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Um novo território para a nação dos refugiados e deslocados

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O Brasil tem recebido um número maior de pedidos de refúgio nos últimos três anos e abriu seu território para acolher reassentamentos pelo programa da ACNUR.

Por Elisa Espósito
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O Brasil abriga refugiados de 79 nacionalidades distintas. 

Eles andam de fronteira em fronteira, buscando um lugar seguro para reconstruir suas vidas. Homens, mulheres e crianças que acuados pelo medo, perseguição ou fome saem em travessias pelo deserto, pelo mar e por longas estradas a fim de encontrar um novo território que renove as suas esperanças. Alguns encontram proteção em abrigos de reassentamento, mas isso não restaura a dignidade de quem só tem incertezas sobre o futuro. Dependentes de ajuda humanitária, esses indivíduos sonham em recomeçar em outro lugar onde o ódio, a violência, a guerra e a miséria não determinem seus destinos. Violência, perseguição e fuga são experiências comuns a todos os refugiados, que precisam ser protegidos fora do seu país de origem. Recentemente o tema ganhou novos olhares com as Olimpíadas e Paraolimpíadas.
Em agosto, o mundo vibrou e se emocionou com a participação de 10 atletas refugiados nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. No mês seguinte, outros dois atletas refugiados provaram que nem mesmo uma deficiência física deve ser obstáculo para a realização de grandes feitos. Para além de seus dramas pessoais, eles levantaram a bandeira da proteção às vítimas de guerras e perseguições em todos os países e inspiraram muitos deles a perseverar em seus sonhos, mesmo em momentos de dificuldade. Longe dos holofotes do esporte, a competição de muitos refugiados é pela sobrevivência.
Ahmad Almazloum, 28, deixou a Síria por causa dos conflitos que assolam o país desde 2012. Seu receio de ser obrigado a servir no serviço militar e a falta de segurança para trabalhar, estudar ou viver com dignidade foram os motivos para que deixasse seu país de origem. Formado em Engenharia Biomédica, Ahmad deixou a família e os amigos na Síria para tentar reconstruir sua vida no Brasil.
No dia 14 de dezembro de 2013, ele chegou ao país. Depois de uma jornada de três meses no Líbano tentando uma oportunidade para entrar na Europa ou no Canadá, aonde poderia terminar seu mestrado e iniciar o doutorado, Ahmad decidiu vir para o Brasil, pois o país se mostrava um forte acolhedor de refugiados.
A primeira dificuldade foi à comunicação, assim que chegou começou a aprender português. “Quando cheguei, fiquei chocado com a língua, nem todas as pessoas podiam conversar em inglês. Comecei a aprender o português”, alega Ahmad.

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Ahmad ajuda outros refugiados com o português e com documentos para se legalizarem no país.


Depois de aprender o idioma muitos problemas foram solucionados, contudo conseguir uma moradia requer bem mais do que somente o português. “É uma grande dificuldade conseguir um lugar para morar. Como refugiados não podemos alugar nenhum imóvel porque não temos os documentos e nem fiador para os procedimentos exigidos”, afirma Ahmad. A solução foi morar com alguns amigos árabes com quem Ahmad conseguiu alugar um apartamento, já que alguns possuíam a documentação regularizada.
Foi com a ajuda da Cáritas de São Paulo que Ahmad conseguiu os primeiros documentos (protocolo e notificação de refugiado) e o agendamento na Polícia Federal para apresentar seu pedido de refúgio ao governo brasileiro e conseguir o Registro de Estrangeiro (RNE), que garante ao solicitante de refúgio residência no país por dois anos. Além disso, ele também recebeu assistência da Mesquita do Pari, localizada na Zona Leste de São Paulo. “A Mesquita ajuda muitos sírios que chegam ao Brasil com o sonho de recomeçarem suas vidas”, Ahmad salienta.
Ahmad ainda não conseguiu um emprego em sua área de trabalho, logo que chegou ao país trabalhou como vendedor e depois como supervisor no sistema de câmeras no Shopping do Brás. Atualmente, ele trabalha como voluntário na Mesquita ajudando refugiados com a documentação e aulas de português.
Apesar da gratidão ao Brasil pelo acolhimento, Ahmad afirma que o governo precisa fazer mais pelos refugiados. Ele acredita que os refugiados precisam de melhores oportunidades de trabalho de acordo com suas experiências e profissões e também melhores condições para estudar nas universidades, principalmente para revalidar ou obter certificados acadêmicos. “O Brasil precisa nos oferecer algumas facilidades para recomeçar a vida de forma aceitável”, finaliza Ahmad.
A história de Ahmad é apenas uma entre tantas histórias. A guerra na Síria já provocou quase 5 milhões de refugiados. É a pior crise humanitária em 70 anos, segundo a Agência da ONU para os Refúgiados (ACNUR). Com o aumento do fluxo no Brasil, o governo decidiu tomar medidas que facilitassem a entrada desses imigrantes no território e sua inserção na sociedade brasileira. Em setembro de 2013, o Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE) publicou a Resolução nº. 17 que autorizou as missões diplomáticas brasileiras a emitir visto especial a pessoas afetadas pelo conflito na Síria, diante do quadro de graves violações de direitos humanos. Em 21 de setembro de 2015, a Resolução teve sua duração prorrogada por mais dois anos.
A situação dos refugiados no Brasil
Já chega a 60 milhões o número de pessoas que foram forçadas a deixar suas casas em todo o mundo. Atualmente, os refugiados, apátridas e deslocados internos formam uma nação e se fossem um país seria o 26° maior do mundo. No último ano, a ACNUR registrou 1,1 milhões de pedidos de asilo, o maior em 10 anos. Em todo o mundo, a nação de deslocados vem crescendo.
O refúgio é um direito dos estrangeiros garantido pela Convenção de 1951 estabelecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) e, no Brasil, o direito ao refúgio foi consagrado após ratificação da lei 9474, em 1997. Desde então, os pedidos de asilo no país crescem exponencialmente, e com dados mais expressivos nos últimos três anos. Em 2013 existiam no país 5.882 refugiados, hoje chegam a quase 9 mil (8.863 refugiados, segundo dados da Agência da ONU para Refugiados, ACNUR – dados de Abril 2016), ressaltando uma presença maior do Brasil no cenário internacional.
Segundo Paulo Abrão, secretário nacional de justiça, “apesar de fatores históricos, questões fronteiriças e legislação migratória muito restritiva e que muitas vezes obstaculiza a concessão de vistos para entrar no país, a simples demonstração da procura de refugiados ao país é uma afirmação que a imagem do Brasil no exterior é de um país forte e capaz de proteger, por meio de suas instituições, os direitos das pessoas”.
Há refugiados de 79 nacionalidades vivendo no Brasil, muitos latino-americanos solicitam asilo ao Brasil. Em 2014, 1.218 colombianos foram contabilizados até outubro, ficando atrás somente dos sírios. Outros grupos são formados por senegaleses, congoleses, nigerianos, angolanos, bolivianos, entre outros. Na questão de gênero e idade, o percentual de mulheres refugiadas diminuiu de 20% entre os anos de 2010 e 2011 para 10% em 2013. Grande parte dos solicitantes é formada por adultos entre 18 e 30 anos (96%) e 4% dos pedidos são de menores de 18 anos, sendo 38% crianças entre 0 e 5 anos.
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A maioria dos solicitantes de refúgio vem da Ásia (inclusive Oriente Médio), África, e o Caribe. Síria lidera em números.


O Brasil é um dos poucos países que participam do Programa de Reassentamento do ACNUR, isto é, acolhe estrangeiros que haviam conseguido refúgio em algum país, mas por algumas circunstâncias precisam migrar para um terceiro. Em 2013, dos 1.154 colombianos que estavam refugiados no Brasil, 360 eram reassentados vindos do Equador. O Acordo de Residência do MERCOSUL possibilitou que colombianos, argentinos, peruanos, paraguaios, uruguaios e chilenos solicitem residência permanente no Brasil e, por essa razão, os índices de pedidos de refúgios entre essas nações têm diminuído.
Em 2014, foram aceitos no Programa de Reassentamento refugiados do Sri Lanka e da Síria. Nos próximos anos há pretensões de expandir o programa para um maior número de casos extracontinentais, de modo a oferecer acolhida para deslocados de outras regiões.
Os conflitos no Oriente Médio como a Primavera Árabe em 2011, além de guerras no Iraque e no Afeganistão aumentou o número de pedidos de refúgios no mundo todo. No Brasil, a maior população de refugiados é composta pelos sírios, são 1.183 indivíduos que buscam uma novo recomeço deixando para trás a escalada de violência que vitimou mais de 150 mil pessoas, entre elas crianças e jovens, após conflitos entre os rebeldes e as forças do regime do ex-presidente Bashar al-Assad. Os libaneses também tem buscado refúgio no país e já são 358 indivíduos reconhecidos no Brasil.
Os angolanos formam o segundo grupo mais expressivo de refugiados no Brasil, são 1.067 pessoas. O motivo do deslocamento foi a longa guerra civil que durou 10 anos e foi encerrada em 2002, o ACNUR solicitou que fosse cessada a condição de refugiados aos habitantes que deixaram o país já que a situação está estabilizada. O processo está em curso e se espera que o número de refugiados angolanos diminua gradativamente. Os congoleses são os terceiros a pedir refúgio no Brasil, atualmente 784 pessoas vivem com status reconhecido em território nacional. O Congo passa por uma crise humanitária de grandes proporções em consequência dos embates entre governo e opositores do presidente Joseph Kaliba. Enquanto novas perspectivas de paz não surgem, os congoleses deixam o país em busca de um lugar melhor para viver.
Motivos que levam à fuga
 
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Solicitação de refúgios no Brasil.


As condições fixadas pela ONU para o pedido de refúgio são para “qualquer estrangeiro que possua fundado temor de perseguição por motivos de raça, religião, opinião pública, nacionalidade ou por pertencer a grupo social específico e também por aqueles que tenham sido obrigados a deixar seu país de origem devido a uma grave e generalizada violação de direitos humanos”. Sendo assim, o refugiado passa a desfrutar dos mesmos direitos dos habitantes locais. Apesar desse decreto, alguns pedidos de refúgio são feitos mesmo que os motivos não estejam exatamente de acordo com as condições impostos pela Convenção de 1951. 
Muitos refugiados atravessam oceanos ou cruzam fronteiras por terra para chegar ao território de países acolheres. É o caso dos haitianos que acabam vindo ao Brasil por vias terrestres da América Central. Eles não são refugiados por definição, são imigrantes que recebem um visto humanitário do governo por conta do terremoto de 2010.
Guiados por coiotes, pagam um elevado custo, passando de fronteira em fronteira. Ao chegar em território nacional, procuram por instituições ou autoridades que possam abrigá-los. Na região Norte não há centros de refugiados, mas a Casa do Imigrante de Jacamim acaba realizando esse papel. Jacamim é um pássaro amazônico que gosta de cuidar de filhotes de outros pássaros e simboliza o papel da instituição, onde é dado a primeira assistência com pequenos recursos, visando a regularização de documentos.
Os haitianos são bem acolhidos, mas nem todos os povos recebem o mesmo tratamento. “Muitos acabam se sensibilizando mais pela questão dos haitianos por conta do terremoto e da visibilidade da mídia. Diferentemente dos colombianos , que há uma certa desconfiança e muitas pessoas não estão por dentro da guerra [narcotráfico] que eles enfrentam em seu território”, conforme afirma a socióloga e professora da Universidade Estadual do Amazonas (UEA) Lúcia Puga.
“Cada vez mais estamos vendo um fenômeno do que chamamos de fluxos mistos, as rotas dos imigrantes não são necessariamente diferentes das rotas dos refugiados. São trajetórias feitas conjuntamente, por indivíduos em ambas as condições. Por isso, para a ACNUR é importante que haja leis menos restritivas aos imigrantes porque também será um benefício aos refugiados”, declara Andrés Ramirez, representante do ACNUR no Brasil. Quando não é feito o tratamento adequado, com a integração social dos refugiados dentro do país destinatário, o que se observa é a formação de grupos excluídos dentro do seio social e do aumento nos casos de xenofobia.
Em razão do preconceito, os refugiados não conseguem empregos e tornam-se cada vez mais marginalizados na sociedade. Sem emprego, a segurança econômica e a alimentar do refugiado ficam ameaçadas, pois assim ele não terá como sustentar nem a ele nem a sua família. Sofrendo um processo de exclusão duplo, primeiramente em seu território de origem e depois no território de acolhimento, as consequências psicológicas podem ser catastróficas. “Quando você vê jovens refugiados e solteiros é uma coisa. Mas senhoras, pessoas com 50 anos, que tinham a vida toda estabelecida em um país e tiveram que abandonar tudo, inclusive suas família. É uma condição muito dura, as vezes elas não tem nem perspectiva de verem seus familiares novamente”, afirma Lúcia Puga.
As consequências psicológicas se manifestam na carência, no medo de ficarem sozinhas e até da falta de afeto, como um abraço. “Eu entrevistei uma moça refugiada que disse sentir falta de um abraço. Os refugiados são pessoas muito solitárias, não tem ninguém.”, completa Lúcia. Por conta dessa fragilidade psíquica, muitos são expostos à condição de trabalho escravo e sofrem violência.
O direito dos refugiados
 
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ACNUR/ UNHCR é o órgão responsável pelos refugiados na ONU (Foto: El País)


A lei 9.474, de 1997, foi pactuada com a ONU (ACNUR) e a sociedade civil e ampliou o conceito de refugiado, incluindo também a pessoa vítima de violação grave e generalizada de direitos humanos. Ela indica rumos importantes para o trabalho e a assistência ao refugiado, inclusive em relação a sua saúde mental, além da proteção jurídica e social necessárias à integração.
A resolução permite que, após 6 anos do reconhecimento do refúgio, o refugiado pode receber o visto permanente, caso este tenha se integrado na sociedade brasileira e queira optar definitivamente pela residência no Brasil.
O ACNUR também presta auxílio para subsistência, moradia, transporte, mas foca-se principalmente no aprendizado da língua, na capacitação e orientação profissional e propicia acesso ao microcrédito, através de parcerias. “Todos os subsídios necessários são feitos aos refugiados para que eles consigam se inserir na sociedade brasileira”, conforme explica o advogado e professor de Direito Internacional Luís Renato Vedovato*.
No entanto, o auxílio em dinheiro é realizado apenas por um período de no máximo dois anos. “O Estado e as autoridades competentes acreditam que em dois anos é tempo necessário de adaptação, porém , há casos em que isso não prevalece como verdade absoluta”, contesta Vedovato.
Um caso recente que se enquadra no que foi dito pelo advogado aconteceu em Mogi das Cruzes em 2012. Mahmoud Abu Zamaq, de 66 anos, foi obrigado a sair de Bagdá, a capital iraquiana, sob a mira de armas. Vir para o Brasil não foi uma escolha, mas uma necessidade, que já dura 5 anos. Junto com a mulher e dois filhos em um grupo de 57 palestinos, foram incluídos em programa de reassentamento para despatriados. Depois de dois anos recebendo o subsídio prestado pela CONARE e ACNUR, parou de receber. “Com pessoas jovens isso funciona , porque tem condições de arrumar um emprego. Agora alguém com 68 anos dificilmente vai conseguir entrar no mercado de trabalho em um cenário diferente do seu país.” Felizmente para a ACNUR não existe desamparados. Por pressões da ONU, o ministério público federal teve que entrar com uma ação para garantir que essa pessoa continuasse a receber o benefício.
Este é um pequeno recorte dentre tantos casos que conseguiram um final feliz. Cada caso é singular e avaliado com cautela. “As leis existentes na América Latina e Caribe são as mais completas para refugiados”, afirma o atual Alto Comissário das Nações Unidas para Refugiados, Antonio Guterres. “O Brasil é hoje um país exemplar por ter uma das legislações mais avançadas do mundo em matéria de refugiados e também por ter uma prática de proteção particularmente positiva, exatamente nesse momento em que tantos países adotam medidas restritivas em relação à proteção”, disse ainda que “é bom mostrar ao mundo os exemplos que devem frutificar e são merecidos de admiração de todos, como no caso brasileiro”.
Embora a maior preocupação esteja na proteção das pessoas e famílias vítimas da violência, não se pode deixar de lado as possibilidades de integração nos países de destino. A participação dos refugiados nos programas do governo são necessárias para que tenham condições de ter uma integração social e econômica. Para tanto precisam ser adotadas novas estratégias que visem a expansão de redes locais de integração, participação e direitos dos refugiados .
A proteção dos refugiados deve ser reconsiderada sob a luz de ideias mais humanistas, solidárias e que coloquem a segurança humana acima da segurança dos Estados. “Temos que deixar um mundo melhor do que encontramos”, sintetiza António Cançado, juiz da Corte Internacional de Justiça.
* Luís Renato Vedovato é professor de Direito Internacional nas faculdades Unicamp , Uninove e Puc de Campinas.
Fonte imagem capa: Acnur

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