De acordo com o último censo do IBGE, o Brasil possui 45 milhões de pessoas com deficiência, o que representa 24% da população nacional. Apesar disso, as cidades ainda não são totalmente acessíveis e essas pessoas ainda sofrem com preconceito da sociedade. Uma forma de dar visibilidade a essa causa é o esporte, que pode ser uma ferramenta de inclusão social e de mudança de paradigma, trazendo um novo olhar para as pessoas com deficiência. O Brasil tem uma boa performance no esporte paralímpico, ficando na oitava colocação nas Paralímpiadas de Verão do Rio 2016.
O esporte paralímpico se desenvolveu depois da Segunda Guerra Mundial, num contexto em que muitos soldados voltaram mutilados da guerra e precisavam de auxílio para a reabilitação e reinserção social. Em 1964 foi criada a Organização Internacional de Esportes para Deficientes (ISOD).
Os Jogos Paralímpicos foram organizados pela primeira vez em Roma, na Itália, em 1960. Em 1976, a competição contava com quarenta países. Em 1992 os jogos aconteceram em Barcelona, na Espanha, pela primeira vez com o apoio dos comitês organizadores dos Jogos Olímpicos. A partir disso, são organizados a cada 4 anos, junto com as Olimpíadas. A próxima acontecerá em Tóquio, em 2020.
Na cidade de Bauru-SP, existem projetos que promovem e incentivam a prática de esportes por pessoas com deficiência. O trabalho dessas instituições vai desde o ensino dos esportes até os treinos pesados para participação em competições de nível regional a internacional, tendo atletas bauruenses que são medalhistas em importantes competições.
Em setembro de 2011 foi inaugurada a Praça Paradesportiva em Bauru. O ambiente já existia mas foi reformado e adaptado. Todas as barreiras físicas a partir da rua foram eliminadas e a parte interna do local não conta com obstáculos arquitetônicos. Foram colocadas rampas para cadeirantes, piso tátil para deficientes visuais, corrimão com duas alturas distintas e plaquetas com informações em braile. O piso das quadras também recebeu um revestimento especial que facilita a locomoção. Além disso, a tabela de basquete é móvel, possibilitando fácil manipulação de ajuste e altura.
Localizada na quadra 5 da Avenida Nuno de Assis, a Praça Paradesportiva conta semanalmente com prática de bocha em cadeira de rodas às sextas-feiras (18h30) e tênis sobre cadeira de rodas aos sábados (8h). Além disso, é aberta à pessoas de todas as idades, com ou sem deficiência.
Em entrevista para o Jornal da Cidade na época da inauguração, Fábio Manfrinato, que era assessor de acessibilidade da Empresa Municipal de Desenvolvimento Urbano e Rural de Bauru (Emdurb), contou sobre os investimentos para a realização do projeto. Foram investidos R$ 1,6 milhão provenientes da Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência e R$ 27.422,61 provenientes da Prefeitura de Bauru, além da doação do terreno de 3.500 metros quadrados.
Em junho de 2016, Bauru recebeu a Olimpíada Especial pela primeira vez. A competição contou com cerca de 120 atletas com deficiência intelectual nas modalidades atletismo e natação. O evento foi trazido para a cidade pelo Lions Clube em parceria com a Special Olympics, uma organização global sem fins lucrativos que visa promover a inclusão de pessoas com deficiência intelectual na sociedade por meio do esporte. O campeonato possui algumas adaptações para proporcionar que todos participem e os atletas são separados por tipo e grau de deficiência, estabelecendo uma disputa mais igualitária.
A fundação tem como missão proporcionar treinamento e competições esportivas durante todo o ano em diversas modalidades olímpicas. No Brasil há 11 modalidades esportivas: águas abertas, natação, atletismo, basquete, bocha, futsal, ginástica rítmica, judô, tênis de campo, tênis de mesa e vôlei de praia.
Em edições anteriores, dois alunos da Unesp de Bauru foram classificados para participarem da competição estadual e nacional: Lívia Maria Esia Abreu e Carlos Eduardo Gavaldão. A aluna Lívia foi sorteada para também representar o Brasil na edição mundial que aconteceu na Nova Zelândia. Em 2018, a competição nacional aconteceu no mês de abril em Suzano-SP e a fase internacional acontecerá em 2019 em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes.
Em março de 2017 a cidade de São Paulo sediou os Jogos Parapan-Americanos de Jovens, com disputas em 12 modalidades: atletismo, bocha, futebol de 5, futebol de 7, goalball, halterofilismo, judô, vôlei sentado, natação, tênis de mesa, basquete em cadeira de rodas e tênis em cadeira de rodas. Essa foi a 4° edição do evento e contou com cerca de oitocentos atletas de 13 a 21 anos, vindos de 19 países. Foram convocados 172 atletas brasileiros, sendo 3 deles bauruenses:
No evento, Lucas Grilo conquistou a medalha de bronze ao vencer seu rival chileno, Marcelo Saavedra, por 3 sets a 1. As outras edições dos Jogos Parapan de Jovens foram sediadas pela Venezuela (2005), Colômbia (2009) e Argentina (2013). A próxima edição acontecerá em 2021, mas o país ainda não foi anunciado.
Em abril deste ano, a Comissão de Esportes do município se reuniu com o novo titular da Semel, Vanderlei Mazzuchini Junior, para tratar de políticas públicas na área do esporte em Bauru. Na reunião, foi levantada a importância de um plano de ação no paradesporto. O presidente da comissão, Fábio Manfrinato, afirmou que apesar da conquista paradesportiva, não houve nos últimos anos a criação de estratégias para fortalecer esses projetos.
Apesar de tantas conquistas em campeonatos, os atletas não começaram a treinar para ganhar ou serem vistos, mas por algo muito mais simples: qualidade de vida. A melhora física e mental é perceptível para todos eles, Carlos Eduardo, o Cadu, conta que quando conheceu por acaso a ABDA, não sabia nadar. Mas hoje, após levar 1 ouro, 1 prata e 2 bronzes em sua primeira competição e 5 ouros na segunda, perdeu 7 quilos e não toma mais nenhum medicamento. A ansiedade, rinite, asma e dificuldade para dormir foram embora.
Glauciene Martino Ribeiro, de 49 anos, era atleta de saltos ornamentais, mas devido a uma patologia no sistema nervoso periférico abandonou as acrobacias para entrar na paranatação da ABDA. Nessa modalidade já chegou ao pódio 10 vezes em 2 anos. “Olha como são as coisas, até eu me surpreendi, tenho o fator idade e minha patologia e to me mantendo no ranking nacional e sou a terceira das américas. Mas eu não esperava, eu estou muito melhor agora como atleta do que antes”, conta Glauciene.
O objetivo, para esses atletas, é mostrar a si mesmo do que eles são capazes “a minha briga na água é com a minha patologia, não é com quem está ao meu lado”, diz Glauciene.
Dançando no Escuro é um projeto no qual são desenvolvidas “atividades em formato de jogos e brincadeiras, para trabalhar habilidades motoras e fundamentos rítmicos e gímnicos, sempre adaptadas para todos os participantes poderem experimentar.” Tudo isso com o objetivo de proporcionar conhecimentos positivos nos âmbitos motores e psicossociais a todos os participantes. Assim, é possível valorizar o indivíduo, tentando proporcionar independência e autonomia.
O projeto surgiu em 2016 como uma proposta de estudos em atividades rítmicas e expressivas para pessoas com deficiência visual na Unesp Bauru. Em 2017 teve uma pausa devido à falta de verba e dificuldade de apoio, mas as pesquisas na área continuaram. Em 2018, foi retomado com a ampliação da proposta para atender pessoas de qualquer sexo, gênero, idade, sendo pessoa com deficiência ou não.
Susel Lopes, uma das idealizadoras do projeto afirma que o principal problema enfrentado é o transporte até o local das aulas (Departamento de Educação Física da Unesp Bauru – DEF). Ao entrar em contato tanto com os órgãos públicos quanto com as empresas privadas, as solicitações de ajuda com o transporte geralmente são negadas: “a justificativa se repete: é a crise.”
As aulas são ministradas de segunda-feira das 9h às 11h, geralmente na Sala de Dança do DEF. O projeto conta com atualmente 12 participantes, mas oferece 30 vagas para a comunidade. Os interessados podem entrar em contato pela página do projeto no Facebook. A ideia desse primeiro contato é conhecer a pessoa para adequar a aula à participação dela, caso seja necessário.
O Goalball é a única modalidade paralímpica que não foi uma adaptação de um esporte convencional, e sim desenvolvido exclusivamente para pessoas com deficiência visual. O esporte é praticado nas dimensões das quadras de vôlei e o objetivo é fazer gol, que ficam nas extremidades da quadra. As partidas possuem dois tempos de doze minutos, com três minutos de intervalo. As marcações são feitas em relevo para que os atletas possam tatear a quadra deitados e a bola do Goalball possui um guizo para indicar a sua direção para os atletas. Como é um esporte baseado em percepções táteis e auditivas, ao longo da partida não pode haver nenhum barulho com exceção do momento entre o gol e o reinício da partida e durante as paradas oficiais. A seleção brasileira masculina é a atual campeã mundial na modalidade.
Em Bauru, o Goalball é praticado no Ginásio Poliesportivo da Praça de Esportes da Unesp em um projeto de extensão coordenado pela professora Marli Nabeiro que conta com a ajuda de mais 4 estudantes do curso de Educação Física. A professora relata que começou com o projeto em 2012 e que atualmente possui um time feminino e um masculino. A atleta Fernanda Oliveira, 36 anos, afirma que buscou o esporte para melhorar sua qualidade de vida e que hoje encontrou outras razões para frequentar os treinos. “O que me motiva são os colegas e também os professores que nos incentivam bastante, que mostram pra gente a importância do exercício físico e que o esporte faz bem, ainda mais o esporte adaptado para nós, deficientes visuais”, diz ela
A coordenadora do Projeto, Marli Nabeiro, aponta que faltam atividades voltadas para os deficientes visuais e que essa questão a incentiva a seguir com o projeto. “Você percebe a capacidade que eles têm e que, infelizmente, não é desenvolvida. Então o que mais me estimula é dar a possibilidade deles desenvolverem a capacidade que eles têm. E não é só motora, apesar de eu trabalhar mais com a motora, a gente vai desenvolver todas as capacidades” conclui Marli. O time de Goalball de Bauru coordenado pela professora vai participar do 2º Torneio de Goalball de Limeira no dia 25 de agosto.
E você? Já ouviu falar de todas essas medalhas conquistadas nos esportes Paralímpicos? É de se questionar porque não há divulgação desses resultados na mídia. A falta de visibilidade de pessoas com deficiência faz com que haja menos adesão nos treinos por falta de conhecimento e de reconhecimento público. “O esporte paralímpico não tem visibilidade. Por exemplo, nos jogos regionais ficamos em primeiro lugar como equipe no feminino e segundo lugar como equipe no masculino. Ganhamos em todas as provas que entramos e o máximo que deu foi uma manchetinha de jornal minúscula. Tem que ser mais divulgado”, ressalta Cadu.
Aquilo que não é visto, não é lembrado e os atletas se questionam porque o sucesso do esporte paralímpico no país não é mostrado. “Quanto mais divulgação, melhor. Para que as pessoas venham procurar, conhecer e que venham aprender com a gente. Assim, ajuda com que o preconceito diminua e os nossos direitos sejam cumpridos, mantidos e respeitados”, afirma Glauciene.
Para a treinadora de paranatação Rayssa Cappelin, falta apoio tanto da sociedade quanto da família para a pessoa com deficiência praticar esportes. “Falta incentivo da família. O deficiente não precisa ficar escondido na casa dele. Não é porque ele não anda que ele não é bom em outras coisas, que ele não é campeão. Ele é mais campeão do que muita gente”, ressalta Rayssa.
O professor de Educação Física Milton Vieira do Prado Júnior acredita que com maior divulgação, as pessoas passariam a enxergar a pessoa com deficiência sem dó, mas como pessoas eficientes no que fazem. “É aquilo de ter uma visibilidade social, a pessoa olha o cara lá ganhando 10 medalhas e fala: ‘Nossa, quem é esse cara?’ e quer conhecer. Ela não está mais olhando o deficiente com dó porque ele é muito eficiente na área que ele está”, afirma o professor.
Glauciene se sente feliz com as mudanças que o esporte e a ABDA lhe proporcionou. “Aqui somos tratados como atleta, respeitados como atleta e cobrados como atleta, independente da limitação de cada um”, conta. Para Rayssa, o treino é como qualquer outro, só que cada atleta tem um direcionamento específico para melhor atender suas necessidades. “Eu falo que eles são melhores do que eu. Porque tudo que eu consigo fazer, eles também conseguem, às vezes sem um braço, ou sem uma perna, ou sem visão”, diz.
Para o professor Milton, a legislação é clara: “Só há uma: inclusão. Cada um deve se adequar da maneira que for”, mas, infelizmente, não é cumprida.
O maior incentivo público recebido vem do âmbito federal, com a Lei de Incentivo ao Esporte. Mas quando perguntados sobre o apoio do próprio município, os atletas são unânimes em dizer “nada”.
Segundo os entrevistados, a maior dificuldade que enfrentam não é superar seus limites diariamente, mas, sim, chegar até o treino. A mobilidade pública é bastante complicada para pessoas com deficiência, e os locais de treinamento são afastados do centro da cidade. Para eles, se houvesse um transporte adequado, já melhoraria muito a situação e atrairia mais pessoas que também necessitam das atividades para a melhora de sua qualidade de vida. As dificuldades colocadas não são pelas limitações físicas ou mentais de um indivíduo, mas pelas barreiras que a própria sociedade coloca nele.
A redação procurou a Secretaria Municipal de Esporte e Lazer para saber quais ações são tomadas sobre o esporte paralímpico e quais opções existem para o transporte público, mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem.
Cada um dos esportes abrange pessoas com patologias diversas, portanto cada desporto define sua classificação e determina o que é necessário para a sua prática. Alguns esportes conseguem reunir atletas com diferentes deficiências, como a paranatação enquanto outros se restringem à um número menor, como o Goalball, por exemplo. Todas as modalidades paralímpicas definem uma classificação funcional, determinada através de três avaliações: um exame físico, uma avaliação funcional e um exame técnico. O primeiro é uma avaliação médica que verifica a patologia do atleta. Já na avaliação funcional realizam-se testes de força muscular, mensuração de membros e coordenação motora. Por fim, o exame técnico que consiste em analisar o desempenho do atleta na modalidade utilizando as adaptações necessárias.
Já a classificação para deficientes visuais considera o grau de perda da visão e possibilidade máxima de correção. As categorias são B1, cegos totais ou com percepção de luz mas sem reconhecer o formato de uma mão a qualquer distância; B2, percebem vultos e B3, atletas que conseguem definir imagens.
De acordo com o Movimento Paraolímpico, a deficiência intelectual “é caracterizada pela limitação significativa no funcionamento intelectual e no comportamento adaptativo como expresso em habilidades adaptativas conceituais, sociais e práticas”. O exame médico é realizado deve estar de acordo com medidas internacionais reconhecidas pelo INAS (Federação Internacional de esporte para para-atletas com deficiência intelectual). As classificações específicas de cada modalidade podem ser encontradas no site do Comitê Paralímpico Brasileiro.
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