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84.206 pessoas sofreram intoxicações por pesticidas no Brasil de 2007 a 2015, sendo que 3,3% faleceram, segundo Ministério da Saúde

 
Por Larissa Cavenaghi   e Wesley Anjos
 

A comercialização e o uso de agrotóxicos no Brasil  pode sofrer mudanças nos próximos meses. Essas alterações estão sendo propostas no novo Projeto de Lei (PL) 6299/02, elaborado pelo atual ministro da Agricultura, Blairo Maggi (PP) em 2002. A proposta foi aprovada em comissão especial no dia 25 de junho deste ano por 18 votos a favor e 9 contra, e agora segue para o Plenário da Câmara.

Esse projeto, também conhecido como “PL do Veneno”, vem gerando embates entre a bancada ruralista, ambientalistas e especialistas na área da Saúde. A expectativa dos parlamentares é de que a votação seja feita apenas depois das eleições de 2018, dirigida pelo presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ).

 

O que está previsto no projeto

Embates

Quem defende o PL, como José Otávio Menten, professor de agronomia da USP  e Secretário de Defesa do Meio Ambiente de Piracicaba, afirma que ele agilizará o processo de registro de novos agrotóxicos. Isso elevaria o Brasil a patamares de concorrência maiores, fazendo com que ele produza “alimentos em grande quantidade, suficientes não só para suprir a população, mas também para atender a demanda Mundial”.

Já os combatentes da proposta, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), o IBAMA e o Instituto Nacional de Câncer (INCA), afirmam que ela pode trazer sérios riscos ao meio ambiente e à saúde nacional. Isso porque vai flexibilizar e fragilizar o processo de análise dos agrotóxicos, que será reduzido de 8 para uma média de 3 anos.

De acordo ainda com o farmacologista da Unicamp, Pedro Abreu, se aprovado, o projeto de lei pode resultar em grande crise de soberania alimentar, causada pelo uso excessivo de agrotóxicos. Esse uso, frequentemente observado nas agriculturas monocultoras, causa erosões, perda de riqueza  e capacidade de regeneração do solo, segundo Pedro.

 

Eleições 2018

Com as eleições de 2018 se aproximando, é importante saber então como os candidatos à presidência se posicionam sobre o assunto. O infográfico abaixo mostra o que eles disseram na mídia sobre o PL. Aqueles que não apareceram, não se posicionaram até o fechamento da reportagem.

 
 

Na contramão de outros países

No Brasil, incentivos fiscais como a redução de 60% do ICMS e a isenção do PIS/COFINS e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) são apresentados à indústria dos agrotóxicos todos os anos para fomentar a produção de pesticidas.

De acordo com um relatório apresentado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), em 2015, cerca de 70% dos alimentos in natura presentes na mesa dos brasileiros estavam contaminados por agrotóxicos. Desses, 28% possuíam venenos ainda não autorizados no país. Um outro estudo, divulgado pela ANVISA neste ano, apontou ainda quais os alimentos possuem maior concentração de agrotóxico, como mostra o infográfico abaixo:


 

Muitos dos agrotóxicos que causaram essas intoxicações são proibidos em outros países. De acordo com a Abrasco,  22 dos 50 agrotóxicos utilizados no Brasil são proibidos na Europa, por exemplo. Esses mesmos produtos são vendidos para cá por grandes multinacionais como a Syngenta (Suíça) e a Bayer CropScience (Alemanha), que lucram mais fora do que dentro de seus territórios.

Nos Estados Unidos, um dos grandes concorrentes do Brasil na agricultura, a regulamentação dos agrotóxicos é ainda mais rígida. Lá, a análise e aprovação do registro desses produtos é feita somente pela Agência de Proteção Ambiental e não mais somada ao Departamento de Agricultura, como era na década de 1970.

 

Flexibilização da Lei

Um item que vem sendo bastante questionado dentre as propostas de mudança do PL está relacionado à “análise de risco”. Nesse novo projeto, não vão poder receber o registro, apenas agrotóxicos cuja avaliação aponte que eles têm “risco inaceitável”.

O professor José Menten  concorda com essa visão. Para ele, a “análise de risco”, como está proposto, é mais eficiente que a “análise de perigo”, presente na lei atual. Isso porque permite que mais registros sejam cedidos.

Para o professor, analisar um produto levando em conta o “perigo” é como analisar o sol como sempre cancerígeno. “Se eu te perguntar ‘o sol é cancerígeno?’, você vai responder ‘depende do tempo de exposição’. Se eu me expor ao sol das 10h às 3h da tarde, sem protetor solar, a probabilidade de ter câncer de pele é muito grande, mas não é por isso que eu vou cancelar o sol, mas sim orientar as pessoas a o utilizarem adequadamente”.

No entanto, a ANVISA alega que há produtos que são difíceis de se avaliar. Ela já vetou o uso, por exemplo, de 9 substâncias que apresentaram análise complicada. Foram elas: Endossulfam, Cihexatina, Tricloform, Monocrotofós, Pentaclorofenol, Lindano, Metamidofós, Parationa Metílica e Procloraz.

 

Produção familiar

Em meio a este impasse com relação ao Projeto de Lei, é comum, no imaginário de muitos, o conceito de que o abastecimento interno do país se dá pelo agronegócio, isto é, pelas grandes produções agrícolas, que possuem o emprego de alta tecnologia, maquinários especializados e uma tendência à monocultura. Todavia, não é o que diz o levantamento apresentado em 2017 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

 

Sem o abastecimento interno pelas produções familiares, o Brasil viveria uma crise alimentar. (Foto: Larissa Cavenaghi)

Na prática, segundo o IBGE, 70% do abastecimento interno de legumes e verduras se dá por produções familiares, o que revela que o foco do agronegócio é o mercado externo. Um exemplo disso é que cerca de 85% da soja produzida pelo país é comercializada para a China.

“Quando falamos desta questão da produção familiar, é muito importante não perdermos de vista que não estamos falando de trabalhadores bem paramentados. O que eu vejo hoje são condições de trabalho precárias no meio rural, falta de especialização e sérios perigos à saúde ambiental” – explica a gestora ambiental Flávia Ferezin. “Esses trabalhadores lidam manualmente com um pulverizador para sair aplicando esses pesticidas nas plantações”, comenta.

Embora, segundo Flávia, o uso do Equipamento de Segurança Individual (EPI) esteja bem difundido nos dias de hoje, há uma série de outros riscos e o perigo começa com a generalização do termo “agrotóxico”. Ela explica que estes produtos se propõem a combater ervas daninhas e seres que tentam se alimentar destas plantações, como algumas espécies de insetos e fungos, além de serem produzidos com fins específicos. Ou seja, existem inseticidas, herbicidas e fungicidas.

“A falta de mão de obra especializada nas produções familiares é preocupante. Tem gente que vai na sorte e pensa: ‘estou matando as pestes que ameaçam a minha plantação’” – comenta a gestora ambiental. “Um erro na quantia aplicada, produto usado em espécie de plantação que não deveria, armazenamento ou descarte inapropriado de embalagens de pesticidas, pode gerar um caos ambiental, pois estamos falando de venenos. Além disso, é fato que o uso frequente destes venenos afeta o ar, o solo e a água, se acumula nos lençóis freáticos, prejudica o ecossistema e há pesquisas que comprovam danos na nossa saúde  a longo prazo”.

 

Perigo

O Relatório Nacional de Vigilância em Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos mostrou ainda que houve 84.206 pessoas intoxicadas por agrotóxicos de 2007 a 2015. Destes, 80,3% conseguiram cura sem sequelas imediatas, 3,3% faleceram, 2,1% perderam membros do corpo e 1,5% ficaram com outras sequelas na saúde.

A pesquisa apontou que os produtores familiares são os mais vulneráveis, devido ao fato de, na maioria dos casos, fazerem a pulverização manualmente. De acordo com o farmacêutico Pedro Abreu, os EPI’s usados nesse processo não são ergonomicamente pensados para auxiliar o aplicador. “A roupa de aplicação foi pensada para ser usada dentro da indústria e não debaixo do sol, carregando uma bomba costal que pesa 20 quilos. Aquilo vai começar a suar e a pessoa tem que abrir para respirar, senão ela desmaia”.

Dentro deste contexto, há quem possa inferir que acidentes e intoxicações assim não acontecem no contexto do agronegócio. Entretanto, há dados que ressaltam acidentes graves mesmo com quem possui maquinários e aeronaves para aplicação de pesticidas.

Em 2013, um avião pulverizador despejou uma quantia de um inseticida sobre uma escola rural do Assentamento Pontal do Buriti, no município de Rio Verde, estado de Goiás, localizada a menos de 50 metros de uma plantação de milho e soja. O fato causou a intoxicação aguda de 92 pessoas, sendo a maioria crianças e adolescentes que relataram sintomas como náuseas, vômitos, tonturas, cefaleias, convulsões e irritações na pele.

Embora os casos destacados nesta pesquisa sejam os de intoxicação direta, as situações indiretas e prejuízos ao ecossistema muitas vezes são ignorados. Para o pesquisador na área de Saúde Pública, Eduardo Garcia, em sua dissertação de mestrado, ao ignorarmos os perigos indiretos, não prestamos atenção nos danos que agrotóxicos causam à expectativa de vida, fisiologia e no ecossistema, além de doenças que podem causar a longo prazo.

Um exemplo dos riscos, segundo Eduardo Garcia, é que quando se usa inseticidas, você pode matar, inclusive, insetos polinizadores. Seria como um efeito dominó nas cadeias alimentares.  

Na prática

Apesar dos perigos que o uso de agrotóxicos pode oferecer, para muitos produtores familiares estes ainda são indispensáveis. Esta opinião é compartilhada por Walmir Villalva e Mário Dias, que comentam a questão no vídeo a seguir:

https://youtu.be/p6vgj-97-ag
 

Assim como Mário e Walmir, Otávio Ávila não se vê sem o uso de agrotóxicos em suas plantações. “No comecinho, quando tentei plantar sem tacar veneno para as pregas, as moscas fizeram um estrago nas minhas mangas” – desabafa. Após a experiência negativa, ele virou adepto destes produtos e garante que nunca teve problemas. “A embalagem diz tudo direitinho o que a gente tem que fazer pra usar o veneno e pra jogar fora a garrafa dele. Se tu lê certinho e faz tudo direitinho, não tem erro”.

Otávio acredita que, no caso de frutos como manga, é quase impossível produzir sem pesticidas, ou exige técnicas ou tecnologias das quais ele não tem acesso. “O que mais tem por essas bandas é gente simples que estudou só até o ginásio. Pelo que eu sei, tem gente que mal sabe escrever o próprio nome comprando veneno. Acho que esse pessoal que corre perigo, na verdade”.

O mesmo não pode ser dito por Marluce Pinho. Mesmo usando  o equipamento de proteção individual, ela conta ter sofrido uma intoxicação que causou problemas respiratórios e alergias na pele. “Um dia eu acordei e vi que estava toda empolada, daí o médico me disse que a causa provável era o veneno que estava usando”.

“Hoje, nas minhas hortinhas, eu tenho caprichado na variedade. Eu tenho voltado pro que os antigos faziam no tempo da minha vó. Eu ponho chá de arruda, chá de cebola, planto citronela e uso muito do chá dela também” – explica Marluce, que atualmente tem a sua renda garantida pela venda de produtos orgânicos. “Não vou dizer que é fácil porque não é. Vira e mexe me vejo tapando a entrada de formigueiros e jogando sal nas lesmas”.

A produção de Marluce hoje é menor, porém o retorno financeiro tem sido satisfatório, pois ela tem cobrado muito mais caro do que antes pelas suas hortaliças na feira. Para ela, tem sido bom saber que não está mais expondo as suas filhas a riscos, pois a mais velha sofre com bronquite alérgica. A procura cada vez maior por produtos orgânicos tem agradado à feirante, que agradece à “moda” e espera que ela continue.

O futuro

Ainda não se sabe qual futuro terá o Projeto de Lei 6299/02. Contudo, independentemente de prós e contras, o debate a respeito dos perigos do uso de agrotóxicos segue cada vez mais intenso. Com este debate, aumenta o número de pessoas interessadas em produtos orgânicos, apesar de os preços ainda serem altos e restritos para os consumidores.

Embora esteja no imaginário de muitos produtores que somente o controle químico pode ajudar a lidar com as pragas nas plantações, há outras possibilidades. Isso é o que defendem os biólogos e pesquisadores Aldeni Barbosa da Silva e Janaina Moreira de Brito. Segundo eles, há excelentes perspectivas no uso do controle biológico.

O controle biológico, na prática, seria utilizar de predadores ou parasitóides naturais das pragas que afetam as plantações. Existem muitas técnicas possíveis para isso, que passam desde o controle biológico natural até técnicas de controle desenvolvidas em laboratório. Entretanto, isto ainda exige determinados conhecimentos e mão de obra especializada para tornar mais eficaz.

Logo, se hoje temos o desafio de discutir os danos do uso de agrotóxicos, ainda é preciso refletir as dificuldades quanto à falta de mão de obra especializada e infraestrutura em produções familiares. Isso incide diretamente no uso mais seguro de reagentes químicos, como, também, para se pensar em outras formas de combater as pragas nas lavouras.
 
Imagem de Capa: Pixabay

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Redação

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