Não bastassem as desigualdades sofridas pelas mulheres no mundo todo, elas ainda estão sujeitas a diversos tipos de assédio, principalmente o sexual. Os recentes escândalos revelados de Hollywood nos dão um breve panorama de algo que acontece todos os dias, em todos os setores da sociedade.
Segundo pesquisa feita pelo Datafolha no final de 2017, cerca de 42% das mulheres brasileiras dizem já ter sofrido assédio sexual em diferentes lugares, desde o local de trabalho, até em casa e no transporte público. E o quadro se repete também nas instituições de ensino, onde crianças e jovens estão expostas a agressões por parte de funcionários, professores e até mesmo dos colegas.
Fonte: Folha de São Paulo. Disponível em: http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2018/01/1949701-42-das-mulheres-ja-sofreram-assedio-sexual.shtml
É justamente essa temática abordada na segunda temporada da série 13 Reasons Why (“Os 13 Porquês”, em tradução livre), produzida pela Netflix. Após o fim da primeira temporada, que contou a história da jovem Hannah Baker e os motivos que a levaram a se suicidar, a nova saga volta para contar a história pelo ponto de vista das outras personagens, e o desdobramento das consequências de tudo o que aconteceu.
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Depois de abordar o tema do suicídio na primeira temporada, agora a série se foca mais na questão do estupro e do assédio sexual, problemática que foi um dos fatores determinantes para levar a jovem Hannah a tirar a própria vida na temporada anterior.
Os próprios atores da série descrevem a importância em trabalhar temas sociais através de produtos de entretenimento, e se mostram orgulhosos pelo trabalho desenvolvido. Em visita recente ao Brasil, alguns integrantes do elenco contaram algumas experiências com a série e suas percepções e aspirações em participar dessa produção.
Alisha Boe, que interpreta a estudante Jessica Davis, contou em entrevista ao Metro Jornal que vê a importância da série na repercussão dos escândalos da vida real, tanto envolvendo os astros de Hollywood quanto os ocorridos no mundo do esporte, como no caso do ex-treinador de ginástica olímpica da seleção dos Estados Unidos. “Tem sido muito importante acompanhar esses julgamentos e ver os juízes ouvindo os sobreviventes e os criminosos pagando pelo que fizeram. É muito bom ver isso mudando, ver as pessoas acreditando nos sobreviventes e não os culpando”, afirma a atriz.
A campanha #MeToo, iniciada em 2017 após a revelação de escândalos de assédio e abuso sexual em Hollywood, levou mulheres do mundo todo a contarem suas experiências em solidariedade às atrizes violentadas. (Foto: Reprodução/Pixabay)
Realista ou desnecessário?
Contudo, não são todos que enxergam com bons olhos o retrato que a série faz desses temas. Após o fim da primeira temporada, que exibe em seu último episódio uma cena explícita de Hannah Baker cometendo suicídio, diversas críticas surgiram por parte da sociedade em geral e também pelos próprios fãs.
E com o anúncio e lançamento da segunda temporada não foi diferente. Antes mesmo de os novos episódios chegarem à plataforma de streaming, fãs do mundo todo já questionavam a necessidade de produzir mais uma temporada. “Acredito que possa ter tido certa romantização dos fatos. Além de uma narrativa que prende, precisa-se de mais concretude quando se fala sobre isso, entende?”, alega Maria Gabriela Zanotti, atriz e estudante de Jornalismo.
Para ela, simplesmente falar sobre o tema sem se atentar ao modo como ele está sendo retratado não contribui da forma como os produtores da série julgam. “Levantar a poeira é fácil, mas limpar tudo depois que é o complicado. Acho que a série veio em bom momento, mas retrata de forma muito romantizada”, completa.
A psicóloga Suzana Baptista compartilha de uma opinião semelhante à da estudante, e justifica suas críticas pelos debates levantados por especialistas. “Profissionais da área da saúde mental têm questionado a necessidade da série veicular cenas explícitas, bem como a responsabilidade social em exibir essas imagens, que podem não ser bem assimiladas por quem assiste, em função da sua fase de desenvolvimento ou de sua fragilidade psíquica”, alega.
Segundo especialistas, a forma inadequada como são retratadas cenas de estupro e suicídio podem prejudicar o estado psicológico e o convívio social de pessoas que já sofreram com esse tipo de problema. Foto: Kat Jayne on Pexels.com
Segundo ela, o cuidado com a forma como se reproduz conteúdos que trabalham com temas delicados como suicídio e abuso sexual é essencial para não reascender as sequelas no indivíduo que passou por esses traumas. “As experiências traumáticas são acompanhadas, geralmente, dos sentimentos de impotência e desamparo, e as relações sociais, tão necessárias ao desenvolvimento humano, podem ser sentidas como extremamente ameaçadoras depois dessas experiências”, explica.
E ainda pontua que, apesar da necessidade em abordar cada vez mais esses temas na mídia, a atenção ao formato também pode contribuir. “A atitude respeitosa e não julgadora é essencial na abordagem de temas que tratam das dores humanas. Levantar um debate, mostrando várias visões sobre o tema, permitindo que o espectador reflita e forme seu próprio entendimento sobre o assunto apresentado seria o ideal, mas, provavelmente, é mais compatível com um documentário do que com séries”, conclui.