Confira entrevista com Sérgio Médici, doutor em engenharia mineral pela Universidade de São Paulo sobre a tragédia em Mariana, Minas Gerais.
Jornalismo Especializado (JE): A barragem do Fundão foi construída em 2006 e foi feita de barro, um material que além de ser mais barato, é maleável e um filtro natural. O
que aconteceu, tecnicamente, para essa barragem se romper? Existem outras barragens que são construídas com outros materiais?
Sérgio Médici (SM): Barragens de rejeito tem uma tecnologia própria, cada uma é um projeto. Não creio que a de Mariana foi feita só de “barro”, ela não se sustentaria estruturalmente, mas podem ter economizado e prejudicado a resistência estrutural. Detalhes da construção só com quem construiu.
JE: O último alteamento que foi feito na barragem do Fundão foi feito em
2012 e um novo plano de alteamento foi apresentado em julho de 2015. Existe algum número máximo de alteamentos (à montante, no caso) que podem ser feitos em uma barragem? Podemos dizer que a barragem do Fundão passou do prazo de validade e deveria ser desativada? Qual a vida útil de uma barragem?
SM: Cada projeto é um projeto e não se pode a priori dizer quantos alteamentos uma barragem pode sofrer. Barragens não tem prazo de validade e devem durar o
tempo que for necessário até que toda a água escoe ou evapore, e o material fique seco. Aí deve-se monitorar a estabilidade dos taludes e encostas. Impossível desativar uma barragem de rejeito, a menos que remova o rejeito, mas para onde então?
JE: Ainda se especula que o rompimento da barragem possa ter sido ocasionado por um pequeno abalo sísmico que aconteceu na região. Tecnicamente, é possível um pequeno abalo sísmico romper uma barragem?
SM: Barragens de rejeitos devem ser projetadas para aguentar pequenos abalos sísmicos, da ordem de 3 na escala Richter. Será que a de Mariana foi projetada adequadamente? Só o projetista ou órgãos fiscalizadores podem responder. Tecnicamente seria possível sim, para barragem de rejeito mal construída e mal monitorada.
JE: A qualidade dos materiais utilizados pode ter sido um dos problemas que ocasionou o rompimento?
SM: Pode. Também a qualidade e a tecnologia de construção e o nível inadequado de manutenção. Além de uso além da capacidade correta.
JE: Olhando a história da mineração no Brasil e observando as barragens que já tivemos, podemos dizer que acidentes de barragens são comuns? (Exemplos: 1986 – Barragem da Mina de Fernandinho/Itabirito; 2001 Barragem dos macacos/São Sebastião das águas claras; 2003 Barragem da Indústria de Cataguases de papel/Cataguases; 2007 Barragem da mineração Rio Pomba Cataguases/Miraí, etc). Por que ainda vemos tantos acidentes? O que falta melhorar?
SM: Acidentes nunca devem ser considerados comuns e normais. No Brasil infelizmente não se tem uma cultura de segurança, nem nas empresas (existem exceções), nem nos órgãos governamentais, e por incrível que pareça nem nos sindicatos. Falta as empresas terem a segurança como valor e não apenas como prioridade, porque prioridades mudam facilmente com alteração de preços e custos. E falta claro um governo atuante e eficiente, fechando empreendimentos e obras sem segurança. Multar só não adianta, a justiça é lenta e multas as vezes multas nunca são pagas.
JE: Do seu ponto de vista, o que ocorreu em Mariana foi um acidente ou um crime?
SM: Foi uma irresponsabilidade dos escalões mais altos da Samarco e da Vale, a qual despejava muito rejeito ali. Acidentes não ocorrem por “milagre”, ocorrem por uma sucessão de erros intencionais ou não.