Por Michelly Neris
Produtora cultural e atriz, Valsineire encontra inspiração nas várias viagens que fez
A primeira vez que conheci Valsineire (ou Val do Varal) foi numa entrevista sobre o Festival de Leitura e Literatura (FLL), que ela organiza em Bauru. Marcamos uma entrevista em sua casa para falar sobre a feira. Quando cheguei lá, uma surpresa. Por trás dos muros de cimento e um portão de ferro se escondia uma linda casa de madeira. Passar por aqueles portões era como encontrar um refúgio em meio a cidade de Bauru. Aquelas paredes de madeira escura repletas de quadros e livros ofereciam um alívio e uma calma instantânea no meio de um dia corrido.
A figura de Val também me surpreendeu. Com uma saia longa e leve, rasteirinha e cabelos ondulados com um grisalho natural, ela transparência tranquilidade e inconformidade com os padrões tradicionais. “Todo mundo sempre pergunta: vocês são hippies? E eu acho que somos, no sentido de desapego das coisas”.
Em nossa segunda entrevista, Val já tinha deixado aquela casa de madeira e estava prestes a se mudar para Bertioga. Nós marcamos de nos encontrar na biblioteca, lugar que a deixava tão confortável quanto sua própria casa. Durante a entrevista, ela era cumprimentada por conhecidos e velhos amigos como quem passou a vida dentro daquele espaço. Conta que a leitura sempre foi algo muito presente na sua vida. Sua mãe era merendeira em uma escola pública e sempre deu muito valor para a educação.
Val passava horas na biblioteca de sua cidade atrás de novas leituras. O teatro também apareceu bem cedo em sua vida “eu fazia parte de um grupo na escola e a gente sempre preparava as peças. Mas eu nunca tive uma formação cultural formal. O teatro é uma coisa tão humana que às vezes a gente faz sem nunca ter visto uma peça”.
Nascida em Santa Bárbara do Oeste, Val se mudou para Bauru em 1994 com 19 anos para estudar relações públicas na Unesp. Foi a primeira de sua família a entrar na universidade e conta que escolheu o curso depois de ler uma chamada num guia de profissões. “Eu lembro que dizia: ‘Atenção senhor simpatia, essa é a sua carreira’. E eu sempre fui comunicativa, talvez pelo meu signo, gêmeos que me deu essa habilidade”.
E foi nesse período que sua relação com a arte se intensificou. Era o ínicio do projeto Perspectiva que trazia manifestações artísticas e culturais para o campus e que deu espaço para muitos artistas que impactaram o cenário nacional. “A gente conseguiu trazer o Zeca Baleiro e o Mundo Livre S/A. Foi uma época muito boa para universidade. Eu lembro que não tinha essa divisão de muros, era tudo muito aberto. Hoje, eu percebo também que aquele movimento do Manguebeat reverberou muito aqui. Eu lembro de viver toda aquela animação e de como a gente tava antenado, tentando trazer artistas novos pra cá”.
Fora da Unesp, ela também se envolvia com grupo culturais da cidade. Trabalhou no núcleo de arte, um espaço cultural independente que promovia apresentações e exposições na cidade. “Hoje, esse pessoal trabalha aqui na Secretaria”, relata, nomeando todos que conhece.
Val engravidou de seu companheiro durante a faculdade. Depois de formada, ela e a família resolveram se mudar para Jericoacoara, no Ceará. “A gente viu numa revista que listava as dez melhores praias do Brasil, aí pegamos as malas e fomos”. Não demorou muito para que arrumassem trabalho. Ela e o marido começaram a dar oficinas no Dragão do Mar, que hoje é um dos maiores centros culturais do Brasil.
Depois de Jericoacoara, eles se mudaram de novo algumas vezes: Visconde de Mauá, Mirantão, Camanducaia, Santa Bárbara do Oeste, Bauru de novo e muitas outras. Ela e o marido também mudavam conforme as oportunidades surgiam. Geralmente, ficam na área de educação e cultura, mas Val já trabalhou vacinando cachorros e como caseira em um sítio, cuidando da terra. O que aparecia, eles topavam. “Meu filho que faz Física fez uma conta e falou que a gente já deu 15 voltas no planeta terra”, conta com orgulho do feito.
Toda essa vivência contribui para a construção de narrativas próprias como as peças “As histórias do avô do bisavô de Agripino” e “Salve Terra”, que já percorreram diversas cidades do interior. “Depois de morar muito perto da natureza e depois voltar para cidade, a gente sente um impacto. E depois de ter esse contato muito próximo com o homem do campo e com uma vida mais simples, tudo inspirou esse projeto, que mostra a cultura caipira”.
Em Santa Bárbara, ela e o marido foram contratados por uma empresa que iniciava um projeto de levar teatro para dentro de ônibus coletivos. “As pessoas não eram avisadas e isso gerava desconfiança, algumas ficavam com a cara amarrada. Mas aí tem que aprender como chegar. Por isso, a gente tem essa linguagem de usar a máscara branca. Porque isso já é um código e aproxima o público. E tem que ter um jeito, uma generosidade. Aos poucos a gente vai quebrando o gelo e mudando o cotidiano das pessoas”.
Em meados de 2005, eles voltam para Bauru num período em que se inaugura a Associação de Teatro da cidade e surge o Programa de Estímulo à Cultura. “Eu sempre acompanhei também o movimento do Governo Federal. Quando eu escrevi o FLL pro edital em 2016, eu já tava muito conectada com esse meio”.
Ao nos despedirmos, Val fala mais do futuro e de sua mudança. Ela explica que não existe previsão de volta do Festival e que ele não está inscrito no edital para o ano que vem. Mas ela se mostra otimista e acredita que vai continuar de alguma maneira. Quando perguntou se ela não pensa em parar em um lugar e arrumar algo fixo, ela explica: “eu não me encaixo nesse perfil de estar ali cumprindo esse papel corporativo. Às vezes dava vontade de desistir quando faltava dinheiro, mas aí aparecia alguma coisa nova e dava um outro fôlego”.