Estudos apontam que 9,3% da população brasileira vive em condições precárias de moradia.
Por Thabata Camargo e Matheus Araujo
O índice de déficit habitacional divulgado em 2015 pela Fundação João Pinheiro, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), apontou crescimento em relação aos anos anteriores. Em 2013, o número de famílias que viviam em situações precárias de habitação foi cerca de 5,846 milhões, chegando a 6.186.503 milhões em 2015. O estado de São Paulo foi o que apresentou o maior déficit, cerca de 1,306 milhão de moradias, correspondente a 8,9% do total.
O estudo tem por base quatro indicadores de precariedade nos domicílios que, de formas diferentes, violam algum aspecto do direito à moradia . Segundo o IBGE, a ocorrência de pelo menos um dos indicadores de insalubridade residencial ocorre em maior frequência entre famílias com rendimento orçamentário abaixo de 5,5 dólares por dia. Entre os indicativos, o adensamento excessivo – domicílios que possuem mais de três moradores por dormitório – é o que aparece com maior porcentagem, 5,7%; seguido pelo gasto excessivo com aluguel (onde o valor pago pelo aluguel do imóvel se iguala ou ultrapassa 30% da renda domiciliar declarada), com 4,6%. As demais condições de precariedade aparecem com menos expressividade, domicílios construídos a partir de bens não duráveis e sem banheiros de uso particular representam apenas 1,7% e 1,2%, respectivamente, do total do déficit habitacional.
Para além da problemática das moradias precárias, existe um número extenso da população vivendo em situação de rua, sendo, neste caso, completamente negado o direito do cidadão à moradia. O cálculo do índice de déficit habitacional não engloba domicílios improvisados (ou seja, todos os locais sem fins residenciais e lugares de moradia alternativa – praças, embaixo de pontes e viadutos, etc.) e pessoas em situação de rua.
A carência de infraestrutura básica – saneamento básico, coleta de lixo e abastecimento de água por rede – é outro dado alarmante em relação à questão da moradia, principalmente em ambiente urbano. Em 2016, quase 38% da população, mais de 77 milhões de brasileiros, sofria com a falta de pelo menos um desses três itens, comprometendo suas condições de saúde e higiene.
Em estudo da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), encomendada pela Prefeitura de São Paulo, constatou-se um crescimento contínuo da população em situação de rua. Dados de 2015 apontavam 15.905 pessoas vivendo nessas condições, um aumento de 82,7% em relação a 2000.
Em contradição à falta de moradia e insalubridade habitacional, o Brasil tem um montante considerável de edifícios vagos com potencial de ocupação. São cerca de 6.893 milhões de imóveis em condições de permanência, sendo 80% deles localizados em áreas urbanas, o sudeste é a região com maior percentual de domicílios vagos, 38,9% do total.
Segundo a Fundação João Pinheiro, esses imóveis disponíveis seguem desocupados porque, em sua maioria, não atendem ao perfil do consumidor de baixa renda que precisa ser alocado prioritariamente.
Com o discurso inicial de diminuir o déficit habitacional brasileiro, foi criado em 2009 o Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), do governo federal em parceria com os governos municipais.
Ao mesmo tempo em que oferta moradias sociais subsidiadas pelo governo para famílias com renda mensal de até três salários mínimos, o MCMV apresenta paralelamente uma abordagem mercadológica: a ideia é conceder crédito para duas outras faixas salariais com maior poder de compra – entre três e seis salários mínimos e entre seis e dez salários mínimos – para facilitar a aquisição desses imóveis.
Nas obras focadas na Faixa 1 de compra – renda mensal de até três salários mínimos -, o governo repassa até 90% do valor do empreendimento para as construtoras, o restante é quitado em prestações pelos beneficiados pelo programa.
Às Faixa 2 e 3 contempladas pelo MCMV – entre três e seis salários mínimos e entre seis e dez salários mínimos mensais, respectivamente – são ofertadas empréstimos subsidiados pela Caixa Econômica Federal.
Para Gabriela Lanza, cientista social especializada em Políticas Públicas, a decisão pela compra de um imóvel tem caráter tanto econômico quanto afetivo. “A compra de uma casa possui diversos significados. Pode simbolizar um investimento econômico, como a formação de um patrimônio; e pode ser também um investimento social, formação de uma nova família, independência financeira, possibilidade de saída do aluguel.”
Dados do Ministério do Planejamento mostram que de 2009 a 2015, o Programa Minha Casa Minha Vida já havia entregue 3.857 milhões de unidades residenciais. Entre as unidades contratadas, 39% delas foram para a população Faixa 1, 49% Faixa 2 3 12% para a Faixa 3.
O Brasil possui um mercado imobiliário que não engloba toda a população, os baixos salários e a desigualdade social impossibilita o acesso à moradia para muitos brasileiros. O resultado é a migração da população que possui menos capital para as periferias, áreas de risco, comunidades carentes de infraestrutura, afetando de forma substancial sua qualidade de vida.
Qualquer terreno em que os moradores não possuem título de posse ou áreas onde os imóveis são distribuídos sem ordem e sem acesso aos serviços básicos são considerada s áreas irregulares.
O Instituto Pólis, ONG fundada em 1987 que atua na construção de cidades sustentáveis, define em um estudo o que são áreas ilegais no Brasil. Confira no infográfico abaixo:
O déficit habitacional da cidade de São Paulo, número que leva em conta o total de famílias em condições de moradia inadequada, está em torno de 358 mil. São cerca de 1,2 milhão de pessoas morando em situação precária. Além disso, segundo a Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento, o número de imóveis que estão abandonados, subutilizados ou não são edificados é de 1385 (708 vazios, 220 subutilizados e 457 não edificados).
A ausência de políticas voltadas às moradias irregulares na capital resulta no crescimento de movimentos que lutam pela causa: são aproximadamente 150 entidades. Entretanto, alguns desses não representam nenhum movimento social, podendo atender a interesses de políticos ou estarem atrelados ao tráfico de drogas.
O exemplo mais recente é o do edifício Wilton Paes de Almeida, que desabou no dia 1º de maio após um incêndio na República, região central da cidade. Os moradores do prédio relataram ao jornal Estado de S. Paulo que pagavam uma espécie de aluguel ao Movimento Luta por Moradia Digna (MLMD), valor que poderia chegar até R$ 500. O Corpo de Bombeiros informou que pelo menos 120 famílias moravam irregularmente no imóvel.
A tragédia chamou atenção para a ocupação de imóveis por movimentos e famílias sem teto. Segundo dados da Prefeitura, há aproximadamente 70 prédios ocupados na região central da capital, com cerca de 4 mil famílias morando neles. Esse abandono é resultado de um processo de “descentralização”, que acontece desde a década de 1970, quando o mercado imobiliário passou a valorizar outras áreas que não o centro de São Paulo. Houve então um êxodo da classe alta para essas outras regiões, e com isso a região central foi sendo deixada de lado, tornando-se um local mais comercial.
A luta por moradia ganhou força na década de 1980, quando os movimentos se juntaram com outras instâncias, como sindicatos, organizações não governamentais e universidades para ampliar a luta de direito à moradia para a luta pelo direito à cidade. Com isso, foram articulados movimentos como a União Nacional por Moradia Popular (UNMP) e o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), mais estruturado e conhecido.
Dentre as conquistas dos movimentos, algumas das mais importantes foram a inclusão do direito à moradia como um direito social fundamental na Constituição Federal do Brasil, no ano de 2000, e a aprovação do Estatuto da Cidade, em 2001.
Em 2002, com a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que trouxe políticas voltadas às classes mais desfavorecidas, o cenário melhorou aos poucos. Em 2004 o Programa Crédito Solidário foi criado, sendo o primeiro programa federal voltado à autogestão habitacional. Em 2008 é lançada a Ação de Produção Social da Moradia. E, em 2009, é criado o Programa Minha Casa Minha Vida Entidades, um dos maiores programas da época, que ajudou milhares de famílias brasileiras. Como resultado da implementação destes programas, é possível identificar, desde 2005, conquistas de habitações lideradas por associações, cooperativas e grupos populares, em boa parte dos estados brasileiros.
Nos últimos anos, as conquistas desses movimentos sociais estão relacionadas à construção e consolidação de políticas públicas afirmativas, justas e democráticas, e também à elaboração de políticas de democratização do direito à cidade.