Como o PMDB se tornou o gigante que é hoje e como os presidentes que tentaram governar sem o partido foram removidos do poder
O impechment de Dilma Rousseff (PT)*, a ascensão de Michel Temer (PMDB) ao Palácio do Planalto e a crise política desencadeada pelas acusações do empresário Joesley Batista, da JBS, contra Temer colocaram o PMDB no centro das atenções da política nacional. Mesmo com o maior número de deputados federais, senadores, vereadores, prefeitos e governadores o PMDB encontra-se em uma rara situação de protagonismo após mais de duas décadas de polarização entre PT e PSDB.
Caracterizado como um partido mais afeito aos bastidores por grande parte de sua história, o PMDB integrou as coalizões de governo de todos os presidentes da República desde Itamar Franco. Mas como o PMDB consegue se aliar a partidos que aparentemente estão em espectros político-ideológicos opostos? E como o partido consegue sempre eleições tão expressivas, tanto para o Congresso quanto para cargos do Executivo e do Legislativo nos estados e municípios?
O PMDB é fundado em 1979 quando o Regime Militar põe fim ao bipartidarismo que vigorava desde 1966. Herdeiro do MBD, frente que fazia oposição à Arena, sigla de sustentação do governo militar, o PMDB já surge com uma grande rede organizativa espalhada pelo território nacional através dos diretórios regionais do MBD em milhares de municípios. Apesar da ausência de eleições diretas para a presidência e para os governos estaduais durante boa parte do Regime Militar, o voto popular ainda era responsável pela escolha de membros das Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas, Congresso Nacional e de prefeitos (exceto as prefeituras de capitais e cidades consideradas áreas de segurança nacional). Com diversos políticos eleitos para as casas legislativas estaduais e municipais, para o Parlamento e para as prefeituras no período de sua existência, o MDB lega não só uma grande estrutura física, mas também boa parte de seu considerável capital político ao PMDB.
Mas qual o perfil ideológico do PMDB, que já foi chamado de “federação de partidos” e de “partido-ônibus”? Como consegue se aliar ora ao PT, ora ao PSDB sem grandes constrangimentos?
O cientista político Rafael Mucinhato, autor de pesquisas acadêmicas sobre o PMDB, explica que a literatura sobre Ciência Política classifica o PMDB como um partido de centro, marcado por sua composição interna bastante heterogênea, o que lhe permite formar coligações tanto com partidos mais associados à esquerda, quanto com partidos considerados de direita, de acordo com a conjuntura e o clamor popular.
Mas nem sempre o PMDB teve essa composição. Fundado por opositores do Regime Militar como Ulysses Guimarães, Fernando Henrique Cardoso e André Franco Montoro, Mucinhato aponta que o partido surgiu como uma legenda de centro-esquerda e possuía um caráter homogêneo, mas sofreu diversas transformações até tornar-se o que é hoje. “A sensação que eu tenho é que houve um processo grande de transformação interna que foi alterando a correlação de forças internas do partido com a saída de parlamentares e lideranças à esquerda e de entradas à direita. Isso se deu em diversos momentos históricos”, diz.
Mucinhato afirma em sua dissertação de mestrado que a incorporação do PP ao PMDB, em 1982, foi um importante momento nesse processo histórico, onde diversos ex-arenistas passam a integrar o PMDB. O cientista político também cita duas ondas de saída de quadros à esquerda do partido: em 1985, com a fundação de PSB, PCdoB e a refundação do PCB; e também em 1988 com a criação do PSDB.
Apesar da classificação do PMDB como um partido de centro pela literatura de Ciência Política, Mucinhato enxerga características muito específicas na atual composição pmdbista. “Tem uma parcela ligada ao agronegócio, que a gente sabe que está no campo mais conservador, mais à direita. Tem uma parcela ligada à bancada evangélica, que a gente também sabe que está nesse mesmo campo. Ele vai se tornando esse partido mais pragmático, atrelado ao Estado, heterogêneo internamente. Essa questão meio amorfa permite que o PMDB faça parte das diferentes coligações”.
A eleição de Eduardo Cunha à Presidência da Câmara dos Deputados e sua grande influência sobre deputados pmdbistas e de outros partidos que compõe a chamada bancada evangélica mostram a atual conjuntura de associações do PMDB, pendendo à direita. Para Claudio Penteado, professor da Universidade Federal do ABC, esta associação do PMDB com setores mais conservadores também se manifesta no governo Temer. “O governo Temer assumiu uma agenda imposta pelo ‘mercado’ que sustentou sua ascensão ao poder. Nessa agenda é possível ver claramente a defesa das reformas trabalhista e da Previdência como uma forma de ampliar a influência do ‘mercado’ sobre a gestão pública, retomando a agenda neoliberal dos anos [19]90 de redução do Estado”, afirma.
AUSÊNCIA DE GRANDES LIDERANÇAS
Com todo o sucesso eleitoral que o PMDB vêm obtendo desde 1982 nas eleições para o Congresso e também nos níveis estadual e municipal, o partido não lançou candidato à Presidência da República nas últimas cinco eleições presidenciais. Possivelmente a maior figura da história do PMDB, Ulysses Guimarães obteve menos de 5% dos votos válidos na eleição presidencial de 1989, terminando em sétimo lugar. Orestes Quércia, último candidato pmdbista ao Palácio do Planalto, também não atingiu a marca de 5% dos votos em 1994.
Para Mucinhato, é bastante conveniente para o partido ficar como “pano de fundo” na política, usando sua posição como legenda que sempre elege grandes bancadas nas duas casas do Congresso. “Eu acho que o PMDB fez uma leitura muito específica do nosso arranjo institucional que surgiu na Constituinte, o chamado presidencialismo de coalizão, e eles sacaram que para eles é muito mais interessante se focar nas eleições legislativas, formando sempre grandes bancadas, tanto na Câmara quanto no Senado, e não lançar uma candidatura à Presidência. Assim, independentemente de quem ganhar, vai depender do PMDB para legislar”, fala o cientista político.
O PMDB NAS QUEDAS DE COLLOR E DILMA
Fernando Collor foi o único presidente após a Constituição de 1988 a não fazer coalizão com o PMDB. Durante os quase três anos de seu governo, Collor e seu partido, o PRN, coligaram-se com PFL e PDS, e posteriormente também se uniram à coalizão PTB e PL. Sem o apoio do PMDB, partido com maior número de deputados federais na Câmara, e enfrentando enorme descontentamento popular decorrente da crise econômica e das acusações de corrupção contra Paulo César Farias, chefe de sua campanha presidencial, Collor renuncia ao cargo de presidente em 29 de dezembro de 1992, horas antes do julgamento de seu processo de impeachment no Senado.
Diferentemente de Collor, Dilma sempre teve o PMDB como membro de sua coalizão governista. Mas o PMDB passa de grande aliado de Dilma a um partido que vota amplamente por seu impeachement em um curto espaço de tempo. As dissidências no PMDB já se apresentam antes das eleições de 2014, quando a convenção nacional do partido decide apoiar Dilma Rousseff por uma divisão de cerca de 60% de votos a favor e 40% contra a aliança com a petista.
O cientista político Vítor Oliveira afirma que o processo de saída do PMDB do governo Dilma e a perda de maioria na Câmara tem início nas eleições de 2014 e se exacerba em 2015 com a eleição de Eduardo Cunha para a presidência da Câmara. “A eleição de 2014 criou uma situação diferente para o PT, que venceu as eleições presidenciais mas viu o Legislativo ser majoritariamente ocupado por deputados e senadores cujas preferências por políticas públicas eram muito distantes das do PT”, afirma.
Oliveira afirma que Dilma e o PT, para não abrirem mão do controle sobre políticas públicas, tentaram forjar alianças com outros partidos para ocupar o lugar do PMDB na coalizão. Esse processo, que a incluiu criação e ascensão do PSD, desagradou a cúpula pmdbista. Dilma tentou remediar a situação dando mais espaço no governo ao PMDB da Câmara em sua reforma ministerial de outubro de 2015, mediada que não foi suficiente para recuperar o apoio do PMDB. Para Vítor Oliveira, a eleição de Cunha para a presidência da Câmara foi um erro estratégico de coordenação do PT com o PMDB e foi fundamental na derrocada de Dilma. “O PT foi para o confronto com seu principal parceiro em vez de coordenar o processo eleitoral e garantir o apoio mútuo, possivelmente com outro pmdbista que não Cunha. O governo havia perdido o controle do processo legislativo ao não garantir a presidência da Câmara para um aliado e, eventualmente, iria sucumbir.”
59 dos 67 deputados federais do PMDB votaram pelo afastamento de Dilma da presidência, e 17 dos 19 senadores do partido votaram pelo impeachment no julgamento de 31 de agosto de 2016. Vários desses parlamentares haviam sido ministros do governo Dilma.
2017
Denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) pelo recebimento de dinheiro de propina da JBS, e com o mais baixo índice de aprovação de um presidente em 28 anos, Temer tem mostrado em 2017 toda sua destreza em operar a máquina pmdbista na luta para manter-se na presidência. Após a substituição de diversos deputados do PMDB e de outros partidos da base aliada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), em troca de bilhões de reais em emendas parlamentares, Temer obteve uma aparente vitória. Na última quinta-feira (13/07), o parecer do deputado Sergio Zveiter (PMDB) que recomendava que a Câmara autorizasse o Supremo Tribunal Federal (STF) a analisar a denúncia da PGR contra Temer foi derrotado na CCJ por 40 votos a 25. Foi aprovado parecer substitutivo que pede o arquivamento da acusação contra o presidente.
O caso agora segue para votação no plenário da Câmara, onde o Planalto precisará que pelo menos 172 deputados abstenham-se ou rejeitem a denúncia contra Temer. A votação está marcada para 2 de agosto.
*Significados das siglas partidárias contidas na reportagem:
PT: Partido dos Trabalhadores
PMDB: Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PSBD: Partido da Social Democracia Brasileira
MDB: Movimento Democrático Brasileiro
Arena: Aliança Renovadora Nacional
PP: Partido Popular
PSB: Partido Socialista Brasileiro
PCdoB: Partido Comunista do Brasil
PCB: Partido Comunista Brasileiro
PRN: Partido da Reconstrução Nacional
PFL: Partido da Frente Liberal
PDS: Partido Democrático Social
PTB: Partido Trabalhista Brasileiro
PL: Partido Liberal
PSD: Partido Social Democrático