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Um panorama histórico dos padrões de beleza

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Ao longo da história houve diferentes padrões de beleza, mas a partir da Indústria Cultural fica mais intensa a transmissão destes valores

 
Por Wesley Anjos (anjoswes@gmail.com)

Corpos atléticos, homens com músculos bem definidos e mulheres com curvas perfeitas… Pode parecer que estamos falando de alguns dos padrões de beleza atuais da nossa sociedade, porém estas características são herança da Antiguidade, sobretudo da Grécia. Em épocas nas quais as civilizações eram extremamente militarizadas e a beleza corporal muito valorizada, o conceito de belo estava intrínseco à harmonia e à proporção.

Com o domínio de Roma sobre a Grécia e a extensão disso para outros países da Europa, Ásia e África, a adoção destes padrões seriam fortemente difundidos pela Antiguidade. Não é à toa que a estética grega é até hoje referencial nos estudos com Sócrates, Platão e Aristóteles.

 
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Sócrates, pelo que se percebe nos textos de Platão, separava a beleza externa e superficial da beleza da alma. Inclusive, o confronto entre essência e aparência esteve sempre presente na Filosofia, sendo que Sócrates e Platão valorizavam a beleza da alma como a verdadeira, vista como uma virtude. Aristóteles, por sua vez, relacionava a beleza à ordem, proporção e harmonia das formas.

“O excesso de padrões herdados da Europa foram muito difíceis para a minha autoestima durante a minha adolescência” – acredita a dona de casa Sandra Saraiva de Souza. Ela conta que como mulher negra foi muito difícil aceitar os seus traços naturais. “Na TV, no cinema e até na escola eu sentia isso. Toda vez que as pessoas falavam em uma mulher bonita, todo mundo já ia logo imaginando uma mulher branca. Sem falar que peguei os anos 80 e 90 em que aquelas louras estavam em tudo que é tipo de propaganda”.

Beleza e época

Os padrões de beleza, contudo, são mutáveis. Em sua obra “A história da beleza”, Umberto Eco diz que o homem cria o belo à imagem e semelhança da forma como vê e representa a si próprio. Sendo assim, a beleza é histórica, afinal o entendimento do homem para consigo mesmo também é histórico.

Todavia, Sandra até concorda que a nossa beleza é histórica, mas lamenta que quem dita as regras são sempre os dominadores, como foi o caso da cultura greco-romana. “Você pode até vir me dizer que o que é considerado bonito varia de acordo com a época. Mas, preste atenção: se você parar pra pensar vai ver que a beleza que a gente tem acesso é sempre branca, ou de acordo com padrões europeus ou com os valores dos Estados Unidos” – defende ela.

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A moda também faz parte de padrões de beleza e também teve variações no decorrer da história. (Foto: Wikimedia Commons – Reprodução)

Um exemplo de como os padrões de beleza variam de acordo com a época é o modo como a preocupação com a vaidade foi contida na Idade Média. Com a grande influência da Igreja Católica Apostólica Romana no contexto Europeu, aspirar ao Divino era muito mais importante que à aparência física.

Já com o Renascimento, a mulher tida como bela era a gorda, o que remetia, ao mesmo tempo, à riqueza e poder.  Ao olharmos as pinturas que representavam a deusa Vênus, versão romana de Afrodite, a deusa da beleza e do amor, percebemos que elas trazem quadris largos e cintura rechonchuda.

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Pintura de Vênus feita por Lorenzo di Credi Venere. (foto: Wikimedia Commons – Reprodução)

“Acho que eu teria gostado de viver nessa época. Por mais que eu lute contra o impulso de padronizar a beleza, sempre quis um dia que o meu corpo fosse considerado o padrão” – desabafa a estudante de nutrição Rosângela Crepaldi. Ela conta que já se sentiu discriminada em diversas ocasiões desde a infância por ser gorda. “Me chamavam de baleia, de Orca e de Free Willy na escola. Isso doía demais porque eu não conseguia gostar do meu corpo e era um pesadelo ter que olhar para o espelho” – conta a estudante.

Rosângela defende uma alimentação saudável, o motivo pelo qual quer ser nutricionista. A decisão partiu do tanto de dietas rigorosas e sem acompanhamento profissional que fez, o que acarretou em uma gastrite. “O engraçado é que tem gente que acha um absurdo uma nutricionista ser gorda. O que o senso comum não entende é que é possível uma pessoa gorda ter uma boa saúde, assim como uma pessoa magra pode ter problemas de saúde por alimentação inadequada”.

 
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Mídia e beleza

Há muito tem sido discutida a influência da Indústria Cultural e das mídias na difusão de padrões de beleza.  As mensagens veiculadas pelo cinema, seriados, telenovelas, campanhas publicitárias, capas de revista, redes sociais, etc, poderiam trazer padrões segundo as representações feitas do corpo humano?

Mas, e antes disto? E quando a maior parte da população sequer sabia ler ou tinha acesso a produtos midiáticos como na Idade Média? Embora não entre no mérito dos padrões de beleza, o historiador Peter Burke defende que antes da prensa e da difusão da leitura, a Igreja era um dos espaços em que as pessoas se informavam sobre os acontecimentos ou passavam valores pela oralidade.

No século XVIII, quando o espartilho passou a ser difundido entre as mulheres, já havia produtos culturais que podiam representar e difundir esta moda, seja pelos jornais ou até mesmo os folhetins. Neste contexto da já consolidação da burguesia, a moda começa a ter uma maior preocupação em afinar a cintura feminina.

Com a Revolução Industrial na transição do século XVIII para o XIX, bem como com a as grandes navegações e os processos de colonização na América, África e Ásia, no contexto da globalização, tornaria mais fácil a difusão de padrões de beleza pelo mundo. O sociólogo e antropólogo Renato Ortiz é um dos teóricos que apontam as grandes navegações como primordial para a Comunicação Social, embora não mencione a questão da beleza.

 
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No século XX, devido ao pioneirismo que o Estados Unidos ganha com a sua indústria cultural, que surgem os estudos de recepção do público. Fortemente baseada no behaviorismo, corrente da psicologia que diz que o comportamento humano responde a estímulos do ambiente, surgiu a Teoria Hipodérmica, fortalecida pelos autores Walter Lippmann e Harold Lasswell. Segundo esta teoria, as pessoas seriam tábuas rasas e facilmente manipuladas e influenciadas pela mídia.

Uma série de estudos diferentes e com teorias divergentes surgiriam depois, inclusive os estudos culturais ingleses, encabeçados por Stuart Hall. O culturalismo diria que a mídia tem sim influência sobre as pessoas, entretanto, estas não seriam tábuas rasas e teriam o poder de consumir os produtos midiáticos de acordo com o seu gosto.

Influência da Mídia

Para a estudante de moda Fátima Ferreira, os produtos midiáticos que consumiu desde a infância e a própria indústria da moda tiveram fortes influências no modo como lida até hoje com o seu corpo. “O meu cabelo sempre foi crespo e isso me causava um grande desconforto na escola. Na minha época de escola não se discutia isso do empoderamento dos cachos como fazem hoje” – relata Fátima.

A influência para ela ainda continua. Embora tenha vontade de assumir o cabelo como é naturalmente, até hoje recorre à escova progressiva. “Eu sempre penso em fazer uma transição, mas é difícil pra mim. Ver produtos e mais modelos negras com cachos e cabelo crespo me encorajam mais, pois eu não via isso antes. Mas é um processo que ainda estou nele. Não é tão fácil assim assumir o seu cabelo depois de tantos anos alisando”.

Já para estudante de arquitetura Helena Simões Moraes a aceitação consigo mesma hoje está em um estágio mais avançado. “Eu gostava de um estilo mais magrinha e isso ia contra a natureza do meu corpo” – conta ela, que acredita que a beleza externa é, na verdade, um reflexo de como estamos internamente.

“Quando eu era criança eu via aquilo de pai e mãe olhar a criança que é bonitinha e falar que vai colocar para ser modelo” – relata Helena, que acredita ter sido influenciada por padrões da moda, sobretudo pela influência que tinha com relação à imagem da Gisele Bündchen e das modelos da Victoria Secrets. Atualmente, o que mais a coloca em contato com esses padrões que valorizam a mulher mais magra é o Instagram. “Vez ou outra eu tenho umas crises de querer emagrecer, mas eu me sinto bem assim, no geral”.

De acordo com Sandro Caramaschi, doutor em Psicologia Experimental e professor pela Unesp, a Indústria Cultural e os seus produtos midiáticos têm influência sim na perpetuação de padrões de beleza na sociedade. Todavia, ele destaca que, apesar de também afetar aos homens, a influência nas mulheres é ainda maior.

“Criou-se um modelo de beleza que é praticamente impossível de ser atingido. Daí, à medida que você estabelece um padrão de beleza que é muito complicado de ser atingido, você pode criar uma legião de pessoas insatisfeitas com o próprio corpo” – explica o professor Sandro. “As pessoas, na maioria das vezes, acham que tem algo errado com o corpo, sendo que na verdade tem uma situação física compatível com a idade”.

Segundo ele, as crianças e adolescentes estão mais suscetíveis a absorverem estes padrões devido às pressões dos ambientes que frequentam e aos modelos a serem seguidos das pessoas que admiram. Por conta de estarem ainda em processo de formação de seus conceitos e valores, estão muito suscetíveis, inclusive, a doenças como anorexia e bulimia.

Patologias

O professor Sandro Caramaschi aponta ainda que os padrões de beleza são apresentados já na infância com os desenhos animados. O que é bonito é considerado bom. Um exemplo disto era a tendência de as princesas serem sempre bonitas e as bruxas feias. A própria Barbie possui um corpo impossível de se ter, do ponto de vista anatomofisiológico. Ela teria contribuído para distúrbios alimentares em moças de diferentes gerações.

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O Gatda oferece conteúdos sobre transtornos alimentares e ansiedade para o público que precisa de ajuda e orientação. (Foto: Gatda – Divulgação)

Sandra Leal Calais, doutora em Psicologia Clínica e docente pela Unesp, por sua vez, aponta que como nós vivemos em um ambiente cultural, somos sensíveis aos padrões desta cultura. “Na cultura atual, o padrão físico tem uma importância absurda, especialmente para as mulheres”. Todavia, segundo a professora, isso só não bastaria para o desenvolvimento de patologias como transtornos alimentares.  “É uma condição psiquiátrica que você pode nascer com uma marca para transtorno alimentar, que você desenvolve ou não de acordo com o ambiente em que você vive. Se o seu ambiente não valorizasse isso, poderia ser que você não desenvolvesse” – explica ela.

Para Sandra, uma das formas de mudar a situação seria fazer um trabalho junto aos grupos de comunicação para que houvesse uma conscientização dos males que eles podem causar com a difusão de padrões tão rígidos de beleza. No caso do atendimento em consultório ou na comunidade há restrições, afinal a pessoa precisa querer fazer terapia se perceber que tem problemas com isso.

Dilema masculino

Os padrões midiáticos de beleza também podem gerar inseguranças nos homens. No caso de Yuuho Torihara, descendente de japoneses e estudante de design, partes destas inseguranças surgiram por não se ver representado nas produções da Indústria Cultural. “O corpo do homem asiático na representação midiática quase não existe” – lamenta ele. E quando essa representação ocorre ou tende a ser estereotipada, ou tende a aglutinar diferentes culturas e nações como se todos os asiáticos fossem “japoneses” e tivessem as mesmas características físicas e culturais.

O momento mais difícil para Yuuho foi durante a sua adolescência, quando a maior parte das inseguranças existiam. Ainda há resquícios desse tempo. Às vezes se incomoda com o seu nariz e seria algo que mudaria no seu corpo.

A falta de representatividade asiática tem gerado muitos debates, sobretudo após gafes em novelas e filmes. (Foto: Wesley Anjos)

Assim como para Yuuho, a adolescência não foi um momento nada fácil para Caio Savedra, estudante de Relações Públicas. Desde criança já era acima do peso e depois ficou muito mais alto do que as pessoas consideravam normal. “Esse conceito de normal foi algo que sempre me afetou bastante. Mesmo que agora eu me sinta bem, eu sei que é algo que em algum momento da minha vida vai me afetar” – aponta ele.

Embora acredite que tenha privilégios por ser um homem branco, lidar com o fato de estar acima do peso é um desafio para Caio. Quando vê representações de pessoas gordas na mídia, geralmente são representações caricatas. Além disso, é sempre um desafio o medo de ir a um restaurante e a cadeira não o aguentar, bem como o fato de muitas pessoas suporem que ele está infeliz com o seu corpo e que quer emagrecer ou comentários desagradáveis que ouve às vezes quando está comendo.

Aprendizado

Desde a Antiguidade, a humanidade possui padrões de beleza difundidos pelos meios que lhes eram possíveis. Ao longo da história, diversos padrões existiram em diferentes locais. A própria estética tem sido sempre revista por diferentes filósofos ao longo da história no que diz respeito ao belo.

O corpo humano passou por diferenças exigências em cada contexto de espaço e tempo e quem não conseguiu se encaixar nestes padrões, pagou o preço disto. É sabido que hoje, mais do que nunca, há uma variedade de meios nos quais essa difusão pode acontecer, assim como temos discussões e grupos que defendem mais diversidade e liberdade de sermos quem somos. Resta saber se as sociedades se adaptarão e serão mais inclusivas à diversidade de aparências e com padrões de beleza menos rígidos, ou se a história da humanidade andará sempre em círculos.

Reportagem: Wesley Anjos
Supervisão: Ângela Maria Grossi
Vídeos: Wesley Anjos
Imagem de Capa: Luiz Fernando Reis

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Redação

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0 Comentário

  1. Maria Clara Barros maio 18, 2019

    Amei a reportagem, super explicativa e abrangente, explorando todos os aspectos dos padrões de beleza ao longo da história. Parabéns pelo trabalho incrível!

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