Com diversos cursos no setor gastronômico, Bauru se mostra um prato cheio para quem se interessa pelos estudos da culinária.
por Guilherme Costa, Vinícius Cabrera e Vitor Almeida
A gastronomia e a culinária estão em evidência no Brasil. Um dos argumentos é o aumento considerável de programas relacionados à alimentação na televisão brasileira. Os programas televisivos de culinária não são novidade no Brasil, eles acompanham toda a história da televisão em nosso país. No entanto, houve mudanças importantes no conteúdo, no formato e a multiplicação indiscutível na variedade de programas. Desde a década de 1960 até o início dos anos 2000, os programas de televisão eram majoritariamente voltados para o público feminino, com as culinaristas Ofélia Anunciato, Ana Maria Braga e Palmirinha Onofre como principais apresentadoras. Ofélia, aliás, apresentou seu programa Cozinha Maravilhosa de Ofélia durante 30 anos – de 1968 a 1998 – na Rede Bandeirantes. Já na primeira década desse milênio, surgiram programas com propostas diferentes, como Mesa Pra Dois e Menu Confiança, ambos exibidos pelo canal GNT.
Hoje, impulsionadas pelo sucesso dos realities shows, canais de televisão aberta e por assinatura recheiam suas programações com programas de culinária. Na TV aberta, alguns exemplos são os realities MasterChef e MasterChef Kids, que são veiculados pela Bandeirantes e são sensações de audiência. As competições de confeitaria Bake Off Brasil, do SBT, e Batalha dos Confeiteiros, da Record, também estão em destaque, junto com os quadros Super Chef Celebridades e Jogo de Panelas, exibidos pela Globo durante o programa Mais Você. Na televisão por assinatura, há a onda de programas apresentados por figuras públicas, como é o caso de Tempero de família, com Rodrigo Hilbert como cozinheiro, e Receitas da Carolina, apresentado por Carolina Ferraz, ambos no GNT. Papo de cozinha, do Discovery Home & Health, Guerra dos Cupcakes, Hell’s Kitchen e Combate Culinário, todos transmitidos pelo TLC, além de Que Marravilha! Chefinhos, outro do GNT, são mais programas da televisão fechada. Existem também os programas de culinária que não adotam a tendência gourmet da gastronomia na televisão: Cozinha Prática, do GNT, que propõe pratos com ingredientes simples, e o bem humorado Larica Total, do Canal Brasil.
O coordenador do curso de Gastronomia na Universidade Sagrado Coração (USC), em Bauru, Marcio Henrique Castilho Cardim, acredita que a exposição nacional da gastronomia, movida pelos programas televisivos, é positiva, apesar das ressalvas: “a TV é um produto midiático e precisa vender. Eu gosto de dizer que é muito legal que esses programas existam, porque as pessoas se sentem atraídas pela cozinha e isso é ótimo. No entanto, a gente tem que entender que os programas de TV seguem scripts e precisam seguir todo esse planejamento para que eles deem certo”. Segundo Marcio, a midiatização da gastronomia, aliada à mudança nos hábitos alimentares de pessoas em todo mundo, é um fenômeno recente e salutar: “o movimento do ser humano se alimentar melhor é mundial. Passa por toda essa história da industrialização. De repente, chegou um ponto em que as pessoas percebem que tudo o que elas comem faz mal. Então, é quando o ser humano procura se alimentar melhor. Esse boom midiático mundial acaba trazendo essa ideia para a população”.
A proliferação de escolas gastronômicas pelo Brasil, com diversificados cursos, é notável. Um exemplo é o Instituto Gastronômico das Américas (IGA), um das mais influentes escolas da área no mundo, que anunciou em 2012, motivado pelos importantes eventos esportivos sediados pelo Brasil, a intenção de abrir cerca de 150 novas filiais no país até 2020. As opções de graduações em gastronomia também aumentaram por todo o Brasil. Se, décadas atrás, havia apenas cursos de tecnologia em Gastronomia, hoje são oferecidos cursos de bacharelado em importantes universidades, como a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que formou sua primeira turma em 2015, a Universidade Federal Rural de Salvador (UFRPE), que inaugurou o curso de Gastronomia em 2004, e a Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Bauru
Em Bauru, cidade de médio porte do interior paulista, há algumas opções de cursos relacionados à culinária e gastronomia. O Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial) municipal oferece o curso livre de Higiene na Manipulação de Alimentos, além da pós-graduação em Gestão de Negócios em Serviços de Alimentação. O Instituto Gastronômico das Américas (IGA) estabeleceu-se na cidade, no final de 2015, uma de suas filiais, com opções de cursos profissionalizantes, cursos rápidos e um infantil. E, há 10 anos, a Universidade Sagrado Coração abriu em Bauru seu curso tecnólogo de graduação em Gastronomia. Marcio Henrique Castilho Cardim, coordenador e professor do curso da USC, afirma: “10 anos atrás, Bauru era uma cidade muito restrita na área de restaurantes. Havia uma grande churrascaria, algumas pizzarias conhecidas, e só. Hoje temos restaurantes de cozinha mexicana, japonesa, árabe. Existem muitas opções de restaurantes. A gente credita isso muito ao crescimento do nosso curso”.
Inspirada no curso tecnológico de Gastronomia do Senac de Águas de São Pedro – pioneiro e um dos mais qualificados do país -, a Universidade Sagrado Coração inaugurou seu próprio curso de Gastronomia em 2005. O coordenador do curso Marcio Cardim explica que, apesar de ser um curso tecnológico, tem status de graduação: “junto ao Ministério da Educação, nosso curso tem o mesmo valor de uma graduação. O aluno formado nesse curso tem um diploma que dá a ele a chance de prestar concursos e tentar uma vaga em mestrado e doutorado”. O curso busca formação de cozinheiros profissionais que possam comandar quaisquer cozinhas especializadas e criar seus próprios empreendimentos e, por isso, há variedade de disciplinas teóricas, práticas e específicas. Com duração de dois anos e com duas turmas, matutina e noturna, a graduação em Gastronomia da USC compartilha alguns professores com o Senac de Águas de São Pedro.
Marcio Cardim conta que, por causa da grande exposição da gastronomia, proporcionada principalmente pelos programas televisivos, o perfil do aluno mudou nos últimos anos: “se antes aparecia aquele garoto que gostava de cozinhar em casa, hoje vêm muitas pessoas para fazer a segunda graduação, pessoas que têm outra profissão, mas que querem abrir um negócio na área de alimentação”. Uma grande preocupação do curso de Gastronomia na USC é consolidar a cozinha brasileira como identidade nacional. Nesse sentido, são designadas 20 aulas da grade curricular para estudar os ingredientes da culinária brasileira. Os alunos aprendem a preparar desde arroz carreteiro, prato típico do Rio Grande do sul, até o Pirarucu, peixe natural na Bacia Amazônica.
O Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial) de Bauru oferece o curso livre de Higiene na Manipulação de Alimentos e o curso de pós-graduação em Gestão de Negócios em Serviços de Alimentação. O curso livre propõe o ensino de técnicas básicas de higiene pessoal até o estudo aprofundado das doenças transmitidas através dos alimentos. Durante as 20 horas de carga horária, os alunos – que devem ter ao menos 16 anos e estar, com escolaridade mínima o ensino fundamental – têm contato com disciplinas como Formas de Contaminação Biológica, Agentes Causadores de Contaminação Biológica, Exigências para Saúde do Manipulador e Critérios de Segurança no Processo Operacional. O objetivo do curso de Higiene na Manipulação de Alimentos é formar profissionais que dominem a “higiene de equipamentos móveis e utensílios”, além do “controle integrado de pragas, qualidade da água e critérios de segurança no preparo de alimentos, desde o recebimento de matérias primas até a sua distribuição para consumo”, segundo descrição do próprio Senac. “Promover a construção de conhecimentos relativos aos perigos biológicos, químicos e físicos que permeiam o preparo de alimentos”, também é um dos propósitos do curso. Para matrícula é necessária a apresentação de RG e CPF originais na sede do Senac em Bauru.
A pós-graduação lato sensu em Gestão de Negócios em Serviços de Alimentação, também oferecido pelo Senac de Bauru, tem como público alvo as pessoas com formação superior em nutrição, gastronomia, administração, turismo e hotelaria. O curso tem, em seu programa curricular, as disciplinas de Gestão Estratégica em Negócios de Alimentação, Marketing e Comunicação Digital e Gestão de Suprimentos e Compras como destaques. Aulas teóricas sobre design, arquitetura, direito e história referentes ao ramo de alimentos e bebidas também são ministradas. Ao longo das 366 horas de carga horário estão distribuídas um total de 18 disciplinas. O espírito empreendedor dos alunos é estimulado durante o curso, com a finalidade de desenvolver habilidades gerenciais na área de alimentação. Para a término da pós-graduação é necessária a apresentação de um trabalho de conclusão, que é elaborado por todo o curso. As inscrições para o processo seletivo ficam abertas até o dia 29 de fevereiro de 2016 e é obrigatório o pagamento de uma taxa de 50 reais.
O Instituto Gastronômico das Américas chegou em Bauru no final de 2015 e já abriu inscrições para alguns de seus cursos. Novidade em Bauru, o IGA tem filiais em nove estados brasileiros, além do Distrito Federal. Só no estado de São Paulo, são 14 escolas, distribuídas entre cidades do interior, litoral e pela capital. Com o carimbo de escola de gastronomia mais importante da América Latina, o IGA oferece cursos profissionalizantes e até mesmo infantis. Gastronomia e Alta Cozinha, um dos cursos voltados para a profissionalização, tem dois anos de duração e objetiva a formação de cozinheiros com vastos repertórios e que sejam capazes de liderar cozinhas com eficiência. O IGA também disponibiliza o curso de Confeitaria Profissional, que dura um ano, e é formulado para quem deseja utilizar “diversas técnicas na combinação de texturas, sabores e cores, aplicando-as em apresentações conforme os diferentes tipos de eventos e comensais” como padeiro ou confeiteiro. Ambos os profissionalizantes buscam inserir no mercado de trabalho chefs que também sejam empreendedores.
Há também o Cozinheirinhos, um curso infantil que “ensina de maneira prática e divertida os segredos e atributos da boa cozinha, o reconhecimento dos ingredientes e valores fundamentais como a higiene e o cuidado com os utensílios”, segundo o IGA. Durante os oito meses de Cozinheirinhos, as crianças preparam tortas, biscoitos, cachorros-quentes, massas e outros pratos. Além disso, na unidade de Bauru do Instituto Gastronômico das Américas, estão disponíveis três dos chamados cursos rápidos. São eles: Sushi e Cozinha Japonesa, Chef Express e Decoração de bolos.
Comendo Cultura
Comer e beber são os dois atos que realizamos com maior frequência ao longo de nossas vidas. Mesmo tendo a necessidade biológica de se obter nutrientes, é evidente que o ato de se alimentar vai muito além disso. Nós comemos não só para matar a vontade física, mas também para nos “alimentarmos” de cultura, de comunicação, sociabilidade. A cozinha e, respectivamente, a comida são elementos que ao longo da história são consagrados como espaços de compartilhamento e, principalmente, de convívio social. Levando em conta esse fator, podemos afirmar que comida/gastronomia nunca foram tão trabalhadas no campo da comunicação como nos dias de hoje. Cada vez mais somos bombardeados por um mundo de imagens no qual a comida é elevada à condição de mais que uma simples necessidade, mas sim um elemento identitário.
Marcio Henrique Castilho Cardim, coordenador do curso de gastronomia da Universidade Sagrado Coração (USC), Bauru, também ressaltou a importância de se tratar a gastronomia um patrimônio cultural, “esse boom mundial gastronômico acaba trazendo a ideia de que a gastronomia pode resgatar e refletir a identidade cultural de um país”. Quando perguntado sobre a situação do Brasil em relação a esse novo contexto gastronômico, Marcio é ainda mais enfático, “o Brasil ainda está engatinhando nesse sentido, a gente ainda consume produtos importados como se fossem melhores que os nossos. Não devemos parar de consumir produtos de fora, mas devemos dar importância tão grande quanto aos nossos ingredientes e alimentos” finaliza Marcio.
Um debate latente envolve o projeto de lei Projeto (PL 6562/13), que defende a gastronomia como manifestação cultural. Caso o projeto seja aprovado, o setor também poderá se utilizar de benefícios fiscais do Ministério da Cultura, tais como publicações, eventos, pesquisas, todas financiadas com verba do imposto de renda. A maior polêmica nesse caso gira em torno da Lei Rouanet, que coloca em cheque uma questão, até então, pouco discutida: cozinheiro é artista ou não? Em tempos de midiatização generalizada essa é uma questão delicada, já que o grau de midiatização que anteriormente só era alcançado por atores ou jogadores de futebol agora também toma conta do glamorizado setor gastronômico.
Por outro lado, Pedro Vasconcelos, secretário de políticas culturais do Ministério da Cultura nos mostra que esse argumento esbarra na defasagem da Lei Rouanet, “no sentido desta proposta, o Ministério da Cultura tem total acordo, entendendo que a própria Lei Rouanet, que é de 1991, já está defasada em relação a uma série de conceitos sobre o que são as expressões culturais e as linguagens artísticas. E nós precisamos considerar que, com as mudanças que ocorreram, nos últimos tempos, na sociedade, atividades como moda, gastronomia e design, que antes não eram considerados do campo das políticas culturais, passaram a ser”.