e leituras são, em muitos casos, somente uma questão de dizer o que acha e de estar ciente do tópico. A noção de urgência está perdida e a capacidade de engajamento, fora de moda. Com os recursos de monitoramento das preferências dos usuários, os conteúdos são, cada vez mais, uma zona de conforto, um espaço de reconhecimento. A possibilidade do debate, tão casta à internet, está distante, travestida.
O professor Pinho comenta a controvérsia do aspecto democrático atribuído à internet: “o que parece estar acontecendo é que muitos visualizam que a tecnologia vai salvar a democracia. Vários autores, entre eles Castells, já apontaram que isso não acontece nem vai acontecer. A tecnologia é um meio, não é um fim. Usa-se a tecnologia para atingir determinados fins, como por exemplo, uma maior participação política, mas se não há interesse e mobilização para participar, pode-se ter a tecnologia mais avançada que nada vai acontecer”. Para o pesquisador, o Brasil sofre da “histórica falta de uma cultura cívica, de uma cidadania efetiva, de uma sociedade civil que é, em geral e na maior parte do tempo, amorfa”.
À parte as bolhas ideológicas, pode-se perceber que os comentários e compartilhamentos em rede nem sempre são pautados pela verificação da autenticidade das informações. Exige-se do governo federal uma postura a respeito da crise hídrica – competência estadual -; reclama-se do trânsito da Grande São Paulo ao prefeito de São Paulo – responsável pelo município; pede-se pelo impeachment da presidenta, mas não se conhece a viabilidade legal desse pedido, tão pouco seus supostos desdobramentos. Aquilo que não se sabe ou com que não se concorda é automaticamente ignorado em troca da posição confortável de postar conteúdos em páginas parceiras, que nunca questionariam publicações. Os argumentos contra, recebem a arrogância mesquinha da mera desqualificação por prevenção contra o diverso.
O professor Pinho relaciona a falta de interesse do povo no aprofundamento das pautas políticas às deficiências no sistema de ensino. Sobre os recentes resultados do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), ele questiona: “como é que pessoas com um grau baixíssimo de compreensão da realidade podem efetivamente participar politicamente?” Apesar da crescente presença do assunto nas redes, o tema da política ainda é tratado de maneira desengajada na internet. Como aponta Carolina Campos, o mais comum a se encontrar nas páginas do Twitter são afirmações generalistas: ódio declarado a determinado partido ou político, menções superficiais a ridicularizar o preço do dólar e memes virais espirituosos.
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