Agricultura familiar, principal fonte de alimentos no Brasil, pode contar com técnicas simples, criativas e acessíveis que ajudam a melhorar o cultivo
Por Camila Gabrielle e Leandro Gonçalves
O Centro do município de Bauru, localizado no interior de São Paulo, é o cenário de feiras convencionais ao ar livre, nas quais são comercializados diversos alimentos que provém de agricultores familiares. Uma delas é Eneida Muniz Carrasco, 54, que aos domingos e quintas-feiras comercializa diversos produtos orgânicos cultivados por ela, seu esposo e os dois filhos.
Produtora de hortaliças há 25 anos, Eneida mantém uma pequena propriedade rural que figura como um dos mais de 4 milhões de estabelecimentos de agricultura familiar no país, segundo o Censo Agropecuário de 2006, levantamento de dados mais recente sobre o setor.
“Algumas pessoas pensam que é fácil fazer agricultura familiar. Ser agricultor é um desafio, sem brincadeira. Você tem que entender da terra, ter dinheiro para sustentar uma produção e tem que ganhar o suficiente para sustentar seus filhos dentro de uma mesma terra, todo mundo trabalhando em conjunto. E fora isso, você não tem estrutura nenhuma dentro do sítio. O agricultor tem que cuidar da própria água, do esgoto, do lixo… É um trabalho lindo, mas muito difícil”, explica Eneida.
De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), a agricultura familiar produz cerca de 70% de todos os alimentos consumidos no país, correspondendo a 35% do Produto Interno Bruto (PIB). E não apenas no Brasil. Dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) demonstram que 9 a cada 10 propriedades agrícolas são conduzidas pela agricultura familiar e produzem cerca de 80% dos alimentos consumidos no mundo.
Infográfico: Camila Gabrielle
A Lei nº 11.326/2006 institui que agricultores familiares são pessoas que têm uma propriedade de até quatro módulos fiscais, realizam atividades no meio rural cuja mão de obra é da própria família e a renda vem do estabelecimento e empreendimento, que pode ser feita por parentes. Silvicultores, aquicultores, extrativistas, pescadores, indígenas, quilombolas e assentados da reforma agrária também entram nesta classificação.
Ainda de acordo com o Censo Agropecuário de 2006, a agricultura familiar é a base econômica de 90% dos municípios brasileiros com até 20 mil habitantes, sendo responsável por 40% da população economicamente ativa. Este setor faz parte da família, da cultura local e tem influência na relação com a terra.
Um dos apoiadores do setor é o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). O objetivo do programa, segundo o site da organização, é “promover o desenvolvimento sustentável da agricultura familiar. Por meio dele, agricultores familiares podem acessar várias linhas de crédito de acordo como sua necessidade e o seu projeto. Podem ser projetos destinados para o custeio da safra, a atividade agroindustrial, seja para investimento em máquinas, equipamentos ou infraestrutura.”
Apesar de tamanha importância do setor, a previsão da Lei Orçamentária Anual (LOA), em 2018 foi o corte de R$ 4,3 bilhões nos recursos destinados às políticas direcionadas aos trabalhadores rurais. Este número é 35,4% menor em comparação ao orçamento de ano passado. Os dados são da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag).
Mesmo assim, o setor merece ser valorizado e reconhecido como fundamental para a produção da alimentação consumida no país. Por isto, é fundamental que cada vez mais pequenos produtores adotem em suas plantações tecnologias simples, criativas e acessíveis, que visem melhorar sua produtividade sem causar danos ao meio ambiente.
Adubação verde
Recurso natural indispensável para atividades agrícolas e fruto de processos gradativos, o solo é um elemento renovável. Tendo em vista seu papel fundamental na produção de alimentos, torna-se indispensável ao produtor adotar práticas e métodos de preservação deste recurso, mantendo-o fértil e produtivo. Isto torna a lavoura uma fonte de renda duradoura e sustentável.
A adubação verde aumenta os nutrientes do solo e o protege de erosões/ Foto: Pixabay
Dentre algumas medidas de cuidado com o solo destaca-se a adubação verde, método de cultivo rotativo ou simultâneo de culturas comerciais e plantas produtoras de matéria orgânica, altamente nutritivas, como leguminosas. As plantas do “adubo verde” liberam nitrogênio no solo.
A substância, elemento essencial no processo de fotossíntese e síntese de proteínas, torna a terra mais nutritiva e, dessa forma, fortalece o crescimento, desenvolvimento e reprodução das plantas cultivadas. De maneira simplificada, o adubo verde alimenta o solo de nutrientes que serão reaproveitados por toda a plantação – assim, o produtor poderá reduzir gasto com uso de fertilizantes nitrogenados sintéticos.
A adubação verde também evita erosões e possibilita ao solo uma maior retenção da água, tornando-o, inclusive, capaz de inibir pragas e doenças nocivas ao plantio. “Este método utiliza o solo visando sua melhoria e não apenas sua exploração”, reforça e engenheira agrônoma Brenda Pinheiro.
Integração Lavoura Pecuária
Este sistema, de acordo com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), consiste na “exploração de atividades agrícolas e pecuárias, de forma integrada, em rotação ou sucessão, na mesma área e em épocas diferentes, aumentando a eficiência no uso dos recursos naturais, com menor impacto sobre o meio ambiente, uma vez que os processos de degradação são controlados por meio de práticas conservacionistas.”
A integração lavoura-pecuária une a produção animal com a vegetal/ Foto: Leandro Gonçalves
Este sistema proporciona a redução da emissão de poluentes atmosféricos, hídricos e de geração de contaminantes do solo. A diversificação da produção, possibilita o aumento da eficiência na utilização dos recursos naturais, a preservação do meio ambiente, a estabilidade de produção, aumento e diversidade de renda do produtor.
De acordo com Brenda Pinheiro, este sistema “integra os benefícios tanto de uma prática quanto a outra, explorando o potencial daquela área, como a reciclagem dos nutrientes. Os compostos orgânicos da pecuária servem de adubação para as plantas que podem servir como suplementação animal além de gerar um sombreamento na área, melhorando o conforto térmico animal.”
Apesar dos benefícios e de ser acessível e rentável financeiramente, Brenda comenta que nem todos os pequenos produtores utilizam esses métodos, por falta de orientação ou mesmo porque não conseguem ver os benefícios a curto prazo.
Irrigador Solar
Ele não usa energia elétrica. Pode ser feito com materiais recicláveis como garrafas PETs, por exemplo. Utiliza a luz do sol. Este é o irrigador solar, destinado a pequenos produtores que desejam irrigar pequenas áreas pelo método do gotejamento, por meio de um aparelho econômico, simples e eficiente.
Um dos grandes desafios da agricultura nos dias de hoje é utilizar pouca água. O método do gotejamento,além de contribuir para a conservação da água e energia, proporciona aumento da qualidade e rendimento da produção, economia de insumos e apresenta também eficiência em solos pesados e com taxas reduzidas de infiltração.
Devido a importância deste método, o projeto do irrigador foi desenvolvido por Washington Luiz de Barros Melo, físico e pesquisador da EMBRAPA/ Instrumentação. O equipamento criado consiste em uma garrafa pintada de preto que é emborcada sobre outra garrafa com água. O sol, ao incidir sobre a garrafa escura expande o ar em seu interior, que empurra a água do recipiente para baixo, levando-a para uma mangueira fina que goteja a água para plantação.
Washington Luiz de Barros Melo, criador do irrigador solar, explicou a importância deste aparelho durante a visita dos alunos de jornalismo da Unesp-Bauru e USC/ Foto: Leandro Gonçalves
De acordo com o engenheiro agrônomo Elenilson Sguizzato, este equipamento “entrega ao produtor um método de irrigação mais eficiente, quando comparado a outros , além de utilizar uma forma de energia sustentável. A técnica se aplica a pequenas propriedades de hortaliças de forma eficiente.”
Se você se interessou por esta tecnologia e quer saber outras informações sobre a montagem e os materiais, acesse:https://www.youtube.com/watch?v=QwBneVEyyBE
Controle biológico
Método sustentável por não utilizar inseticidas ou outras substâncias sintéticas, o controle biológico consiste na utilização de inimigos naturais para controle de pragas nas lavouras.
Ou seja, podem ser utilizados insetos, fungos ou outros agentes como instrumentos capazes de controlar organismos vivos que causam danos à produção. Tal método, baseado na dinâmica natural proposta pela cadeia alimentar, permite controlar pestes e doenças onde nem mesmo produtos químicos conseguem ser efetivos.
Para exemplificar o funcionamento do controle biológico de pragas, o cultivo de hortaliças folhosas – tais como o alface, almeirão, couve e repolho, por exemplo, dentre outros vegetais comuns à mesa do brasileiro – popular entre produtores familiares, são alvos de artrópodes-praga que causam danos e prejuízos, mas que podem ser combatidos por outros seres vivos.
Insetos sugadores, como pulgões e moscas brancas, são algumas das pragas que podem atingir os cultivos de hortaliças para se alimentar da seiva, interferindo assim no crescimento da planta e desenvolvimento do fruto, além de promover a transmissão de doenças, como viroses. Estes insetos podem ser combatidos por joaninhas, – no caso dos pulgões, aquelas conhecidas pela coloração vermelha sem manchas – , sirfídeos (seres semelhantes à abelhas e vespas) e aranhas, além de parasitas.