Especialistas mostram que a plataforma pode ser de grande ajuda, mas a educação ainda precisa de muita atenção no Brasil
Por Bruna Malvar e Caroline Balduci de Mello
Explicar o que é o Youtube para usuários da Internet é desnecessário. 12 anos após sua criação, em fevereiro de 2005, a plataforma de compartilhamento de vídeos reúne mais de um bilhão de usuários, segundo estatísticas da própria empresa. Esse número representa quase um terço dos que têm acesso ao mundo online em todo planeta.
São inúmeras as temáticas encontradas nos vídeos disponíveis. De filmes e videoclipes até produções de DIY (Do It Yourself, ou Faça você mesmo, em português), existem milhões de horas de vídeos compartilhados através dos canais da plataforma. Esses canais podem ser profissionais ou pessoais. Respeitando as regras de boa convivência do site, qualquer conteúdo pode ser postado.
Em 2013, em uma parceria com o Google e o Instituto Lemann, o Youtube criou um canal oficial com conteúdos exclusivos dedicados à educação. O chamado Youtube EDU do Brasil conta com mais de 205 mil inscritos e já ultrapassou a marca de 10 milhões de visualizações. Os vídeos que participam desse canal são escolhidos através de uma curadoria de professores especialistas selecionados pelo Sistema de Ensino Poliedro e coordenados pela fundação Lemann, tudo com a intenção de garantir a qualidade do conteúdo.
É de 2013 também a pesquisa do Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE) que revela que metade dos jovens, entre 15 e 17 anos, não está matriculada no Ensino Médio, e que a taxa de evasão escolar mais que dobrou no período de 12 anos, pulando de 7,2% para 16,2%. A desistência é normalmente justificada por muitas razões sociais, externas ao ambiente escolar. No entanto, a preguiça e o fato de não gostar da escola ou dos professores são três das justificativas mais comuns utilizadas.
Em um país que enfrenta tamanha dificuldade na área da educação, a alternativa de disponibilizar conteúdos de ensino através de plataformas populares entre os jovens pode ser vista com bons olhos. Desde apoio para assimilar conteúdos do ensino médio, até o reforço especializado no estudo pré-vestibular, diversas são as temáticas abordadas online.
A estudante de letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Isabella Mercedes, 19 anos, começou a utilizar o Youtube ainda no Ensino Médio, para tirar dúvidas dos conteúdos ensinados em aula. Quando começou a se preparar para o vestibular, não tinha condições financeiras para pagar um cursinho, e por isso decidiu se dedicar no estudo online: “Eu assistia aos vídeos com aulas e depois procurava exercícios para fazer. Às vezes no próprio YouTube eu encontrava vídeos com resoluções de exercícios, o que ajudava bastante”.
Isabella acredita que através dos vídeos pôde absorver os conteúdos de forma mais intensa do que aconteceria na sala de aula, além de não precisar se preocupar com a adaptação aos professores: “No vídeo eu posso voltar, avançar e pausar, o que me dá mais liberdade caso eu não entenda algo. Além de ter vários professores explicando um mesmo assunto, eu posso escolher qual me dou melhor”. A estudante se preparou por 4 meses, dedicando 5 horas diárias ao aprendizado, e considera a aprovação no vestibular a ratificação de que o método funciona.
Ivys Urquiza é formado em engenharia e tem 25 anos de prática como docente. Desde 2013 tem o projeto Física Total, o maior canal de ensino exclusivo de física no Youtube brasileiro. Urquiza começou seu canal após receber diversos pedidos de vídeos nas explicações que postava sobre física em um blog pessoal. Desde a primeira postagem, já foram carregados em seu canal mais de 300 vídeos, com conteúdos que são abordados nos principais vestibulares do país.
Na percepção de Urquiza, alguns problemas são ligados erroneamente ao estudo pela internet. O argumento de que os alunos se distraem com maior facilidade ao estudarem no mesmo ambiente no qual costumam se divertir é um deles: “Fontes de distração não são exclusividade dos meios virtuais de aprendizagem. Na verdade, pelo que percebo, por conta do desinteresse com a sala de aula tradicional, o estudante parece bem menos atento nela do que nas plataformas de videoaulas. Além disso, como o estudante escolhe o horário, o assunto e o professor que vai ministrá-lo, em geral, essa proatividade acaba gerando um maior compromisso com o estudo”.
Apesar de não concordar totalmente com a negação das distrações onlines feitas por Urquiza, o gerente de mídias sociais e organizador do Blogando – evento de comunicação e mídias – Marcelo Bueno acredita que é questão de tempo até a adaptação ao mundo virtual:“Todas as redes sociais batalham pela nossa atenção. É realmente muito difícil concentrar em um texto ou uma leitura ampla quando você tem vídeos rodando, músicas a disposição, conteúdos e notificações. É necessário aprender a utilizar nos momentos adequados, mas acredito que em breve estaremos mais acostumados”.
O professor de antropologia da pós-graduação da USC (Universidade Sagrado Coração), Otávio Barduzzi já foi também professor do colégio e cursinho prevê-objetivo e não acredita nos vídeos online como forma de substituição do ensino presencial, mas sim de reforço. Barduzzi lembra que projetos que alinham educação e internet ainda são restritos a uma certa elite econômica: “Os grandes sistemas de ensino que são caros já tem investido [na internet no ensino]. São poucos os investimentos na educação pública, vai de vontade política. A USP tem desenvolvido algumas plataformas mas depende de investimento na escola local, o que historicamente não é prioridade no Brasil. Os institutos federais, colégios militares também tem alto investimento nesse sentido, mas mesmo sendo públicos ainda são colégios de uma certa elite, pois só quem passou no vestibulinho ou seja, quem frequentou boas escolas tem chance de entrar nesses colégios apesar das cotas”.
A fala de Barduzzi se baseia em um dado importante. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pouco mais da metade – apenas 58% – da população brasileira tem acesso à internet. O número é significativamente maior na classe A (95%) do que nas classes D e E (28%). Crescente, a porcentagem ainda não é grande o suficiente para possibilitar a substituição do ensino tradicional.
Para o professor de filosofia, sociologia e história, Michel Chaves, a substituição do método tradicional também esbarra no empecilho relacionado a interação com os alunos. Alguns estudantes possuem um perfil questionador, que não é suprido com velocidade no modelo de ensino com vídeos pré-gravados: “A vídeo aula é algo programado para acontecer. O mundo da sala de aula presencial pode levar, o mesmo assunto que foi abordado na vídeo aula, para outros assuntos diversos com a interferência do próprio aluno”.
Ao tratar a internet como complemento na educação, Barduzzi pede cuidado e atenção especialmente com os professores que disseminam o conteúdo online: “Em época de extremismos políticos já assisti gente descaracterizar um assunto que cai muito em vestibular que é Marxismo, por exemplo, ou relações de Gênero. Tem que tomar cuidado, analisar o perfil do youtuber [profissional que trabalha com a produção de conteúdo audiovisual] e verificar se é mesmo um professor preparado para aquela disciplina. Pode-se verificar na plataforma Lattes, por exemplo, se o professor tem formação e experiência”.
Mesmo o Professor Urquiza, que leciona aulas através da plataforma, reforça a necessidade de cuidado com as fontes que os alunos buscam para obter o conhecimento: “(…) o estudante precisa procurar canais que desenvolvam um trabalho sério e comprometido. Trabalho com regularidade e que se proponha a apresentar todo o conteúdo de sua matéria”. Ao tratar do assunto, enfatiza a qualidade dos canais do Youtube EDU, do qual é embaixador no Brasil.
A validade do uso de plataformas online no ensino é inegável. A educação deve acompanhar as mudanças sofridas pela sociedade. Segundo José Moran, pesquisador e professor de Novas Tecnologias na Universidade de São Paulo (USP), a forma de ensino precisa ser transformada para atender estas novas necessidades. Se o modelo anterior era focalizado no professor, o novo tem a necessidade de ser participativo. Sobre os professores, Moran diz que: “(…) temos que pensar sobre como dar aula. É desafiador. Não é um modismo, não é algo voluntário e só alguns professores fanáticos irão fazer. Cada um de nós vai, de alguma forma, confrontar-se com essa necessidade de reorganizar o processo de ensinar”.
No entanto, existem barreiras que vão além das mudanças sofridas pela sociedade. A existência da desigualdade social é justamente causada por não serem todos os que podem acompanhar as mudanças da sociedade. Um estudo realizado pela Cisco, empresa especialista em Tecnologia da Informação, prevê que até 2020 o números de usuários da internet no Brasil subirá de 58% para 65% em relação à população. O problema é que até nas perspectivas otimistas, o número está longe de alcançar todo o território.
Ao lado das mudanças básicas de infraestrutura, como rede, computadores programas, capacitação dos professores, Barduzzi ressalta que o investimento na educação no Brasil estão longe do ideal, o que torna o objetivo de digitalizar o ensino ainda mais distante: “Em 2004 os desembolsos para o setor [da educação] eram equivalentes a 4% da receita líquida do Tesouro nacional, tendo passado a 9,3% em 2014. Porém, o ideal é que seja investido [pelo menos] 20%. O Estado de São Paulo, segundo pesquisa do IDEB investe pouquíssimo frente à arrecadação. A reforma do ensino médio foi feita sem diálogo com profissionais e alunos de um modo muito rápido. A tendência é piorar. Os gestores políticos enxergam educação como gasto e não como investimento no futuro, esse é o maior problema”.
Os canais voltados à educação surgem como alternativas aqueles que não podem gastar dinheiro com os cursinhos e aqueles que se adaptam melhor com a organização do próprio estudo. No entanto, não são soluções definitivas e nem possíveis para a quase metade do país que ainda vive desconectada.
https://www.youtube.com/watch?v=YtqekRLFnwg
Consultados
http://brasilescola.uol.com.br/educacao/educacao-no-brasil.htm
http://istoe.com.br/326686_O+MAIOR+PROBLEMA+DA+EDUCACAO+DO+BRASIL/
https://tecnoblog.net/166778/4-bilhoes-offline/
http://www.cinted.ufrgs.br/ciclo9/artigos/3aSaulo.pdf
http://www.eca.usp.br/prof/moran/site/textos/tecnologias_eduacacao/novos.pdf
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/acessoainternet/
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-19651997000200006
https://www.youtube.com/channel/UCs_n045yHUiC-CR2s8AjIwg/about