De acordo com dados do Ibama, quase 70% dos zoológicos brasileiros são considerados inadequados; os santuários apresentam-se como uma alternativa
Em todo o mundo existem muitos zoológicos, aquários e santuários, que desempenham um papel significativo na conservação da biodiversidade e lutam de diversas formas para maximizar a sua contribuição para a conservação global. Em meados de 1960, esses estabelecimentos começaram a perceber seu potencial como uma força positiva e influente para a conservação da vida selvagem e passou a incluir, de forma crescente, a preservação das espécies como parte principal da sua missão global. Porém, também há controvérsias acerca do funcionamento ético e responsável desses estabelecimentos.
Todos os recantos que mantêm animais selvagens sob os cuidados humanos no Brasil são regulamentados pela Instrução Normativa do IBAMA n° 07 de 2015. Essa norma estabelece algumas condições de funcionamento e parâmetros mínimos de infraestrutura, como os recintos para zoológicos, aquários, criadouros e os mantenedores de fauna, os santuários. Porém essas normas estabelecidas nem sempre são cumpridas com êxito.
Segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), em 2016 o Brasil tinha 111 zoológicos, sendo que 77 foram consideradas inadequadas. Por imposição do instituto nas duas últimas décadas, 44 unidades foram fechadas. As inadequações apresentadas foram remédios vencidos, desnutrição dos animais, contato recorrente com animais domésticos, espaços pequenos, mortes precoces das espécies, estruturas precárias, poluição sonora e superlotação.
O que chamou bastante atenção do Ibama no fechamento desses estabelecimentos nos últimos dez anos foi a enorme quantidade de óbitos de animais em zoológicos: Em Goiânia foram registradas 148 mortes entre 2009 e 2010, das quais 81 foram investigadas pela polícia. Em seis meses o zoológico da capital goiana perdeu duas girafas, dois hipopótamos, um leão, uma onça, um tamanduá-bandeira e após perder o sétimo animal de grande porte, um jacaré-açu, o local foi interditado e reabriu três anos depois. O zoo do Rio de Janeiro teve perda de 20% dos seus animais em apenas uma temporada e, em Belo Horizonte, morreram 83 espécies entre 2015 e 2016. Em 2017 o zoo municipal de Montes Claros foi fechado por tempo indeterminado por haver animais sendo alimentados de forma inadequada e por haver espaços abandonados.
Desses zoológicos distribuídos no Brasil, 63% deles são instituições públicas, enquanto 26% são estabelecimentos privados, 8% estão sob administração de fundações e ONGS e 3% são classificadas como mistas, segundo os dados de 2016 da Sociedade de Zoológicos e Aquários no Brasil (SZB).
A SZB ainda comprova que os números de animais nesses estabelecimentos chegam a 50 mil. Com tamanha demanda, os tratamentos e cuidados para estes animais exigem um alto preço, pois é necessário investimento em estudos genéticos para catalogar e sequenciar o DNA dos animais, em nutrição para fornecer a alimentação adequada para cada animal, adequando as suas necessidades, e em microbiologia para conhecer e trabalhar em cuidados para possíveis doenças e problemas que afetam a fauna.
Os zoológicos que são instituições municipais, em especial, não costumam cobrar taxa para visitação e são mantidos prioritariamente pelos repasses realizados pelo governo municipal. Já os zoológicos privados são mantidos prioritariamente pela visitação do público. Nesses casos, todos cobram taxas com preços variados. Ainda segundo o SZB, são cerca de 40 milhões de pessoas que visitam esses lugares, todos os anos.
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Santuários brasileiros
Santuário é uma denominação genérica para recintos sem fins lucrativos que recebem animais debilitados, geralmente vítimas de maus tratos, vindos muitas vezes de circos ou traficados, e trabalham para a sua reabilitação e reintrodução na natureza, o que nem sempre possível. Diferente dos zoológicos, os animais dos santuários não são expostos ao público e não dão continuidade à vida em cativeiro, pois são lugares que não possuem programas de reprodução das espécies. O local é preparado para simular o mais próximo possível do habitat natural dos animais que ali se encontram.
Apesar de ser um benefício para os animais, há episódios desagradáveis ocorridos em santuários assim como nos zoológicos. Os amplos espaços em que os animais vivem podem ser um risco para as pessoas que tenham contato direto com eles: Em julho de 2016, uma tratadora foi atacada e gravemente ferida por um chimpanzé no Santuário de Primatas de Sorocaba, interior de São Paulo. O manejo era realizado sem equipamento de proteção, contrariando a Instrução Normativa do IBAMA e recomendações internacionais. Outro ocorrido foi em outubro de 2017, quando dois chimpanzés fugiram do mesmo santuário e aterrorizaram uma família que mora em um sítio vizinho.
No Brasil, o Santuário das Fadas é o primeiro santuário fundado com propósito de resgatar animais de fazenda que sofreram negligências e abusos. O recinto, localizado na região serrana do Rio de Janeiro, foi fundado pela veterinária Patrícia Fittipaldi em 2008. Trata-se de uma associação sem fins lucrativos, mantida através de doações. Atualmente, vivem no local cerca de 150 animais, como cavalos, porcos, bois, cabras, jabutis, entre outras espécies.
Patrícia explica que o santuário recebe animais provenientes de diversas situações. São muitas denúncias de equinos utilizados em carroças, animais vindos de abatedouros clandestinos, abandonados em rodovias, resgatados de rituais religiosos e demais cenários de maus tratos.
Entre tantas histórias, Patrícia recorda-se do resgate marcante de Tieta, uma cabra que foi encontrada nas ruas do Rio de Janeiro. O animal foi usado em rituais de fins religiosos e, ainda com vida, arrastou-se pelas ruas com punhais enfiados no corpo e o chifre cortado e queimado. Felizmente, Tieta foi resgatada a tempo pela equipe do Santuário das Fadas, muito debilitada, mas conseguiu se recuperar e marcou todos que acompanharam a sua história.
Como no santuário de Patrícia concentram-se animais de fazendas, e não silvestres, o foco do projeto não é reintroduzi-los à natureza, pois eles não sobreviveriam nessa situação. Porém, já houve casos em que o santuário recebeu pássaros silvestres e foi realizado um trabalho gradativo para que as espécies pudessem ser soltas. “Não foi possível soltar de imediato porque eles viviam há muitos anos em cativeiro, então ao poucos fomos oferecendo alimentos que eles poderiam encontrar no lugar que seriam soltos, até que conseguimos reintroduzi-los na natureza”, conta a veterinária.
Patrícia diz que, tanto nos zoológicos quanto nos santuários, os animais recebem tratamento adequado de veterinários, mas a diferença entre os dois locais está na forma como o animal é tratado. “Nos santuários os animais não passam pelo estresse de serem submetidos e expostos ao público ou de viver em recintos muito pequenos”, ela diz. “A gente procura oferecer o espaço mais tranquilo possível e próximo ao habitat natural deles”.
Outra diferença é que no Santuário das Fadas as espécies não se reproduzem já que, apesar do amplo espaço, elas ainda vivem fora da natureza. Todos os animais são castrados. Patrícia explica que, no caso dos animais de grande porte, somente os machos são, já que para as fêmeas é um procedimento arriscado. A reprodução em cativeiro a fim de preservar as espécies de extinção não é defendida pela equipe do santuário como o caminho ideal. “Aprisionar os animais para preservar uma espécie não é o que a gente acredita ser justo para eles, porque dessa forma a reprodução será em cativeiro pelo resto da vida”. Ela defende que a forma de garantir a preservação das espécies é através de leis mais severas: “A responsabilidade pelo risco de extinção costuma vir das mãos do próprio homem, por causa da caça. Então o único jeito de preservar é infringir leis mais severas para que os animais vivam em paz”.
O projeto Proteção aos Grandes Primatas (GAP) é um movimento internacional de proteção aos primatas que, no Brasil, conta com quatro santuários afiliados que abrigam mais de 80 animais. Segundo Jaqueline Ramos, assessora do GAP de Sorocaba (SP), “o projeto não incentiva a reprodução de animais em cativeiro e cada caso deve ser avaliado dentro de um contexto, considerando o bem-estar individual e de grupos e questões de conservação”. Seguindo os moldes do Santuário das Fadas, os recintos do GAP também não são abertos à visitação por questões de segurança e tranquilidade dos animais.
Assim como a cultura de animais utilizados por circos vem diminuindo bastante, o projeto GAP acredita que a visão da sociedade sobre os zoológicos também tem se tornado mais crítica: “A cultura ainda é forte, mas é clara uma mudança gradativa de visão, graças ao trabalho de conscientização e divulgação de informações feitas por ONGs, institutos e profissionais. Acreditamos que o caminho seja continuar com esse tipo de trabalho, pois através da informação as pessoas fazem suas avaliações, tiram suas conclusões”, diz a assessora.
Zoológico de Bauru
Os zoológicos brasileiros são mantidos sobre quatro pilares mestres: eles trabalham na busca da educação, conservação, pesquisa e lazer educativo. Segundo Luiz Pires, diretor e biólogo do Zoológico de Bauru, “podemos afirmar que a maioria dos zoológicos brasileiros, incluindo o de Bauru, já se enquadra nesta visão ‘moderna’ dos zoológicos que desenvolvem e apoiam pesquisas do conhecimento da biodiversidade fora do seu local de origem, tornando-se uma ferramenta importante no auxílio à conservação dentro do seu local de origem da fauna selvagem brasileira”.
O Parque Zoológico Municipal de Bauru foi inaugurado em agosto de 1980 e é considerado um dos maiores do país. Ele abriga 880 animais de 227 espécies diferentes, entre aves, répteis, peixes e mamíferos. Os principais objetivos do zoológico são: auxiliar na conservação das espécies, realizar pesquisas e trabalhos de educação ambiental e oferecer lazer à população. São 53 funcionários, entre eles: técnicos, dois médicos veterinários, dois zootecnistas e um biólogo. Possui também 23 tratadores, dois administrativos e os demais na área de manutenção, como porteiros, jardineiros, serventes de limpeza e pedreiros.
Ao seu redor, é possível encontrar reservas do Cerrado, como a UNESP, Jardim Botânico e o Instituto Lauro de Souza Lima. Por essa razão encontram-se algumas espécies da fauna original soltos pelo ambiente do zoológico, como cutia, calango, jacupemba, quati, tucano-açu e o sagui do tufo preto.
De acordo com Luiz Pires, o Zoológico de Bauru está passando por reformas. O diretor ainda afirma que “desde os anos 1990, todos os recintos possuem antecâmara ou corredor de segurança, tendo no mínimo duas portas entre o animal e o meio externo”.
Durante o seu tempo de funcionamento, ocorreram duas fugas de animais: a primeira foi de um chimpanzé em 1989, quando um funcionário esqueceu aberta a porta de segurança e a segunda fuga foi de dois tigres em 2003, que tiveram a tela do recinto cortada.
Segundo Alan Peres, que trabalha com anatomia dos animais silvestres do Centro de Conservação da Fauna Silvestre de Ilha Solteira, os zoológicos podem até ter potencial para preservação dos animais, mas o problema é o pouco investimento que ocorre dentro destes estabelecimentos. “Eu vejo os zoológicos como um local de bancos de dados de germoplasmas, que servem para reprodução das espécies e não somente para demonstração e entretenimento”, afirma Alan, que também é professor de anatomia na UNESP de Ilha Solteira.
“Muitas das espécies que estão nos zoos apresentam poucos animais em vida livre. Isso significa que, teoricamente, os zoos deveriam funcionar como um local de procriação e soltura dos animais reproduzidos”. Alan ainda opina que o problema é a falta de verba para manutenção, que acabam sendo supridas com a cobrança das questionáveis exposições.
Muito inteiressante essa reportagem, tanto a explicação da diferença entre zoológico e santuário, como a condição de vida dos animais nesses lugares, quanto a responsabilidade de cada visitante deles. Parabéns!