O mês de setembro, voltado para a prevenção do suicídio, traz à tona debates sobre a saúde pública, atuação do terceiro setor e da indústria farmacêutica
No dia 21 de setembro, o Ministério da Saúde lançou o primeiro Boletim Epidemiológico de Tentativas e Óbitos por Suicídio no Brasil. No documento foram apresentados dados como a alta taxa de casos de suicídio entre idosos (8,9 mortes por 100 mil habitantes nos últimos seis anos), os elevados índices entre homens, jovens e indígenas, além da apresentação da média mensal de 5,5 casos por 100 mil habitantes. Segundo notícia publicada no portal do Ministério, o principal objetivo do estudo é nortear a qualificação e expansão da assistência em saúde mental no Brasil.
Os dados divulgados pelo estudo foram utilizados pelo Ministério da Saúde na elaboração de estratégias com o objetivo de atingir a meta de redução de 10% dos óbitos por suicídio até 2020. O Brasil assumiu o compromisso com a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Além da exposição de dados e estratégias, o estudo também apontou a importância de instituições públicas de assistência à saúde mental, como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), para a redução dos casos de suicídio. Nos municípios atendidos pelos CAPS, o risco de suicídio reduz 14%, segundo o boletim. No último ano, o Ministério da Saúde credenciou 146 novos CAPS, representando um investimento anual de R$ 69,5 milhões. Apesar do investimento, segundo informações da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo apenas 2,3% do orçamento anual do Sistema Único de Saúde (SUS) é destinado para a saúde mental.
Os CAPS representam um dos serviços oferecidos pela Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) instituída em 2011. A Rede compõe o SUS e é um instrumento da Política Nacional de Saúde Mental.
Para que sejam implementados CAPS nas cidades brasileiras, o Ministério da Saúde avalia, entre outros fatores, o número de habitantes. Recomenda-se um CAPS para cada 100 mil habitantes.
Considerando este fato, a cidade de Bauru conta com três instituições públicas de atenção à saúde mental: o Centro de Apoio Psicossocial I (CAPS I), encarregado de atender adultos com transtornos mentais, o Centro de Apoio Psicossocial Álcool e Drogas III (CAPS AD III) e o Ambulatório Municipal de Saúde Mental (AMSM), que possui atuação semelhante ao CAPS I.
A definição da abrangência de atendimento dos centros públicos de saúde mental em Bauru ocorre a partir de uma catalogação das unidades de saúde da cidade. O CAPS I e o AMSM são responsáveis por atender, cada um, nove unidades de saúde básica e três unidades de saúde da família.
Segundo informações fornecidas pela psicóloga e gerente do CAPS I de Bauru, Gislaine Mondelli, em julho de 2017, mês do último levantamento, foram atendidos 855 pacientes na unidade. O CAPS atende transtornos mentais severos como esquizofrenia, transtornos de humor, depressão grave e casos de ideação suicida. Os casos considerados de menor gravidade, como depressão leve, são encaminhados para tratamento com as universidades parceiras.
O atendimento de pessoas com pensamento suicida é frequente no CAPS I. Para Mondelli, os CAPS são de extrema importância por oferecer uma escuta qualificada. “A pessoa com pensamento suicida tem necessidade de falar e nós proporcionamos a escuta do paciente. Muitas vezes ele não consegue falar com a família, com os amigos. Quando a pessoa fala do seu sentimento, da sua angústia, do seu pensamento de morte, ela começa a ficar mais aliviada. Esses casos são inseridos no tratamento porque são considerados pacientes de risco, mesmo que não haja a tentativa é oferecido o tratamento. Os índices de suicídio diminuem porque a pessoa no CAPS conversa com um profissional que tem uma visão diferente. A pessoa é acolhida e a família é orientada”.
A assistência nos CAPS é feita por uma equipe multiprofissional. O CAPS I conta com uma equipe técnica formada por quatro psicólogos, um assistente social, um terapeuta ocupacional, uma fonoaudióloga e duas enfermeiras. Para atender os casos mais estabilizados, a unidade possui cinco médicos (quatro psiquiatras e um clínico especializado em psiquiatria).
Um dos problemas enfrentados pelo AMSM é o número reduzido de profissionais. Segundo a psicóloga e gerente do ambulatório, Thaís Oliveira, a demanda pelo serviço aumentou e a equipe diminuiu. Atualmente a equipe técnica do local é formada por apenas três psicólogas no atendimento, uma assistente social, uma fonoaudióloga que já deu entrada no pedido de aposentadoria, uma enfermeira que também está em fase de se aposentar e uma terapeuta ocupacional. Além da equipe técnica, atendem no ambulatório três médicos psiquiatras e uma neurologista que está em fase de aposentadoria. A gerente do ambulatório já informou os problemas relacionados ao déficit de funcionários para a Secretaria Municipal de Saúde. “Estamos solicitando há muito tempo na Secretaria de Saúde a reposição de funcionários, temos déficit de funcionários que se aposentaram ou foram transferidos da unidade. Estamos sem reposição de duas psicólogas, duas pessoas na administração e uma assistente social. A partir do ano que vem não teremos sete funcionários, acho que é bem improvável que tenhamos reposição nos próximos quatro meses. Estamos mobilizando os usuários, o Conselho Gestor (formado por usuários, trabalhadores e a gerência da unidade) para discutir questões relacionadas às dificuldades da unidade. Nós estamos discutindo com os usuários mais engajados e participando das reuniões do Conselho Municipal de Saúde”.
+ Sucateamento do SUS na questão da saúde mental (ÁUDIO)
Além da questão do déficit de funcionários, o ambulatório enfrenta outro problema: a falta de verba pública para financiar o serviço. A gerente explica que os CAPS recebem uma verba mensal da Ministério da Saúde, mas que essa quantia não é suficiente para subsidiar nem ao mesmo um terço do custo do serviço. A Prefeitura de Bauru é responsável por financiar a maior parte do serviço, em torno de 70%, já o governo estadual, na questão da saúde mental, realiza apenas a regulação dos leitos psiquiátricos nos hospitais.
+ A gerente do AMSM, Thais Oliveira, fala sobre a regulação dos leitos psiquiátricos em Bauru (ÁUDIO)
O ambulatório não está credenciado como CAPS no Ministério da Saúde, situação que o impede de receber verba federal. “O Ambulatório não tem credenciamento federal, fizemos o projeto, mandamos para Brasília, estamos tentando credenciamento como CAPS II, porque já estamos trabalhando como CAPS, só na placa que é ambulatório. Estamos tentando credenciamento há mais de um ano no Ministério, mas ainda não foi aprovado. Se for aprovado teremos uma verba de incentivo e depois uma verba de manutenção federal mensal. Por enquanto, o nosso serviço é 100% mantido pelo município, equipe, aluguel do prédio, equipamento, toda a manutenção é feita com verba 100% municipal”, afirma a gerente.
Somado aos pacientes que recebem tratamento contínuo, ou seja, que precisarão de acompanhamento durante toda a vida, o AMSM atende diariamente pessoas com ideação suicida. A gerente da unidade acredita que o atendimento está prejudicado, já que o serviço possui pacientes fixos, recebe diariamente pessoas com ideação suicida e não houve reposição dos funcionários aposentados e transferidos.
O exemplo de Teresina
Em Teresina (PI) além das diversas modalidades de CAPS, a saúde mental conta com um ambulatório especializado no atendimento de pessoas com ideação suicida ou que tentaram o suicídio.
O PROVIDA, como é conhecido o ambulatório, é mantido pela Fundação Municipal de Saúde e foi inspirado no trabalho realizado em Fortaleza (CE) chamado PRAVIDA, um projeto de atenção especializada que objetiva dar suporte às pessoas com ideação ou que tentaram suicídio. Além da inspiração do modelo do Ceará, o psicólogo do ambulatório Daniel Feitosa, explica que para a abertura do serviço na cidade foram levados em consideração estudos sobre o tema do suicídio e recomendações da OMS sobre a importância do acesso à serviços de saúde mental.
Para o psicólogo, serviços que oferecem atendimento imediato são importantes para a redução dos casos de suicídio. “É uma iniciativa extremamente necessária porque quem está em uma crise suicida precisa de uma assistência imediata. Ter uma equipe de profissionais, ainda que pequena, somos quatro profissionais, três psicólogos e uma médica para uma população grande, mas ainda que sejam poucos profissionais, ter um serviço com essa disponibilidade, com essa imediaticidade, tanto para a pessoa receber o atendimento, quanto para a família ser orientada, prestamos todos os esclarecimentos, a quem recorrer, informar, é muito importante”.
Além dos serviços de apoio à saúde mental oferecidos pela rede pública, é possível encontrar ainda o suporte de ONGs como o Centro de Valorização da Vida (CVV) para a questão da prevenção e controle do suicídio.
A atuação do CVV
O CVV “realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo por telefone, e-mail, chat e voip 24 horas todos os dias”, conforme divulgação no site oficial. O Centro é uma associação civil sem fins lucrativos, filantrópica e reconhecida como Utilidade Pública Federal desde 1973. Em Bauru, o CVV atua desde 1982 prestando apoio emocional a todos que necessitam de ajuda, de acordo com a coordenadora do posto de Bauru, Sandra de Moraes. Atualmente, o posto do CVV de Bauru recebe, em média, 1100 contatos por mês.
Moraes explica que o objetivo primordial do CVV é estar disponível para prestar apoio emocional às pessoas que estão se sentindo propensas ou determinadas a praticarem o suicídio, “Nós atuamos como um pronto socorro. E os voluntários procuram aliviar o sofrimento, a angústia, o desespero e a depressão, ouvindo e oferecendo apoio àqueles que sentem não haver ninguém disponível para aceitá-los e/ou compreendê-los”. O CVV busca também proporcionar um ambiente livre de ameaças – sigiloso, sem julgamentos, sem críticas, sem conselhos – onde a pessoa pode falar dos sofrimentos que não consegue dividir com mais ninguém, afirma a coordenadora.
Além disso, o CVV procura não focar nos problemas e sim no desabafo e em como a pessoa se sente em relação aos acontecimentos ruins. “A proposta do CVV é proporcionar o desabafo de quem nos procura, possibilitando assim que ela reveja seus sentimentos e suas emoções e tenha a possibilidade de fazer as reflexões necessárias à sua vida”, comenta José Carlos dos Santos, porta voz e voluntário do CVV.
Em relação ao Setembro Amarelo, o CVV aderiu ao movimento desde 2014 e passou a desenvolver a campanha durante todo o mês, com atividades espalhadas por todo o país. Moraes afirma que a iniciativa surgiu nos mesmos moldes do Outubro Rosa e do Novembro Azul, e tem como objetivo “divulgar intensamente a causa tendo como parte fundamental a iluminação de amarelo de locais públicos, bem como a realização de palestras e outras atividades como forma de conscientizar a população sobre os riscos dessa epidemia, o suicídio”. O Setembro Amarelo promove debates para que a sociedade aprenda a identificar e agir na prevenção do suicídio, ajudando a desconstruir o tabu que existe em torno do assunto.
Reforçando a importância do trabalho realizado pelo CVV, Santos afirma que o Setembro Amarelo tem promovido discussões e debates em torno do suicídio, buscando levar informações mais claras sobre o que ele chama de epidemia silenciosa. “Nós sabemos que o suicídio pode ser evitado, que quem se suicida costuma dar alguns sinais, às vezes imperceptíveis, sabemos também que muitos mitos como ‘quem fala não faz’, ‘quem tentou uma vez, vai tentar sempre’ contribuem para o aumento do número de casos”. O voluntário também ressalta que o apoio da mídia é importante para levar os esclarecimentos para a população em geral.
Em Bauru, várias atividades foram desenvolvidas pelo CVV ao longo do mês de setembro como: iluminação de alguns prédios públicos; Lançamento da Campanha na Praça do Avião; Show Musical com o Projeto Guri do Estado de São Paulo; palestras com Dr. José Manoel Bertolote e Dr. Neury José Botega, especialistas em suicídio e colaboradores na OMS; Participação no Desfile Cívico de Bauru; Caminhada na Av. Getúlio Vargas pela Valorização da Vida; encerramento no Alameda Quality Center com Show Musical Roberto Carlos Cover, entre outras. Também foram realizadas palestras com o tema “Suicídio, falando abertamente para prevenir” em locais como: Legião Mirim Feminina de Bauru, Penitenciária de Reginópolis, Penitenciária Feminina de Pirajuí, Tiro de Guerra de Santa Cruz do Rio Pardo, Posto CVV Lins, FOB-USP Bauru, SESI – Bauru e Fundação Casa – Bauru.
Moraes ressalta que é de extrema importância falar sobre o suicídio e que o assunto ainda é um tabu. “Nós precisamos falar abertamente sobre ele, trazendo informações que ajudem as pessoas a identificarem quem pode estar precisando de ajuda e como podem ajudar”, finaliza.
Para ser um voluntário do CVV basta ter mais de 18 anos e disponibilidade de tempo. Os candidatos passam por um treinamento de nove semanas para aprender a filosofia e o funcionamento da associação. Além do treinamento, há reuniões mensais, para orientação, estudo e treinamento de papel.
A indústria farmacêutica
Para os profissionais da área da saúde mental, as evidências clínicas cada vez mais apontam para o sucesso da abordagem multidisciplinar no tratamento de transtornos depressivos, que podem levar ao suicídio. A combinação entre medicamentos antidepressivos, receitados por médico psiquiatra, e sessões de psicoterapia, conduzidas por psicólogo, podem trazer benefícios enormes ao paciente, afirma a psiquiatra Maria Cristina Pereira Lima, professora da Faculdade de Medicina de Botucatu da Unesp. Entretanto, o ritmo de vida moderno faz com que muitas pessoas que sofrem com sintomas de depressão sintam-se seduzidas pela “solução rápida” oferecida pelos medicamentos. “Existe uma pressão maior pela medicação. As pessoas querem respostas rápidas, e a psicoterapia é um processo. Um processo válido e necessário, mas mais custoso. A psicoterapia não atende aos preceitos do capitalismo, de uma resposta rápida”, afirma Pereira Lima.
A principal beneficiada pela grande procura por antidepressivos é a indústria farmacêutica. Em 2012, a população brasileira gastou mais de R$ 1,8 bilhão em antidepressivos e ansiolíticos (remédios estabilizadores de humor). Intimamente ligada à prática médica, a indústria de medicamentos é, desde sua consolidação após a Segunda Guerra Mundial, um dos mais lucrativos setores da economia. Em um estudo sobre a relação entre médicos e a indústria farmacêutica, Gabriel Peres e José Roberto Pretel Pereira Job afirmam que no Brasil os médicos são o principal alvo dos grandes laboratórios, pois a legislação do país proíbe a veiculação de propagandas de remédios controlados para o público em geral.
Os grandes laboratórios adotam diversos expedientes para seduzir a classe médica. Desde os estudantes de medicina, patrocinando churrascos e festas nas faculdades, até os médicos mais experientes, através do pagamento de viagens, hospedagem e inscrições em congressos médicos, a pressão da indústria farmacêutica sobre a categoria médica é ostensiva, e conta também com a colaboração das grandes redes de drogarias. “Quando você vai em uma farmácia, principalmente nas grandes redes, e compra um medicamento eles fazem uma anotação no caixa do CRM de quem prescreveu. As redes de farmácia disponibilizam gratuitamente ou vendem esses dados para a indústria farmacêutica, e ela então tem a informação dos grandes prescritores”, diz a psiquiatra Maria Cristina Pereira Lima, professora da Unesp.
Em entrevista à revista Época, o presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), Carlos Vital Tavares Corrêa Lima, afirma que a prática de registrar os prescritores dos medicamentos viola um dos fundamentos da ética médica, o sigilo médico-paciente.
Ajuda em Bauru
A cidade de Bauru oferece opções de ajuda gratuitas às pessoas que passam por algum sofrimento psíquico. Confira os endereços: