Em 18 de março de 2015, a ex-presidenta lançou um pacote anticorrupção com cinco medidas. As propostas foram elaboradas pelo Executivo para punir e inibir as irregularidades na administração pública. Na ocasião, ela declarou na cerimônia de lançamento que seu compromisso com combate à corrupção é coerente com a sua vida pessoal, sua prática política e é coerente com sua atuação como presidenta.
O projeto aguarda aprovação do congresso nacional após um ano do seu lançamento. Em julho deste ano, o governo Temer retirou o caráter de urgência da proposta, o líder do governo na Câmara dos Deputados, André Moura (PSC-SE) alegou que sem a retirada da urgência é impossível avançar sobre outras questões importantes para o país. Projetos com urgência constitucional ganham prioridade de votação e trancam a pauta da Câmara enquanto não forem discutidas.
Dois dias após o lançamento, o Ministério Público Federal apresentou as 10 medidas contra a corrupção. Trata-se de outro pacote anticorrupção lançado por iniciativa dos procuradores da República que integram a força-tarefa da Operação Lava Jato com o apoio do Ministério Público do Estado do Paraná do Ministério Público Federal (MPF). O projeto obteve 2 milhões de assinaturas de cidadãos e já foi entregue pelo MPF ao Congresso.
Para ter acesso ao texto das medidas na íntegra acesse aqui.
Após a retirada de urgência do pacote anticorrupção proposto por Dilma, o deputado André Moura disse que três projetos do pacote tramitariam junto com as dez medidas de iniciativa popular numa comissão especial a ser instalada.
No entanto, no último dia 10, o relator do projeto que analisa as dez medidas em comissão especial da Câmara, o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), afirmou que a votação do pacote será no fim de novembro, mas não fez menção ao projeto da ex-presidenta.
O deputado adiantou que apresentará algumas mudanças em relação ao texto apresentado pelo Ministério Público.
Durante a análise da comissão especial, deputados discordaram de algumas propostas e apresentaram sugestões que pode mudar o texto. Eles discordam do teste de integridade proposto pelo projeto. Segundo a proposta, o teste será aplicado por órgãos policiais, de fiscalização e controle, através de simulações durante o trabalho em que uma questão ética seja abordada, sem o conhecimento do funcionário. Com, apenas intenção do funcionário de infringir determinada regra poderá ser punida.
Outra discordância é em relação à prisão após condenação em segunda instância. Lorenzoni vai incluir no relatório final a possibilidade de prisão de condenados após julgamento na segunda instância da Justiça. Essa ideia está alinhada com a decisão do Supremo Tribunal Federal definida em fevereiro deste ano. Dessa forma, qualquer pessoa pode começar a cumprir uma pena desde que tenha sido condenada por um tribunal de Justiça ou por um Tribunal Regional Federal (TRF), mesmo que tenha recursos pendentes no Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou no STF.
Apesar de os pacotes terem sido lançados para atender a pressão popular, muitos especialistas criticaram os textos.
O ministro do Superior Tribunal Federal, Gilmar Mendes, criticou as propostas do projeto de iniciativa popular, “precisamos nos perguntar o que eles esqueceram na hora de formular essa proposta. E a resposta é clara: a Constituição”. Já o jornal Estadão declarou em editorial que caso o pacote seja aprovado, “será a melhor resposta do governo Michel Temer àqueles que sustentam que o motivo real do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff seria pôr freios à Lava Jato e ao esforço de moralização da vida pública”.
Sobre o pacote lançado pelo governo de Dilma, o jurista e escritor Modesto Carvalhosa criticou o lançamento, “não é crível que um governo marcado e devastado pela prática generalizada de apropriação de recursos públicos em benefício dos partidos no poder venha, agora, colocar-se na posição de combatente do mal que ele mesmo diariamente pratica. Nesse quadro patético, as propostas legislativas são mais do mesmo”.
A corrupção no Brasil acontece desde seu período como Colônia, segundo historiadores. Para Laurentino Gomes, autor dos livros “1808”, “1822” e “1889”, o Brasil criou uma cultura de corrupção e impunidade, principalmente pelo afastamento dos cidadãos das discussões políticas e da educação.
“Desde a época da colônia, o Brasil foi construído de cima para baixo, sem que a maioria da população fosse autorizada a dar palpite. As pessoas fogem da atividade política, desprezam os partidos, não ligam para sindicatos e associações de bairro. O mais grave é a falta de prioridade para a educação. Em 1889, quando passamos a ser República, 80% dos brasileiros não sabiam ler ou escrever. A falta de educação fez toda a diferença em favor de maus costumes. O Brasil nunca formou cidadãos para participar das leis e da distribuição dos recursos”, reflete.
O país tem uma democracia ainda jovem, pois sua transição democrática teve início em 1984, quando o primeiro presidente civil assumiu a presidência, ainda que por eleições indiretas, após 20 anos de ditadura militar no Brasil.
De acordo com Laurentino, a realidade atual, de três décadas de democracia, é capaz de transformar o cenário da corrupção e impunidade: “Nesse novo ambiente, somos nós os agentes de transformação, e não mais um rei, um imperador ou um general”.
É possível observar essa transformação com a criação, a partir da década de 1990, de medidas e leis anticorrupção impulsionadas, sobretudo, pelas manifestações populares, o que confirma a importância da participação popular no combate à corrupção.
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A Convenção das Nações Unidas Contra Corrupção entrou em vigor em 2003, visto a necessidade da criação de um acordo global eficaz no combate e na punição contra a corrupção em todas as suas instâncias.
A Convenção até o momento é composta por 140 países signatários que se comprometem a adotar as medidas legislativas e administrativas e combate à corrupção, garantindo o cumprimento de suas obrigações, orientadas pelo acordo, conforme os princípios fundamentais estabelecidos por suas legislações internas. Entre os países que não assinaram o acordo estão Chade, Suriname, Eritreia, Somália e Coreia do Norte.
Os principais capítulos referem-se às medidas de prevenção, penalização e aplicação das leis pelos países, cooperação internacional e recuperação de ativos, requisitando adequações legislativas e ações que trabalhem em conjunto com o cumprimento da convenção nos Estados Partes.
No Brasil, a Convenção da ONU foi promulgada em 31 de janeiro de 2006. A partir de 2006, com o desligamento da Controladoria-Geral da União (CGU) do Ministério da Justiça, o órgão passou a ser vinculado à Presidência da República, com importância de ministério, tendo assim, mais autonomia para atuar com medidas de controle e prevenção contra a corrupção, reforçando o cumprimento das medidas previstas pela Convenção da ONU Contra a Corrupção.
Os planos para monitoramento e ações de implementação da Convenção no Brasil estão dispostos na Cartilha da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção, disponibilizada no portal da CGU.
Em maio deste ano, o até então presidente interino Michel Temer anunciou o fim da Controladoria-Geral da União, que passa a integrar o Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União, criado pelo mesmo em uma das suas primeiras ações ao assumir a Presidência da República.
No período do comunicado, o chefe regional da CGU no Rio Grande do Sul, Cláudio Corrêa, falou ao jornal Zero Hora sobre o receio da perda da credibilidade conquistada pelo órgão com a sua integração ao Ministério. “Estamos numa situação um pouco ruim porque essa mudança tira a identidade que conquistamos com a sociedade, que já conhece o trabalho da CGU só pela sigla. Isso foi construído a longo prazo. Queremos saber os motivos dessas mudanças”, diz.
Ainda na reportagem, o consultor e mestre em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas, Fabiano Angélico, analisa a situação como uma perda de poder para o desenvolvimento de suas funções de combate à corrupção ao subjugar a CGU ao controle de um Ministério. “Houve um acerto em colocar a CGU dentro da Presidência da República. Esse modelo funcionou tão bem que começou a incomodar. Agora, quando você a equipara a ministérios, você tira o peso do controle. As recomendações passam a virar meras sugestões. Ou seja, não é só uma mudança de nome”, afirma.
Sob a designação de Temer, Fabiano Silveira assumiu o Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União em 12 de maio. Durante o seu curto mandato, o ministro propôs restrições à Lei de Acesso à Informação no Judiciário e defendeu o foro privilegiado para políticos. Entretanto, com menos de um mês de mandato, o agora ex-ministro foi exonerado ao cargo após protagonizar gravações da Operação Lava-Jato, assumindo o cargo, em seu lugar, o advogado Torquato Jardim.
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http://media.transparency.org/maps/cpi2015-470.html
O Índice de Percepção de Corrupção (IPC) é uma iniciativa da organização Transparência Internacional, aliança global que lidera o combate a corrupção no mundo. O IPC é realizado anualmente mensurando os níveis perceptíveis da corrupção no setor público no mundo em uma escala de 0 (altamente corrupto) a 100 (livre de corrupção). A classificação é calculada com base em 12 fontes de dados diferentes que demarcam as percepções de corrupção considerando dados dos últimos dois anos.
Segundo o relatório da Transparência Internacional os países são dispostos no ranking de acordo com sua pontuação na escala de níveis. Nas primeiras posições se encontram os países com maior desempenho na escala, nos quais os cidadãos são capazes de responsabilizar seus representantes. Enquanto as últimas posições são ocupadas por países com menor pontuação, nos quais há sinal de prevalência de subornos, impunidade da corrupção e instituições públicas que não atendem às necessidades dos cidadãos.
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No último índice, realizado em 2015, a Dinamarca, seguida pela Finlândia tiveram destaque no topo do ranking, marcando, respectivamente, 91 e 90 pontos nos níveis de percepção de corrupção. Em contrapartida, a Coreia do Norte e a Somália apresentaram a pior pontuação no índice, com apenas 8 pontos cada. De acordo com a análise feita pela organização, as características que possibilitam a Dinamarca e a Finlândia alcançarem o maior índice de desempenho são o alto nível de liberdade de imprensa nesses países; acesso a informação pela população sobre as receitas e despesas do orçamento público; alto nível de integridade entre os agentes públicos no poder; e sistemas judiciários independentes de outras esferas do governo e que não oferecem tratamento diferenciado por poder aquisitivo. Já os países com menor desempenho no índice possuem em comum a presença de conflitos de guerra, fraca governança, instituições públicas debilitadas – como a polícia e o judiciário, e a dependência da mídia aos setores do governo. Em comparação ao índice realizado em 2012, Grécia, Senegal e Reino Unido se destacaram pelo progresso obtido no índice de 2015. Já a queda no índice da Austrália, Brasil, Espanha e Turquia foi notória.
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Nenhum dos 168 países analisados alcançou 100 pontos na escala até o momento. Segundo Maximiliano Martin Vicente, professor de Realidade Socioeconômica e Política Brasileira Contemporânea na UNESP, seria utópico pensar em um sistema de governo que não há corrupção. “É uma das questões que está presente não só no Brasil como na maioria dos países. É bom lembrar que algumas companhias internacionais estão envolvidas em escândalos de corrupção no Brasil. Ou seja, é uma realidade que se encontra presente na atualidade, mas que sempre esteve, só que agora ela é mais transparente e divulgada”, explica.
Desde 2012, o Brasil vinha se mantendo com a pontuação entre 42 e 43 pontos no Índice de Percepção de Corrupção, assumindo a 69º posição em 2014. Entretanto, os dados de 2015 apresentaram uma queda de cinco pontos na pontuação do país, ocupando agora a 76º posição no ranking.
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A Transparência Internacional atribui a piora brasileira no ranking aos efeitos políticos culminados pelo escândalo de corrupção na Petrobrás, dando início à Operação Lava Jato, a qual, segundo o Ministério Público Federal, já contabiliza 1.397 procedimentos instaurados, desde sua abertura em 2014. “Lidando com muitos problemas persistentes de corrupção, o Brasil tem sido acometido pelo escândalo da Petrobras, no qual os políticos são relatados por receberem propinas em troca de adjudicação de contratos públicos. Com a crise econômica, dezenas de milhares de brasileiros comuns perderam seus empregos já. Eles não tomaram as decisões que levaram ao escândalo. Mas eles são os únicos que vivem com as consequências”, afirmação do Portal da Transparência Internacional.
O professor Maximiliano explica que a mistura do público e privado no Brasil e a não separação de instâncias criou uma cultura onde determinados segmentos se acham donos do público para benefício próprio. “A impunidade que sempre favoreceu aos que praticam atos não previstos na legislação e creio que a falta de transparência incentivou as práticas criminosas e a não fiscalização da sociedade da denominada coisa pública”, ressalta o professor que vê um indício de mudança no cenário político brasileiro com as propostas do movimento para combater a corrupção.