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Por trás do suicídio

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Entenda os três principais transtornos mentais que mais levam ao suicídio

Por Ana Carolina RibeiroHelena Botelho de SouzaMatteus CortiThainá Zanfolin

Em tempos de produtividade e pressa, o campo da saúde mental tem ganhado mais destaque no debate público. Grupos como o Centro de Valorização da Vida (CVV) e campanhas como o Setembro Amarelo, que promove a conscientização sobre o suicídio, têm se fortalecido. Mas o motivo é preocupante: a saúde mental do brasileiro está prejudicada, com altos índices de estresse, ansiedade e outras doenças psíquicas, o que reflete no número de suicídios. Por que não estamos cuidando do bem-estar da nossa mente?

Segundo a Stress Management Association (ISMA), o Brasil é o segundo colocado no ranking de dez países mais estressados do mundo, atrás apenas do Japão. Em relação à ansiedade, o caso é mais grave: a Organização Mundial de Saúde (OMS) afirma que somos o país com a maior taxa de ansiedade do mundo e que 9,3% dos brasileiros têm algum transtorno de ansiedade. A busca por ajuda é prejudicada pelo senso comum, que justifica doenças mentais como de “falta de trabalho”, “falta de religião” ou “frescura”.

A recorrência destes problemas traça um caminho para atos suicidas no país. Segundo dados divulgados pelo Ministério da Saúde, a cada ano cerca de 11 mil brasileiros tiram a própria vida. É importante pontuar que a esse dado estão ligados a diversos fatores, como transtornos psíquicos, questões socioeconômicas e traumas. Apesar de cada fator demandar tratamentos específicos a fim de minimizar impulsos suicidas, cuidados básicos com a saúde mental já ajudam muito.

Os casos de transtornos afetivos, como a depressão e o transtorno de bipolaridade, e os transtornos aditivos, relacionados ao uso de álcool e substâncias, são as principais doenças mentais relacionadas ao suicídio.

Depressão

“Eu estava em um momento de crise intensa, tinha dias que eu não conseguia sair da cama, tinha dias que eu só conseguia chorar, as coisas todas tinham perdido o sentido para mim. Então isso vinha como uma “vozinha” no fundo da minha cabeça. Será que não é melhor? Será que essa não é, mesmo, a solução? Pelo menos eu pararia de sofrer”, conta Beatriz Moraes, de 22 anos. Beatriz passou nos últimos meses por um quadro depressivo e aponta que o suicídio, no pior momento da crise, apareceu como uma alternativa para acabar com sua dor.

A depressão, de acordo com pesquisas feitas pela Organização Mundial de Saúde, é uma das principais doenças mentais relacionadas ao suicídio. Fábio Gonçalves, professor do departamento de psicologia da Unesp Bauru e pesquisador com experiência em quadros depressivos, conta que essa relação está associada às principais características da depressão: alteração de humor, alteração na forma como se enxerga o mundo, intensa desesperança e, em alguns casos, ideação suicida. “A depressão traz essa ideia de desesperança e muitas vezes o sofrimento é tão grande que um dos jeitos de fugir desse sofrimento é o suicídio”, aponta o professor.

A vida de Beatriz, nos últimos anos, passou por muitas mudanças, uma gravidez precoce e não planejada e um relacionamento muito conturbado fizeram parte e contribuíram de forma decisiva para que ela desenvolvesse o quadro depressivo. “Eu deixei de estudar para cuidar da minha filha, minha auto-estima foi afetada por causa de um relacionamento com traições. Foram três anos em casa sem perspectiva nenhuma de futuro, sem vontade nenhuma de nada”, relata Moraes.

Fábio Gonçalves explica que o aparecimento da depressão está sempre relacionado com a interação de dois fatores: o genético e o ambiental. “Alguns genes, como o transportador de serotonina tem uma associação muito clara com a vulnerabilidade em desenvolver quadros depressivos, isso quer dizer que quem tem uma das variantes do gene quando exposto a situações estressantes desenvolvem mais frequentemente depressão do que quem tem a outra variante”, diz o professor. Mas ele reitera que na ausência de fatores de estresse tanto faz ter um gene ou outro.

Reconhecer-se em um quadro depressivo não é uma tarefa fácil, Fábio Gonçalves aponta que a depressão começa de maneira muito sutil. “É como colocar um óculos e ir escurecendo ele bem devagar, quando você vê já está no meio. Então é difícil a pessoa perceber até que aquilo começa a dar sinais já muito claros”, explica. “A gente não acorda e fala assim: ‘nossa estou com depressão’. Eu olhei para trás e me lembrei que eu não era assim. Eu era mais segura, eu tinha sonhos, tinha planos que adormeceram nessa fase”, conta Moraes.

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Arte: Helena Botelho de Souza


 

O professor afirma que às vezes é a família ou os amigos quem percebe . “Quando você começa a olhar o mundo e achar que não tem saída é um bom indício de que vale a pena procurar um profissional, um psicólogo ou psiquiatra, para avaliar”, esclarece o professor.

Ele ainda afirma que quanto mais cedo iniciar um tratamento maior é o sucesso dele. Segundo Gonçalves, quanto mais episódios a pessoa já teve, as chances dela se livrar daquilo vai ficando cada vez menor. “Então, aos primeiros sinais, e esses sinais às vezes aparecem na adolescência, é importante procurar ajuda”, destaca.

Os sintomas que podem ser observados em pessoas que estão em um quadro depressivo, de acordo com Fábio, são: alteração de humor (humor mais triste, deprimido), anedonia (diminuição ou incapacidade de sentir prazer), alterações de apetite, desesperança, sentimento de culpa, desvalorização pessoal e a própria ideação suicida.

O tratamento para depressão envolve uma combinação de medicação e psicoterapia, como sugere o professor Fábio. Apenas em casos de episódios leves, quando se tem dois ou três sintomas, não é imperativa a necessidade de medicação. “De quadros moderados para cima aí já há uma indicação de medicação, se a pessoa tem quatro, cinco sintomas ou se esses sintomas estão atrapalhando muito a vida dela aí recomenda-se o tratamento com medicação e psicoterapia”, afirma Gonçalves.

Identificar a depressão como um transtorno afetivo que precisa ser vista como tal é um dos passos de grande importância para o seu tratamento e para a prevenção do suicídio. O professor Fábio Gonçalves ressalta, “quanto mais a gente identifica isso como algo que precisa de um cuidado, mais frequente é a procura por ajuda”.

Transtorno bipolar

O caso de Adriana Moraes, de 33 anos, também configura um quadro complexo. Adriana é técnica em enfermagem e foi diagnosticada com transtorno bipolar tipo 1 após três anos de acompanhamento médico. A doença era confundida com depressão devido à sucessão de fases características do transtorno. “Eu percebi que havia algo diferente desde a infância por conta das alucinações que sempre tive. Mas só fui perceber que algo estava errado na adolescência por causa dos sintomas: muita agitação, insônia, às vezes agressividade e compulsões. Com 14 anos tive meu primeiro surto psicótico”, conta.

A família de Adriana, segundo ela, nunca levou muito a sério sua condição por achar que tratava-se de um problema espiritual, portanto, sempre recorriam às igrejas. Quando mais velha, não procurou ajuda tão cedo por medo da reação e do preconceito das pessoas à sua volta.

A coordenadora do Centro de Estudos de Transtornos de Humor e Ansiedade, Ângela Scippa, explica que o conhecimento familiar acerca da doença e dos medicamentos é fundamental para o tratamento de qualquer pessoa que tenha doenças mentais. “É uma doença grave quando não cuidada, portanto, os familiares têm o papel importantíssimo de estar ao lado dessas pessoas orientando, quebrando preconceitos e incentivando as terapias e tratamentos”, aponta.

O transtorno afetivo bipolar, ou simplesmente transtorno bipolar é uma doença psíquica caracterizada pela alternância de fases: depressão e euforia (também conhecida como fase da “mania”). A mania é caracterizada por uma gama de comportamentos que incluem agitação, agressividade, autoconfiança elevada, aumento da libido, diminuição do sono e compulsividade. Já na depressão, é comum que os indivíduos sintam alteração do apetite, alteração do sono, tristeza, mau humor, pessimismo e pensamentos suicidas frequentes.

A alternância nas fases de crise podem durar dias ou até meses, o que torna ainda mais difícil o diagnóstico médico. Além disso, a doença apresenta-se em diversas variantes: podendo ser do tipo 1 (quando há o predomínio da fase eufórica), tipo 2 (quando há o predomínio da fase depressiva), mista (episódios de mania e euforia alternados), ciclos rápidos (quando os episódios duram menos de uma semana) e ciclotomia (os sintomas são persistentes por pelo menos dois anos).

Segundo dados da Associação Brasileira de Psiquiatria, o Transtorno Afetivo Bipolar atinge cerca de 2,2% da população brasileira, algo próximo de 4,2 milhões de brasileiros. O número alto, no entanto, não faz jus à forma com que a doença ainda é vista na sociedade, sendo por vezes confundida com manifestações espirituais ou trivialidades.

Camylla Cipriano, dona de casa de 33 anos, explica que para ela a maior dificuldade para enfrentar a doença é justamente o preconceito que ainda enfrenta na sociedade como um todo. “As pessoas sempre me deixam pior com afirmações que dizem que quero chamar atenção, que eu tenho isso porque não aceito Jesus, apesar de ser católica, que quem procura psiquiatra é doido…”, comenta.

A abordagem que a mídia e os veículos de informação de maneira geral fazem também é uma crítica recorrente dos portadores do transtorno bipolar. Para eles, uma retratação mais humanizada e séria é essencial para o combate ao preconceito social que esses transtornos ainda possuem. Para o estudante de educação física Lívio Pereira, “é importante abrirmos a visão das pessoas para que elas conheçam mais sobre o transtorno e assim os tratamentos sejam expandidos e os portadores tenham mais incentivo para prosseguir nas terapias”.

Como na depressão, as explicações para a ocorrência do transtorno bipolar são diversas e multifatoriais, considerando aspectos genéticos e ambientais. Os fatores ambientais incluem histórico de abuso infantil e estresse de longa duração, já os genéticos envolvem hereditariedade e incidência de determinados genes que aumentam a possibilidade de desenvolvimento da doença.

O transtorno bipolar é hoje a doença que mais mata por suicídio. De acordo com a Associação Brasileira de Psiquiatria, entre 30% e 50% dos brasileiros portadores do transtorno tentam o suicídio e desses, cerca de 20% chegam ao objetivo. Os pacientes têm um risco 28 vezes maior de apresentar comportamento suicida do que o resto da população brasileira.

“Não se sabe ao certo porque o portador do transtorno bipolar teria mais chances de chegar ao suicídio. Mas se pensarmos que a doença é constituída de duas fases e pensarmos no comportamento impulsivo, que daria ao indivíduo a capacidade de realizar o ato suicida, o risco de acontecimento realmente se torna maior”, explica Scippa.

O tratamento é feito essencialmente com medicamentos psíquicos, principalmente devido à alta carga de transmissão hereditária dos fatores de predisposição. A administração dos medicamentos é condicionada à individualidade do paciente e ao seu sofrimento pessoal.

Scippa explica que são raras as exceções em que o tratamento não se estende para a vida toda do paciente, mas que por outro lado, é extremamente eficaz e com os remédios é possível ter uma vida normal. A manutenção dos medicamentos após a estabilização das crises é também realizada em virtude de prevenir a volta dos sintomas e das consequências das fases e crises.

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Dados referentes aos anos de 2006 e 2012 | Arte: Helena Botelho de Souza


 

Transtorno relacionado ao uso de álcool e outras substâncias

No grupo de transtornos mentais mais recorrentes também estão os problemas causados pela adicção em álcool ou drogas. É o que houve com Maura Goulart, que há quatro anos não ingere bebidas alcoólicas: “Eu estava deprimida, em profundo sofrimento, pensando seriamente em como dar fim àquela situação”. O incentivo para buscar ajuda veio de sua psicóloga na época e, segundo ela, mesmo fazendo terapia há bastante tempo, a presença da bebida não permitia que resultados surgissem.

De acordo com a cartilha “Suicídio: Informando para prevenir” formulado pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), cerca de 5% a 10% das pessoas que são dependentes de álcool terminam suas vidas pelo suicídio. Além disso, pessoas não dependentes costumam consumir álcool ou algum tipo de droga antes de tentativas ou de cometerem suicídio.

Gilberto Antonio Heinzmann também acredita que o consumo que fazia do álcool influenciou diretamente seu psicológico e relata que já tentou suicídio. “Creio que a depressão se instalava quando estava sem beber, chamamos isso de Síndrome da Abstinência, e para controlar esse estado voltava a beber, o que se tornava um círculo vicioso e agravava meu quadro”, conta.

Segundo o professor e pesquisador Fábio Gonçalves, quando se trata de uso de substâncias, elas podem tanto criar um quadro de transtorno quanto agravar um já existente. No caso de pessoas que fazem uso de substâncias e apresentam quadro de transtorno psicológico o pesquisador diz que o atendimento terapêutico deve ser diferente. “Você está lidando com duas questões, então você vai ter estratégias distintas. Às vezes o quadro depressivo está mais grave e outras vezes a questão das substâncias é mais urgente”. Além disso, ele salienta que existem medicamentos que são permitidos mesmo para quem faz uso de álcool ou outras substâncias, mas que é necessário avaliar cada caso.

O álcool é uma das substâncias mais consumidas, mas, de acordo com o pesquisador, não é a única que pode alterar ou piorar transtornos. Segundo Fábio, estimulantes como a cocaína e a cafeína, a longo prazo, afetam os mesmos circuitos cerebrais que são alterados na depressão. O tabaco, de acordo com ele, é outra substância que pode agravar quadros depressivos. Mesmo com os efeitos potencialmente negativos, retirar completamente o fumo de uma só vez pode piorar ainda mais o caso. “A pessoa tem que estar já um pouco melhor para conseguir fazer e sustentar essa suspensão”, explica o pesquisador.

No caso do consumo de álcool, Maura e Gilberto afirmam que suas vidas mudaram a partir do momento em que deixaram de consumir a bebida. Além disso, receber ajuda tanto dos familiares quanto dos grupos de apoio, como os Alcoólicos Anônimos (AA), se mostrou essencial. “Ter a oportunidade de falar sobre isso, sem julgamentos, sem apontamentos cruéis que a sociedade em geral usa para definir um alcoólatra, para mim, foi a grande sacada. […] Me fez entender que também seria capaz de conseguir”, conta Maura. Gilberto, que teve incentivo de sua filha para buscar ajuda no AA, também diz que durante as reuniões é possível “identificar-se na pessoa do depoente e saber que não estamos sozinhos nessa luta”.

Destinar atenção ao psicológico deve ser feito por todos, quem tem ou não desgastes mentais, pontuais ou crônicos. Em entrevista à Revista Época, a psicóloga Marilda Lipp, diretora fundadora do Centro Psicológico de Controle do Stress (CPCS), recomenda atividade física, tempo para ócio ou relaxamento e boa alimentação para ajudar no bem-estar. Outra orientação da psicóloga é a respeito de terapia, que ajuda a atenuar a pressão excessiva que pode comprometer a saúde. Caso não seja possível um acompanhamento psicológico, Marilda Lipp recomenda a reflexão a respeito da própria vida e de seus acontecimentos.

Procure ajuda:
Centro de Valorização da Vida (CVV)
Em caso de emergência ligue para 141
Alcoólicos Anônimos
Encontre o grupo mais próximo de sua residência
 
 

Redação

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