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O crack e a cidade

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Foto: Vitor Barros em Unsplash


Como a cracolândia deixou de ser apenas um problema de saúde pública e se tornou um entrave para o setor imobiliário, que visa lucrar com a revitalização do Centro Histórico de São Paulo
No início dos anos 1990, o centro da cidade de São Paulo começou a ser tomado por traficantes e usuários de crack. Concentrando-se em grupos para se proteger da polícia, os dependentes foram pouco a pouco a ocupando as ruas e calçadas durante as noites. Era o início da cracolândia. Algum tempo depois, barracos foram erguidos nas ruas e formaram uma espécie de favela no coração do centro da maior cidade brasileira.
Atualmente, centenas de pessoas ocupam a área. Enroladas em cobertores sujos, elas fazem das ruas e calçadas suas moradas. Alguns possuem barracas, geralmente doados por alguma ONG de assistência social, outros constroem barracos a partir de engradados de feira e lonas, e muitos têm apenas folhas de papelão para chamar de seu.
A aglomeração formada pelos usuários é chamada de fluxo. Ali, eles fumam crack abertamente e vagueiam pelas ruas com o olhar perdido, procurando latas de alumínio e outros recicláveis para vender. Quase todos são magros e ossudos, o rosto contorcido por anos de uso de drogas. Há lixo por toda parte e o cheiro de corpos não lavados é pungente.
Localizada no chamado Centro Histórico da capital, a cracolândia provocou uma drástica mudança local. A área, famosa pelos prédios construídos no início do século XX, sempre foi um dos principais pontos turísticos da cidade. Encontram-se ali vários bares, museus, restaurantes e teatros. A estação da Luz, a maior e mais movimentada estação da cidade, fica a poucos metros do local, assim como a Sala São Paulo, luxuosa sala de concertos, e a Pinacoteca. Porém, com a invasão da droga houve uma deterioração na região, enfraquecendo o comércio e o mercado imobiliário.
Um problema geral
O crack, consumido antes por usuários de baixa renda, agora atinge a classe média. Entre os nóias, como são conhecidos, há pessoas de todas as classes sociais. De baixa renda a empresários, oriundos da periferia ou de bairros de alto padrão, algo em comum os une: a dependência química.
Segundo o neurocientista Carl Hart, em entrevista concedida ao site americano Democracy Now!, cerca de 15% a 20% dos usuários de crack são viciados na droga. Em seu estudo, ele afirma que a droga não é a causa dos problemas nas comunidades. “O problema era a política antidrogas, a falta de empregos – um leque variado de coisas. E as drogas eram apenas um componente que não contribuía tanto quanto os outros que citei anteriormente”.
Série de ações fracassadas
A cracolândia, vista como um símbolo de marginalização urbana, não é encarada com bons olhos pelo poder público. As autoridades tentam por meio de operações políticas, policiais e sociais dar um fim ao consumo deliberado na região. Entretanto, até hoje, pouca evolução nesse quesito foi percebida, resultado de ações falhas dos governos.
Pelo menos quatro prefeitos e três governadores criaram ações com o objetivo de reduzir ou extinguir o tráfico de drogas e revitalizar a área. Em 1995, o governador Mário Covas criou uma delegacia específica para tratar o problema do crack, porém nunca foi capaz de acabar com o tráfico na região.
Dez anos depois, o prefeito José Serra lançou um projeto urbanístico intitulado Nova Luz.  Ele pretendia conceder a exploração da área à iniciativa privada, permitindo a desapropriação de cerca de 90 imóveis degradados para construir prédios na região. Teriam de construir jardins, ciclovias, bulevares e praças, entre outras coisas. Com a renúncia do tucano para concorrer ao governo do estado, a prefeitura ficou nas mãos de Gilberto Kassab, que chegou a anunciar que a cracolândia tinha acabado, antes mesmo do projeto sair do papel.
Além da prefeitura, o governo estadual também se envolveu na tentativa de acabar com a cracolândia. Em 2010, sob o comando de Serra, vários usuários foram detidos e depois liberados. Depois, já com Geraldo Alckmin como governador, foi lançada a Operação Integrada Centro Legal, também conhecida como Operação Sufoco. Com início em janeiro de 2012, a Operação Sufoco tinha como objetivo a repressão e apreensão de traficantes que atuassem na área. Mas o que aconteceu foi uma ação de dispersão dos usuários, já que era uma operação estritamente policial e sem acompanhamento de profissionais da saúde e assistentes sociais. A violência policial e a falta de políticas públicas visando os dependentes tornaram-se alvos de queixas de abuso. Denúncias foram realizadas pelo Tribunal de Justiça, Ministério Público, governo federal, partidos de oposição, entidades defensoras de direitos humanos, imprensa e manifestantes civis. Devido a esses entraves a operação foi considerada mais um fracasso das políticas de combate às drogas.
No mesmo ano, foi a vez de policiais civis, do Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico (Denarc), realizarem uma operação. Sem comunicar a PM nem a prefeitura, dez viaturas cercaram e prenderam usuários, que revidaram jogando pedras, resultando em um confronto.
Já o programa Braços Abertos, tocado pela prefeitura comandada por Fernando Haddad, teve início em janeiro de 2014 e chegou com um viés mais humanitário, visando uma real recuperação dos dependentes. Assistentes sociais, antes de a ação ter início, perguntaram aos moradores da região o que era necessário para que largassem o vício. A resposta foi moradia e trabalho. A prefeitura, então, de forma pioneira, disponibilizou os dois: emprego como varredores de praças, com carga horária de quatro horas e remuneração de R$ 15,00 por dia, além de hotel dedicado exclusivamente aos usuários e acompanhamento psicológico. Segundo levantamentos da própria prefeitura, o consumo de droga caiu de forma sistemática entre os participantes do programa.
A mais recente operação foi realizada pelo prefeito João Doria. Ao assumir a prefeitura, em 2017, o empresário declarou guerra à cracolândia. Em maio, mais de 900 policiais e agentes de segurança armados e com apoio de helicópteros e cães, cercaram a área disparando balas de borracha e bombas de efeito moral. A ação serviu apenas para dispersar a multidão, que se aglomerou pouco tempo depois a poucos metros da área inicial, além de ajudar a espalhar os usuários pela cidade – já foram identificados pelo menos 22 pontos de concentração de usuários.
Questão imobiliária
Dois dias após a ação comandada por Dória, funcionários da prefeitura iniciaram um processo de demolição de imóveis na região, depois de a prefeitura publicar um decreto de utilidade pública com a justificativa de que havia “iminente perigo público” no local.. Moradores e trabalhadores foram surpreendidos pelos agentes, e a ação só foi interrompida quando uma escavadeira atingiu a parede de uma pensão ainda ocupada, ferindo três pessoas.
A Justiça, por meio de uma liminar, e o Ministério Público, com uma ação civil pública, proibiram a prefeitura de dar continuidade ao seu “projeto urbanístico”. Um dos pontos questionados pelo MP é a ausência da participação popular na discussão, já que o plano de intervenção não foi apresentado à sociedade. Conforme determina o Plano Diretor Estratégico (PDE) do município, a Promotoria pediu a criação de um Conselho Gestor paritário, formado por representantes da sociedade civil e da prefeitura para elaborar e aprovar o projeto.
A área visada pela prefeitura são duas quadras cortadas pela Alameda Dino Bueno, onde o fluxo de usuários se concentrava. A ideia do governo municipal é incluí-las na Parceria Público-Privada (PPP) da Habitação, do governo estadual, que visa revitalizar o centro antigo. Segundo a pasta e a Canopus Holding, empresa vencedora do edital, estão previstas a construção de 436 apartamentos, de um Centro de Educação Unificado (CEU) de e uma Unidade Básica de Saúde (UBS) no quadrilátero.
Segundo Danielle Klintowitz, coordenadora-geral do Instituto Pólis, a gestão Dória não abre mão de que qualquer investimento no bairro ocorra por meio de uma PPP. Para ela, no entanto, este modelo é um problema, pois o modelo usará recursos públicos para beneficiar famílias de renda superior a três salários mínimos, em detrimento das famílias realmente de baixa renda e vulneráveis. “O recurso vai para quem pode pagar, enquanto expulsa quem precisa e já mora ali”, afirmou em entrevista à Rede Brasil Atual, em abril.
 
Por: Augusto Biason, Thomás Garcia e Daniel Sakimoto

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Redação

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