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Por que o Brasil está passando por uma crise em sua democracia

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Entre tropeços, a democracia brasileira custa a se sustentar

Por Mariane Tognoli Arantes 

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Na democracia, todos cidadãos são elegíveis (Fonte: Pixabay)


 

Democracia é um regime político que garante igualdade e liberdade para os cidadãos. Isso significa que todos podem participar do governo e, para isso, os direitos civis para lutar e exigir o que representa o interesse da maioria devem ser assegurados. Esse tipo de governo, porém, nem sempre condiz com o que se define.

Para a professora associada da Universidade Federal de Goiás (UFG) Helena Esser dos Reis, a compreensão acerca da palavra democracia variou ao longo da história do pensamento. “Desde a antiguidade, democracia está associada […] à liberdade política de participar dos processos de decisão e de ação sobre aquilo que é comum a todos. […] Só com o advento da modernidade, quando as pessoas passam a ser consideradas iguais em direitos, é que a liberdade é estendida a todas as pessoas. No mundo contemporâneo, […] Todas pessoas são livres e iguais significa que todos são igualmente cidadãos podendo participar a esfera política expressando suas próprias ideias e devendo dispor das condições sociais que lhes permitam desenvolver-se como um ser singular”, comenta.

O portal inglês de notícias The Economist, em um gráfico publicado dia 31 de Janeiro deste ano em seu site, revelou que mais da metade dos países analisados tiveram seus índices de democracia reduzidos. Foram avaliados 167 países em uma escala de 0 a 10, a partir de 60 indicadores, divididos em cinco grandes categorias, como o processo eleitoral e pluralismo, funcionamento do governo, e participação política. O Brasil não ficou de fora e foi um dos países que teve seu índice rebaixado ao longo dos anos, medido de 2006 até 2017, quando atingiu seu menor índice – 6.86 -, classificado, por isso, como “flawed democracy” (numa tradução livre, democracia falha).

O descontentamento da população brasileira que desde 2013 saiu às ruas para protestar por “não só R$ 0,20” e até hoje se mobiliza é uma resposta comprovada à crise da democracia. As raízes desta instabilidade remontam o passado histórico do país – o modo como a democracia foi reinstalada no pós-ditadura nos anos 1970, além de questões como a falta de confiança da população nos políticos que as representam, e ao ódio à democracia pelas classes dominantes, que desejam hierarquizar a sociedade a fim de satisfazer seus interesses.

A crise

Na década de 1960, o medo dos Estados Unidos de que os países da América Latina seguissem o exemplo de Cuba, se rebelassem e destituíssem seus governos fez com o que a potência norte-americana apoiasse o golpe militar nos países da região do continente, incluindo no Brasil. Em 1964, é deposto o governo encabeçado pelo então presidente João Goulart, dando início a ditadura que só terminaria 21 anos depois. No final dos anos 1970, somente três países viviam em uma democracia na América Latina.

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(Infografia: produção própria)


 

Quando a democracia volta a ser instalada, já não é mais a mesma, devido ao cenário de pobreza e desigualdade social. A transição para o sistema de governo, além de necessária, foi eufórica e inadequada, em grande parte devido as medidas do Consenso de Washington, que fez com que os governos seguintes a democracia se preocupassem somente com o avanço da economia, favorecendo ações liberais. A ausência de incentivo e espaço na participação da vida política faz com que os cidadãos tenham dificuldade para consolidar integralmente suas liberdades civis, pois cumprem papel de coadjuvantes na história do país.

A filósofa e escritora brasileira Marilena Chauí, no livro “Convite à Filosofia”, discorre sobre esta fragilidade da democracia. “A democracia, erguida ora como o mal, ora como o bem, deixava de ser encarada como forma da vida social para tornar-se um tipo de governo e um instrumento ideológico para esconder o que ela é, em nome do que ela ‘vale’. Tanto assim, que os grandes Estados capitalistas, campeões da democracia, não tiveram dúvida em auxiliar a implantação de regimes autoritários (portanto antidemocráticos) toda vez que lhes pareceu conveniente”, escreve.

A  perspectiva de desilusão quanto a democracia permanece neste momento, e faz com que as pessoas confiem cada vez menos nos políticos que as representam. Mesmo com a a Resolução nº 23.457 que desde o final de 2015 proíbe doações de empresas jurídicas, os candidatos ricos ainda abusam de propaganda eleitoral para as eleições. A insegurança dos eleitores é atenuada pelo fato de só responderem aos seus financiadores e aos próprios interesses.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) disponibilizou consulta ao financiamento das eleições de 2016. Se, em 2014, os três maiores doadores para candidatos eram as empresas a JBS (Friboi e Seara), Telemont Eng. de Telecom., Const. Andrade Gutierrez; em 2016, candidatos ricos continuam sendo reeleitos pelo próprio bolso. O ex-prefeito de São Paulo, João Dória, por exemplo, tem patrimônio estimado em R$ 179.765.700,00.

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O print dos comentários do portal de notícia evidencia o ceticismo e descontentamento quando se trata de opinar na política brasileira (Fonte: acervo pessoal)

“Ódio à democracia”

O filósofo e professor francês Jacques Rancière, em seu livro “ódio à democracia”, busca explicar as razões para tamanha aversão. Logo na introdução, Rancière afirma que o ódio ao sistema político não é novidade. “[…] a própria palavra é uma expressão de ódio. Foi o primeiro insulto inventado na Grécia Antiga por aqueles que viam a ruína de toda ordem legítima no inominável governo da multidão”. Quanto ao que a palavra democracia designa, o filósofo é cético ao afirmar que a palavra democracia não representa “nem uma forma de sociedade nem uma forma de governo.” Continua, ao dizer: “A ‘sociedade democrática’ é apenas uma pintura fantasiosa, destinada a sustentar tal ou tal princípio do bom governo. As sociedades, tanto no presente quanto no passado, são organizadas pelo jogo das oligarquias”.

No Brasil, o ponto culminante da crise no passado recente de sua democracia foi o golpe de Estado que colocou um presidente ilegítimo no poder, em agosto de 2016.  Ao lado de uma propaganda midiática intensa de que o PT seria o cerne da corrupção do país, através de denúncias não comprovadas, a presidente Dilma Rousseff sofre o processo de impeachment, como pretexto para o golpe. O autoritarismo e hegemonia política dos partidos tradicionais não mediram esforços para ferir a constituição ao contemplar seus interesses.

Para a professora Helena Esser, “o regime de governo vigente é consequência do golpe de 2016”. Também, segundo ela, “apesar da aparência de legalidade e legitimidade, os três poderes que participaram e tiraram proveito do golpe estão absolutamente comprometidos com a violação do estado democrático de direito, com a destruição da democracia brasileira.”

Desde o século XVIII, minorias – mulheres, negros, índios – tem que lutar para serem considerados cidadãos. O sufrágio universal, concebido somente no século XX, em coro com o ódio alimentado pelas classes dominantes não condiz com os pressupostos da democracia, onde o povo exerce a soberania. Nesta perspectiva, é sintomático que a democracia tenha tanta dificuldade para se consolidar.

A professora Helena anuncia outro motivo para a repulsa à democracia, que tem como a principal causa a dificuldade de conviver com a diversidade. “Ao longo dos séculos, apesar da cordialidade do brasileira, nossos costumes são profundamente autoritários, rechaçam facilmente ‘o que não é espelho’. Democracia exige maturidade política, exige compreender que as pessoas são seres singulares, mas que esta singularidade – apesar das dificuldades de ajustes que possa trazer – é a maior riqueza que temos. Seguramente não é fácil equacionar os conflitos que podem surgir a cada situação, mas negá-los ou desqualificá-los é uma violência contra o exercício da cidadania”, cita.

 
 

Redação

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