Confira como o setor têxtil pode contribuir para promover acessibilidade e inclusão social
Por Camila Gabrielle e Raíssa Pansieri
O que é moda para você? Segundo a definição formal é o conjunto de opiniões, gostos, modos de agir, viver e sentir coletivos. Para Sandra Franchini, coordenadora do curso de moda do Unicesumar (Centro Universitário de Maringá), “A moda vai muito além do vestir-se, é comportamento e deve ser vista como um fator econômico também”.
Segundo a ABIT (Associação Brasileira de Indústria Têxtil), o faturamento da Cadeia Têxtil e de Confecção atingiu US$ 45 bilhões no ano passado. Atualmente o Brasil possui o quinto maior parque têxtil do mundo com 29 mil empresas formais, 1,479 milhão de empregados diretos e 8 milhões indiretos.
Apesar da importância do setor, existem muitos problemas estruturais, como falta de condições de trabalho adequadas, exploração do trabalho infantil, degradação do meio ambiente, super geração de resíduos sólidos nas confecções das roupas, entre outros.
Além destes problemas durante a produção, a fase do consumo também apresenta dificuldades a serem superadas. Com a roupa em mãos, existem os padrões de beleza, que excluem e segregam. São roupas P,M,G e às vezes, GG. Raramente calças acima da numeração 54. Roupa inclusiva e sustentável, mais difícil ainda.
Esta série de questões nos fazem repensar na sustentabilidade deste setor tão importante na sociedade, tanto no sentido de acessibilidade quanto no sentido ambiental e inclusivo.
Ainda de acordo com Sandra, constatamos que a moda pode causar tanto a inclusão como a exclusão social. “A fim de atender segmentos muitas vezes esquecidos pelo mercado, para driblar a exclusão as marcas podem investir em pesquisas sobre a satisfação e o conforto de seus clientes”, explica.
Garimpar vale a pena!
Amontoados de roupas escondem peças raras (Foto: Raíssa Pansieri)
Em tempos em que a sustentabilidade está em pauta e que o consumismo desenfreado é questionado, fazer compras em brechós é mais que uma mera opção pela economia. Garimpar as araras de roupas em busca da peça ideal revela a peculiaridade de um estabelecimento que normalmente esconde por trás de suas portas pequenas roupas e acessórios que a clientela nem imaginava.
Iolanda, uma das colaboradoras do Brechó Beneficente Anima!, em Marília, conta que seu público vem se transformando com o passar do tempo. “Devido aos preços baixos, antigamente o público específico de brechó era aquele com menor poder aquisitivo. Hoje em dia, não! Você vê pessoas de todas as classes sociais passarem por aqui para fazer suas comprinhas”, diz.
Araras com cores e estampas sem fim (Foto: Raíssa Pansieri)
Quem tem receio de encontrar apenas itens muito usados e desgastados nos brechós pode deixar o preconceito de lado agora mesmo. Regina (43 anos), por exemplo, conta que toda semana está lá, fazendo uma visitinha para dona Iolanda. O motivo? “Olha essa bolsa de marca, vendida por R$10,00. Onde mais você encontra isso, menina?” – questiona eufórica.
Para garantir peças de qualidade, a gentil colaboradora garante que os modelos são inspecionados, um a um, antes de serem postos à venda. Os que não estão em tão bom estado, mas que ainda podem ser reaproveitados, são vendidos pelo preço mínimo. Os valores estão entre R$ 2 reais e R$ 40 reais. A justificativa para itens tão baratos é que o interesse em vender e garantir a rotatividade das peças é maior que a vontade em obter lucro. Assim, em poucas horas, vimos os itens mais cobiçados -o salto alto da Santa Lolla e o sapatênis da Adidas- saírem da prateleira rapidinho.
Em busca do par perfeito (Foto: Raíssa Pansieri)
Comprar roupas e sapatos em brechós ainda agrega valor no quesito sustentabilidade. Segundo reportagem exibida em 2015 no Fantástico, da Rede Globo: “Para fazer uma calça jeans, por exemplo, são gastos cerca de onze mil litros de água”.
Igualdade: moda para todos!
É este o lema de Drielli Valério de Oliveira Guimarães, que há 7 anos coordena um projeto que desenvolve roupa acessível para pessoas com deficiência ou não. A mesma roupa. Formada em design e hoje, empresária da marca “Ária Modas”, Drielle criou esse projeto porque ela queria ajudar as pessoas por meio da moda inclusiva.
Drielle no seu escritório, que fica em sua residência (Foto: Camila Gabrielle)
Por meio de pesquisas ela percebeu que os trabalhos existentes separavam roupas para deficientes e para não deficientes. Também tinha um tom muito hospitalar. Depois de fazer um vestido de noiva acessível para o seu Trabalho de Conclusão de Curso, ela começou a se inscrever em concursos e percebeu que haviam muitos pedidos. Então, começou a pesquisar sobre o mercado e desenvolveu a marca.
Algumas das criações de Drielle (Foto: Camila Gabrielle)
Drielle pensa as roupas de modo a tornar bem prático para quem veste e ao mesmo tempo, confortável e moderno. “Um tetraplégico demora cerca de 40 min pra vestir uma calça. Um simples passador no lado da calça, uma alça, pode ajudar muito. É algo super simples e que poderia facilitar muito. E é uma roupa que qualquer pessoa pode usar, com deficiência ou não. Além disso, as roupas abrem com velcro e o zíper foi substituído por argolas porque facilita a entrada do dedo”, aponta a empresária.
E é assim que ela vai trabalhando. Drielle faz o desenho e os clientes solicitam alguns ajustes, e por meio de conversas ela vai conhecendo um pouco do universo deles. “A gente marca muito encontro com pessoas que têm deficiência. Depois de pesquisar, eu desenho. Hoje, eu tenho uma confecção que costura pra mim”.
Nova linha de roupas a base de garrafas PETS, com indicativo em braile (Foto: Camila Gabrielle)
“A gente também pensa em quem cuida do paciente. Pensa um idoso, acamado, alguém em um pós operatório. Imagina trocar uma fralda. Então desenvolvemos roupas nas quais os pacientes conseguem se trocar sem tirar a roupa”. São simples ajustes na peça que poderiam facilitar muito a vida de quem tem uma deficiência física.
A marca investe em roupas com velcro, imãs, que abram dos dois lados (frente e trás), que não tenham etiqueta, que tenham a costura coberta e algumas bermudas que permitem guardar uma sonda de forma muito discreta.
Drielle mostra a nova coleção: uma bermuda que permite o uso de sonda de forma discreta (Foto: Camila Gabrielle)
“A gente tem muita reclamação de costura. Quem fica sentado o dia todo abre feridas e é mais difícil de curar. Então nós cobrimos as costuras para deixar bem confortável. A jaqueta abre na parte inteira na parte de trás, os botões são que nem o de body de bebê. É possível vestir só na pessoa pela parte da frente. Já ouvi muitos pais falarem: não consigo dar banho nele todo dia porque é muito difícil dar banho. Tentamos solucionar”.
Além disso, ela está lançando agora uma marca de roupa feita com garrafa PET, acessível, com braile indicando a cor e tamanho e sem etiqueta. Uma moda totalmente sustentável e inclusiva. Com um tecido leve e duradouro. Além das roupas, a marca também tem bijuterias totalmente inclusivas, que trazem identidade e inclusão.
Acessórios que promovem inclusão (Foto: Camila Gabrielle)
Short que abre dos lados facilita inclusão (Foto: Camila Gabrielle)
Segundo Drielle, a moda ainda é um fator que causa exclusão, porque existem padrões de beleza estabelecidos e eles excluem quem tem alguma deficiência. O preconceito, segundo ela, ainda é muito forte. “Falta humanidade. Este é um trabalho de formiguinha, é muito difícil de ser implantado nas pessoas. Explicar que a moda inclusiva é para todos. Não apenas para o deficiente. Falta interesse, existe comodismo, faltam muitas coisas. E que bom! Deixa que eu faço então (risos).
Moda Plus Size
Michelle vende roupa há 17 anos e é Plus Size há 7 anos, em São Carlos, no interior de São Paulo. O termo “Plus Size” significa um tipo de moda voltado às pessoas que não se encaixam em padrões de beleza convencional, como as magras, altas e brancas.
“Eu sou gordinha e não achava peça para mim, se eu achasse era muito caro ou roupa com aspectos mais velhos. Parecia que tinha saído de uma cortina. A aderência, assim que comecei a vender um novo tipo de roupa foi maravilhosa e imediata”, afirma Michelle.
(Foto: Michelle Moda Feminina)
Para ela, o preconceito hoje é menor porque essa vertente tem se espalhado, mostrando um novo estilo. “Quando eu comecei, na minha cidade, só havia uma loja. Hoje já espalhou. A gente que é gordinha sofre com muita discriminação, nossas preferências são deixadas. Tem meninas que querem ir para a balada, usar um shortinho e uma sainha, justinha e a moda Pluz Size veio trazer inclusão social e aumentar a autoestima. Ser acima do peso só é prejudicial se for no caso de saúde, tirando isso não há problema! Você dá uma nova perspectiva às pessoas”, argumenta.
(Foto: Michelle Moda Feminina)
Segundo Natani Aparecida do Bem, professora mediadora do curso de Design de Moda EAD da Unicesumar, “ao estar bem vestida, a auto-estima de uma pessoa tende a aumentar”. E a noção de estar “bem vestida” é algo pessoal, que deve ser respeitada, cabendo inclusive aos profissionais propagarem essa ideia no ramo da moda.
Para Sandra Franchini, coordenadora do curso de moda do Unicesumar, “enquanto coordenadora de curso percebo que é necessário cada vez mais incluir no currículo escolar disciplinas que estudem os diferentes tipos de segmentos e proporcionem ao aluno pensar em soluções, pois o futuro está nas mãos de nossos designers”, ressalta Sandra.
A professora Natani finaliza apontando soluções para transformar a realidade desigual. “É necessário trabalhar ainda mais com campanhas que abordem o tema aceitação e igualdade. Tanto no setor da moda quanto em outros”.