Governo brasileiro não segue um padrão comportamental na sua relação com países não democráticos
Países que tem a sua democracia em crise, como por exemplo a Venezuela, são pautas constantes em jornais. Coréia do Norte, país comunista e com um único partido, também figura constantemente nos noticiários, devido as constantes ameaças bélicas que faz ao resto do mundo. No caso da Venezuela, o governo brasileiro se posicionou fortemente contra ao que acontece no país, cobrando que o “governo popular” volte a reinar no país, mas no caso do país asiático, e de outros não democráticos, a chancelaria brasileira parece não ter a mesma força de opinião, e mantém sua relação com esses países normalmente. Afinal, o que guia a diplomacia brasileira na relação com países que não possuem um governo popular?
Existem atualmente cerca de 29 países que não possuem uma democracia consolidada. 15 são estados em que outros regimes são sólidos, entre esses regimes existem monarquias absolutas, teocracias, estados com movimentos políticos únicos e estados governados por militares. Os outros são países em transição de uma ditadura para uma democracia ou países em que os monarcas ainda possuem direitos “demais”.
O Brasil possui relações diplomáticas fortes com a maioria dos países que estão sobre regimes não democráticos. Inclusive, um desses países é o maior parceiro comercial do Brasil. A China é uma república socialista que vive sobre controle de um único partido, o Partido Comunista da China, que indica quem será o presidente do país. Maior parceiro brasileiro no Oriente Médio, a Arábia Saudita também vive sobre um regime não democrático, onde o líder do país ainda é definido por laços familiares, seguindo uma monarquia absolutista.
Não devia. Segundo Rodrigo Duarte Fernandes dos Passos, professor doutor da Unesp Marília especializado em Relações Internacionais, essas relações são dúbias. “A Constituição em seu artigo quarto menciona que os princípios da política exterior brasileira deveriam se pautar pela autodeterminação dos povos e respeito aos direitos humanos. Ainda que vagamente, isto refere, entre outros pontos, à democracia”, afirmou Rodrigo.
Ao mesmo tempo em que a chancelaria brasileira pressiona a Venezuela e apoia a aplicação da cláusula democrática por meio do Mercosul, o que levaria a suspensão do país de Maduro do bloco econômico latino e que prejudicaria ainda mais a já debilitada economia venezuelana, ela mantem como maior parceiro econômico a China, país onde as liberdades individuais e os direitos humanos estão mais em xeque que na República bolivariana.
Então, afirmar que a democracia é fundamental na forma como a diplomacia brasileira irá se portar com um país é uma falácia. “Circunstâncias distintas levam a dois pesos e duas medidas. Não há como comparar a Venezuela com a importância da China tanto em termos das importações e exportações brasileiras, bem como o fato do país asiático ser a segunda maior economia do mundo”, afirma Rodrigo.
Essa dicotomia diplomática no tratamento de países não democráticos não está limitada só ao Brasil. No começo de 2016, organizações e especialistas passaram a criticar a forma como o governo americano se porta em relação a Arábia Saudita, país não democrático e que é acusado de violar diversos direitos humanos.
Perry Cammack, analista do Fundo Carnegie para a Paz Internacional, listou alguns motivos para a BBC Mundo que impedem uma voz americana mais ativa sobre a Árabia Saudita: o país aceita influência americana e é um bastião do país ocidental na região – “É mais natural que um país seja crítico em relação a essas coisas quando está em confronto com a nação em questão”, afirmou. Já para Mariano Aguirre, diretor do Centro Norueguês para Construção da Paz, também em entrevista para BBC, há fortes motivos econômicos por trás da boa relação.
Enquanto os EUA se abstêm de críticas ao governo saudita, pressiona o governo brasileiro e outros governos latino-americanos a se afastarem da Venezuela. Segundo Rodrigo Duarte “a pressão externa sobre a diplomacia brasileira ocorre e já ocorreu em inúmeros casos. A pressão norte-americana, no caso da Venezuela, é um provável caso recente, uma vez que se sabe das divergências entre os dois Estados”.
A influência exterior sobre a chancelaria brasileira, e a própria forma como essa se porta em relação a diversos casos, também é ditada pelas disputadas partidárias e ideológicas presentes no país. Em 1959, quando a Revolução Cubana explodiu, o Brasil se absteve do voto na expulsão do país caribenho da Organização dos Estados Americanos (OEA) e reconheceu o governo de Fidel Castro. O país, na época, tinha um governo que flertava com o socialismo. Quando a ditadura militar ascendeu, cinco anos depois, as relações com Cuba foram rompidas.
No caso recente da Venezuela deu-se algo semelhante. Até a queda de Dilma Rousseff (PT), nosso país ignorava os problemas democráticos venezuelanos, que já existiam, mas com o impeachment a pressão sobre Nicolas Maduro aumentou. “O critério sobre as relações diplomáticas é rigorosamente pragmático, político, sem respeitar rigorosamente a democracia como princípio. Em linhas vagas e gerais, pesa o interesse de grupos, empresas e bancos, que motivam o país a estabelecer tais relações”, afirma Rodrigo.
No governo Lula, o Brasil seguiu uma política diplomática mais forte e, de certa forma, mais independente da influência norte-americana. A decisão do governo petista de receber o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad em 2009 e o estreitamento dos laços Brasil-Irã, que chegou a ser o segundo maior consumidor de carne brasileira, foi duramente criticada pelos EUA.
O país árabe, que é uma teocracia em que o líder religioso indica o presidente, sofria, até então, sanções por acreditar-se que o país possuía um plano armamentista nuclear. Mas a briga dos EUA com Irã parece ir além disso: o país persa é totalmente contrário a influência americana no Oriente Médio e é o grande rival regional da Arábia Saudita, que, como já foi dito, é a maior parceria americana na região.
Mas, diferentemente da divergência quanto ao assunto diplomático da Venezuela, os governos de Temer e o de seus antecessores petistas parecem concordar quanto a relação Brasil-Irão. Desde que chegou a presidência, Temer tem buscado fortalecer os laços brasileiros com o Irã, chegando a enviar o diretor do Departamento de Promoção Comercial e Investimentos do Itamaraty ao país.
Segundo Mateus Marinheiro, mestre em Relações Internacionais pela USP e especialista em Política Externa, o tema “relações internacionais” é muito fluído. “No fim das contas, a forma como os governos, seja do Brasil ou de outros países, comportam-se em suas relações diplomáticas/comerciais com países autoritários dependem muito mais do próprio viés ideológico do governo estabelecido, e não de regras estatais fixas ou de tratados internacionais”.
A chancelaria brasileira adota em cada caso uma diplomacia que convém, o que não é uma particularidade do nosso país. As relações internacionais, tanto do Brasil quanto de outros países, parecem seguir interesses econômicos e ideológicos. A defesa dos direitos humanos, ao contrário do que se prega, costuma ser deixada de lado.