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A castidade e o celibato dentro da Igreja: interesse social, espiritualidade ou controle?

Por Ana Flávia Cézar, Ariádne Mussato e Mariana Pellegrini
A sexualidade sempre esteve marcada na vida do homem e, desde os primórdios, o sexo é considerado uma forma de se relacionar com o outro. A história foi se transformando, a sociedade pensando diferente e, claro, as relações sociais mudando de rumo. Com o sexo isso também não foi diferente.
Se pararmos para analisar, a ideia de sexualidade já se transformou da água para o vinho na história. Antigamente o ato de uma relação sexual tinha apenas um objetivo: ter um filho. Qualquer forma de prazer que viesse fora desse objetivo principal poderia ser considerado pecaminoso.
Castidade e celibato: qual a diferença?
A castidade, em resumo, é a proibição das relações sexuais fora do casamento. Esse conceito surgiu na história há muitos anos atrás, mas foi por meio do Concílio de Trento que houve uma maior rigidez em relação ao ato sexual sem o contrato do matrimônio. A Igreja Católica utiliza do Concílio para exigir cada vez mais que homens e mulheres se distancie dos atos libidinosos e encarem o casamento e o sexo como algo sagrado.
Já o celibato é um conceito que chegou depois da castidade e é realizado, principalmente, pelos sacerdotes da Igreja Católica e também de outras religiões. Um eclesiástico deve estar puramente unido à religião e à Deus, sem distrações. Por isso o celibato proíbe que haja casamento de sacerdotes da Igreja Católica. Um matrimônio pode restringir um clérigo ao seu objetivo maior, que é amar a todos com dedicação e ser um pai e uma mãe espiritual de todos os fiéis.
Mas não foi sempre isso que aconteceu na história. Segundo a historiadora Edlene Oliveira Silva, durante a Alta Idade Média o celibatário não era obrigatório para os sacerdotes. Edlene afirma que “em algumas regiões de da atual Espanha, Portugal e Itália, por exemplo, clérigos podiam ser casados, inclusive, em alguns casos, continuar casados após a ordenação, o que era visto com naturalidade”. Era natural que um padre tivesse um filho antes de se tornar padre.
Após algumas reformas dentro da igreja, conhecida como Reforma Gregoriana, o casamento transformou-se em um contrato entre as partes. Este contrato passou a ser realizado por uma autoridade espiritual e o matrimônio deveria ser pautado na moral cristã e nos ensinamentos das Sagradas Escrituras. “O complexo normativo defendido pela Igreja propunha aos cônjuges um modelo de vida cristã estruturado por uma hierarquia que valorizava prioritariamente a virgindade e, seguidamente, a continência sexual”, explica Edlene.
O celibato e, consequentemente, a castidade para o clero foi algo que aconteceu gradual e teve uma forte repressão da sociedade cristã. Apesar da resistência, as novas regras instituídas normalizaram a prática muito comum entre padres das Igrejas Católicas nos dias atuais.
Para o professor Felipe de Aquino, o sexo é visto como um algo que possui um sentido e que vai além dos desejos e prazeres do corpo. Felipe acredita que o ato sexual feito fora do casamento é um pecado contra a castidade. Fere a condição divina e de pureza da alma. “Para se viver uma vida casta é necessária uma aprendizagem do domínio de si; ou o homem comanda suas paixões e obtém a paz, ou se deixa subjugar por elas e se torna infeliz”, explica o professor.

Nascimento de venus

O Nascimento de Vênus, por Alexandre Cabanel, 1863 (Créditos: Wikicommons)


A indústria do sexo x a indústria da castidade
A briga é grande. O sexo está presente na nossa cultura popular e na mídia o tempo todo. A sexóloga Marilza Rodrigues comenta que se o sexo fosse tratado com menos tabu na nossa sociedade, a exploração do tema de modo vulgar não teria tanto espaço, uma vez que as pessoas conheceriam melhor seus corpos e como e o que lhes dão prazer.
Marilza ainda explica que explorar a sexualidade é uma decisão social-política-econômica-religiosa. “Tem épocas de modismos e de emancipação. É uma maneira de controlar o outro, mas é também uma decisão individual. Além disso tem uma falta de conhecimento sobre o tema da sexualidade, que é muito plural e ampla. Quase não se fala sobre a orientação para o prazer durante o sexo e se foca muito nas condições biológicas. O sexo é anterior ao amor, anterior ao casamento e anterior à reprodução”.
Se, por um lado, o sexo é explorado pela indústria cultural, a indústria da castidade também tem seus lucros. A página “Eu escolhi esperar”, no facebook, tem mais de 3 milhões de curtidas, uma loja online que comercializa camisetas, livros, pulseiras, cordões, chaveiros e aceita cartões de débito e crédito. Se você quiser convidar para o seu evento, o líder do movimento e criador da página, Neto Nelson Junior, se apresenta em seminários  de coaching para adolescentes, jovens, empreendedores e casados, apresentando temas como carreira, ministério, empreendedorismo e inteligência relacional.
O celibato vai acabar?
A castidade e o celibato não são princípios que a Igreja têm discutido quanto à manutenção. Embora o Papa Francisco já tenha se pronunciado sobre o assunto, em 2014, afirmando que o celibato não é um dogma da Igreja, e que “a porta está sempre aberta para discutir o tema”. A motivação para o anúncio de Francisco foi conforme fonte, uma carta escrita por um grupo de 26 mulheres, que vivem ou viveram uma relação com um sacerdote e que pretendem fazê-lo às claras.

Papa Francisco acena para fiéis (Créditos: Wikicommons)


Mas Francisco enfrenta os conservadores. Os opositores ao argentino temem que seu espírito de renovação divida a Igreja ou até que a destrua. Alegam que as reformas põem em causa a crença de que as verdades da Igreja são intemporais. No governo estadunidense do presidente Bush, o diretor da divisão de Administração para Crianças e Famílias (ACF, na sigla em inglês), Jeff Trimbath, afirmou que as crianças nascidas fora do casamento são um problema para o Estado.
Explica Jeff, em entrevista, que muitas vezes essas crianças acabam abandonadas e o Estado é responsável por ir atrás do pai, estabelecer a paternidade com testes de DNA caros e coletar dinheiro para a educação da criança até que ela complete 18 anos. “Isso tudo custa bilhões de dólares todos os anos ao governo. Portanto, nosso programa [que divulga sobre o princípio da castidade] existe porque é necessário, e não simplesmente porque acreditamos que é melhor para os jovens que eles se mantenham virgens até casar”, completa.
Por outro lado, a igreja se vê perdendo cada vez mais pastores e rebanho. Segundo o Censo do IBGE de 2010, pouco mais de 85% da população brasileira se declara cristã: são 166 milhões de pessoas que se declaram católicas ou evangélicas. Os dados demonstram que a população de católicos no Brasil vem diminuindo ao longo dos anos. Em 1940, 95,2% dos brasileiros se declaravam católicos. Em 2010 este número caiu para cerca de 65%. Já a população de evangélicos cresceu de de 2,6%, em 1940, para 22% em 2010.
Dados do Anuário Pontifício, de 2017, indica que enquanto em 2010 existia um sacerdote para cada 2.900 fiéis católicos, em 2015 este número sobre para 3.091. Nas Américas o número é ainda maior, a relação católico/sacerdote supera as 5.000 unidades.
A revisão do voto é reivindicada por religiosos como o bispo austríaco Dom Erwin Kautler, responsável pelo Prelado do Xingu, no Pará, que defende que este seja mais flexível, mas não extinto. Uma de suas justificativas está na queda do número de sacerdotes à disposição da Igreja, inclusive na do Xingu.
Explica Dom Erwin, “o que muitos bispos querem, e sou um deles, é propor outro tipo de sacerdote ao lado do tradicional. E tomar uma posição em favor de comunidades como as da Amazônia, que praticamente estão excluídas da Eucaristia. Quem optar pela vida celibatária tem todo o direito de fazê-lo. E há inúmeras pessoas, tanto homens e mulheres, que fazem essa opção e são felizes”, afirmou o bispo em entrevista. O celibatário é dispensado em Igrejas como a Anglicana, Luterana ou Ortodoxa do Oriente.
Em defesa do celibato
Se há oposição à questão celibatária e sua exigência por parte da Igreja, há quem defenda o voto. De acordo com o Padre Anderson Luís Ribeiro, de Cordeirópolis, no interior do Estado de São Paulo, o problema está justamente em conseguir compreender e viver o celibato. “Acontece que quando não há a possibilidade de uma doação e uma dedicação total à Igreja, o serviço fica falho”, comenta.
Padre Anderson, que vê a renúncia à constituição de um casamento e de uma família própria como algo positivo para tanto para os religiosos e como para os fiéis. “Eu defendo a questão do celibato pelo fato de conseguir compreender essa ferramenta como uma ferramenta de elevação espiritual humana e também psicológica que me faz um ser humano melhor. Também o defendo pelo fato de poder me dedicar com exclusividade à Igreja.”
O Padre ressalta que o celibato é vivido “no exemplo e na pessoa de Jesus Cristo” e que o padre ou o bispo agem “in persona Christi (na pessoa de Cristo)” e lembra que o clero, junto com o povo, forma a Igreja, esposa de Cristo. Os “filhos gerados pelos padres, não pelo sangue e pela carne, mas pela fé” ajudam a formar a “grande família que é a Igreja”.
A questão do voto celibatário é, para o Padre Anderson, vista de maneira superficial pela sociedade. “As pessoas nos dias de hoje procuram apenas prazeres momentâneos e uma superficialidade. O voto de celibato é uma renúncia em prol de algo muito maior, então também consigo enxergar que eu não reduzo minha existência humana enxergando apenas minha dimensão sexual, eu tenho várias outras dimensões e aspectos físicos que não se restringem apenas ao celibato. Tenho a dimensão intelectual, a dimensão social e tantas outras dimensões e entre elas a dimensão sexual.” Na visão dele, essa renúncia permite uma elevação espiritual e intelectual como ser humano, expandindo a maneira de enxergar as coisas, deixando a superficialidade e chegando a algo mais profundo.
Padre Anderson continua, “há também o problema que enxergo hoje que a humanidade está muito extremista e egoísta. Se eu fosse casado não poderia me dedicar à Igreja da forma como me dedico hoje e, com toda certeza, se eu tivesse esposa e filhos, geraria um ciúmes e eu não poderia ou teria a mesma disponibilidade de mudar de cidade ou de paróquia como tenho hoje. Prejudicaria o atendimento aos fiéis visto que teria que me dedicar ao meu trabalho, à minha família e a Igreja seria terceira opção. Defendo o celibato como uma forma de dedicação e exclusividade ao serviço da Igreja”, afirma.
O que pensam os fiéis
A visão dos fiéis é dicotômica. Para Bruna Camargo, 21 anos, mesmo o mais devoto dos fiéis deveria ter a liberdade de escolher o que deseja na vida. “Fazê-los escolher entre a Igreja e uma companhia não parece certo em uma religião que se diz firmada pelo amor. Não tenho conhecimento o bastante para opinar sobre a necessidade do celibato, mas talvez a liberdade amorosa concedida aos padres alivie evasões da Igreja e humanize as figuras católicas”.

Entre os fiéis as opiniões divergem (Créditos: Pixabay)


Bruno Francisco, 28, não é religioso, mas acredita que os padres deviam ter o direito de escolher onde e com quem casar. “Acho que a religião é pra deixar as pessoas felizes e não reprimi-las”, completa. Para a fiel Marinac Porfírio, 60 anos, falar é diferente de fazer e, por o padre não ser casado, é muito mais difícil aconselhar quanto às questões conjugais e filhos.
Do lado mais crítico, Ariely Fonseca, 20 anos, argumenta que a questão é mais financeira que espiritual. “A igreja proibiu os padres de se casarem para não ter que dividir os bens com os herdeiros. Assim, criaram toda a atmosfera pecaminosa em volta do sexo. Eu, particularmente, acho que atividades sexuais são uma necessidade fisiológicas e que reprimir a sexualidade de uma pessoa é algo que não dá muito certo, como vemos há séculos acontecendo na Igreja. Além disso, acredito que a santidade e a bondade dos padres não seriam afetadas por eles terem parceiros ou parceiras”, afirma.
Pela defesa do celibato, Waleska Freitas, 24 anos, diz que faz muito sentido tais como os atos de jejum, celibato ou outras abdicações trazem benefícios espirituais para a pessoa que o pratica. Haroldo Amaral, 70 anos, explica que o celibato está mais relacionado aos fiéis da comunidade que são as famílias na Igreja para o qual o sacerdote se propôs a dedicar e não dar prioridade à sua família em caso de casamento.
Para Pedro Santoro, 30, depende do papel que um sacerdote católico assume. “Segundo a dogmática, sendo um líder comunitário e referência de fé, faz sentido a instituição do celibato. Mas ao mesmo tempo entendo que a repressão de desejos e da sexualidade não é algo que ajuda a construir uma pessoa equilibrada para exercer essa função, algo que fica claro com a quantidade de sacerdotes com patologias sexuais. O fato é que a vocação, religiosamente atribuída como dom, ou simplesmente por uma predisposição de personalidade, permite que alguns sigam a vida em celibato sem tanta repressão. Na minha percepção, o problema principal é a sociedade conservadora e repressora dos desejos e da sexualidade fazer com que muitos jovens religiosos recorram à vida clerical como forma de se purificar e “curar” o “pecado” que habita neles”, finaliza.

Redação

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