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Perfil: Dois lados de uma mesma moeda

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Conheça a divertida professora de mandarim da Unesp de Bauru, que leva o apelido de panda e representa o melhor da combinação de China e Brasil

Por Taleessa Silva

Xióng Ziwei, primeiro nome Ziwei, que significa uma flor que remete à sorte, e sobrenome Xiong, representando urso, tem apenas 22 anos, mas uma longa história para contar. Ziwei, ou apenas Panda – apelido dado pelos seus amigos por conta do significado de seu nome, e pelo qual prefere ser chamada – veio de Honghu, interior da província de Hubei, a cerca de 1.000 km da capital da China, Xangai. No Brasil, seu destino era Bauru, o centro do estado de São Paulo, mais especificamente a UNESP, graças à vontade de conhecer mais sobre o país. Assim, desde 2016 Panda leciona mandarim para sete turmas, realizando seu sonho e dando asas para os de outras pessoas.

Toda essa energia vem da mistura de sua determinação e seu bom humor. Logo antes do encontro para a entrevista, Panda já fez graça: “Você verá uma chinesa baixinha e estranha!”. Surpreendida de maneira positiva, respondi, rindo, de maneira semelhante: “E você verá uma ruiva baixinha e estranha!”. Brincadeiras à parte, Ziwei teve muito foco e profissionalismo durante toda a entrevista. Logo antes pediu para ler as questões para organizar melhor as respostas e chegamos a conversar um pouco sobre alguns termos que eu havia utilizado ali e acolá.  

Começamos pelo básico: a cidade natal de Panda conta com o sétimo maior lago da China, o lago Honghu, no qual ela e seus amigos passaram maior parte da infância brincando, nadando e pescando, atividades bem relaxantes quando comparadas à rotina escolar. “Nas escolas as tarefas costumam ser bem pesadas. É ao contrário [do Brasil], você precisa ficar mais tempo na escola. Mas também é mais fácil fazer amizade com os outros alunos”, comenta.

A vida familiar de Panda envolvia o irmão, de 16 anos, e os pais, um núcleo comum do cotidiano no imaginário brasileiro. Já o restante da família costuma se reunir nos principais feriados, contabilizando mais de 30 pessoas. “Nós ficamos reunidos conversando, comendo e jogando. O ano novo chinês é o feriado mais importante para os chineses, todo mundo precisa voltar para a casa”, revela.

Já na adolescência, durante o Ensino Médio, optou por estudar Ciências Humanas não à toa – o que talvez já fosse um reflexo da profissão que ela viria a exercer no futuro. “Eu tinha vontade de aprender e estudar sobre a sociedade e cada vez mais quero ter conhecimento sobre isso”. No vestibular, a opção final foi o curso de Relações Internacionais na Universidade de Hubei, onde ela pôde aprender línguas como inglês, japonês, além de ter bastante contato com estrangeiros do mundo todo. A partir daí surgiu a vontade de conhecer outros países e outras culturas.

A Universidade de Hubei é parceira da UNESP por meio do Instituto Confúcio, projeto do governo chinês, que faz a ponte do intercâmbio para alunos ou professores chineses e brasileiros, e foi assim que Panda conheceu outros estudantes da UNESP e da USP e viu a oportunidade perfeita para realizar seu sonho de conhecer o mundo e de ter contato com outras pessoas. “Tive a sensação de que os brasileiros eram ótimos: sempre muito cuidadosos, muito próximos e também muito diferentes. Estava curiosa para conhecer mais da cultura brasileira e fiquei morrendo de vontade de ir”, relembra. Então, em 2018, após um processo seletivo bastante concorrido que abordava a habilidade para ensinar a língua nativa e também a facilidade em adaptar-se ao novo país, Ziwei chegou ao Brasil para dar aulas para mais de sete turmas de diferentes níveis de ensino: básico, intermediário e avançado.

Conhecimento e diversão com a turma de mandarim intermediário de 2018. FOTO: Acervo pessoal.

O contato com a língua portuguesa veio logo após o interesse de vir ao Brasil ter surgido. “Na minha faculdade tinham aulas de português, mas era bem básico. Eu só aprendi pronúncia e algumas palavras. Isso porque, pelo menos na minha faculdade, não tinha clima de aprender português; ninguém sabia o que era o português. Como eu queria muito conhecer, comecei a aprender na internet, mas como na China não tem YouTube o conteúdo era bem pouco”, relembra Panda, que revela ter aprendido bastante com músicas, e tem como seu gênero favorito MPB. “As letras e a melodia são muito bonitas. A primeira música que eu aprendi foi ‘Fico assim sem você’. Ela me ajudou muito. Hoje eu consigo tocar e cantar toda a música”, conta a professora, que também ouve bastante Elis Regina, Milton Nascimento, Vinícius de Moraes, Cássia Eller, entre tantos outros, com favoritismo por Djavan.

A paixão pela música é mesmo muito forte, fazendo com que Panda aprendesse violão e acabasse montado uma banda cover de Amy Winehouse, chamada “Trio”, composta com uma dupla de brasileiros, para sair tocando em bares pela cidade sem limites.

Sobre os desafios de aprender a nova língua, Ziwei afirma não achar muito difícil: “A parte oral em si não é complicada, mas o difícil mesmo era não ter muito incentivo e conversação nas aulas da faculdade. Até a viagem não sabia se iria conseguir, de fato, usar o português para algo. Até então só conseguia ler e conversar coisas básicas”. Antes de ir ao Brasil, sua universidade recebeu um grupo de 20 brasileiros para um curso de verão, o que a fez ter contato com gírias e outras diversas expressões brasileiras, que a fizeram retomar o  interesse pela língua e, de fato, estudá-la para viajar. O que chamou muito sua atenção foram as expressões e gírias brasileiras que a deixaram muito animada ou, como ela aprendeu, achou interessante e aplica com humor, “com fogo no rabo”.

Uma das fotos favoritas de Xióng Ziwei ou, como prefere ser chamada, Panda. (Arquivo pessoal).

Antes de vir, havia a ideia pré-concebida de que os brasileiros eram quentes e que não tinham muita vergonha. Quando chegou percebeu: “Eles realmente não possuem vergonha de nada! Mais do que eu pensei!”, contou aos risos. Mas também teve outras surpresas. “Acho que para o resto do mundo o Brasil é um país preguiçoso e que brasileiro é devagar. Mas quando eu cheguei? Vi que não muito. O trabalho aqui começa mais cedo. Sete horas já vai trabalhar. Na China não. Às vezes é oito, oito e meia ou até mesmo nove. No trabalho em geral podem fazer mais devagar, mas fazem bem feito, o que no inglês seria algo como carefull, cuidadoso”, compara.

A dinâmica cotidiana também é bem diferente. Enquanto no Brasil é comum cumprimentar conhecidos na rua, seja com um breve olá ou, de fato, parando para conversar, na China o ritmo acelerado da cidade não permite – o que confirma uma das teorias de Panda sobre brasileiros serem mais calorosos.

A seriedade de Panda mescla bem com seu bom humor. Enquanto em um momento está rindo de palavras de baixo calão que aprendeu com seus alunos, em outro fala sobre a relação de cada nação em relação aos estudos, algo tão presente em sua rotina. “Aqui percebo que muitos não têm preocupação com os estudos. Faltam e não fazem a tarefa e não sentem vergonha disso. Eu lembro que quando eu era criança… Ah, sempre fizemos tudo certinho. Você não fazer era motivo de vergonha. Eu já acostumei a ser comparada com outras pessoas. Na minha época a professora comparava. É ruim? É. Me machucava? Não. Era um estímulo para estudar mais. Mas aqui você compara a si mesmo só e não muito com outras pessoas, então é mais fácil se machucar”. A comparação, ao ponto de vista dela, está muito na questão da concorrência e da competitividade. No Brasil, apesar de tudo, a rotina é mais tranquila e leve.  

Ao ser questionada sobre seus hobbys, o ar humorado surgiu novamente: “Eu gosto de dar rolê com alunos”, conta rindo. “Porque toda vez eu consigo aprender coisa nova. Estar com eles me faz ficar com a cabeça ligada. Mas não entro em balada e não bebo!”, finaliza com humor. Sua energia e seu alto astral são refletidos por onde passa. De seus alunos, só elogios, seja pessoalmente ou em suas postagens em redes sociais. E a opinião é quase unânime: Ziwei faz um trabalho de excelência, sabendo construir bons laços afetivos e sempre trazendo alegria e conhecimento para a sala, o que pôde ser sentido durante todo o processo de entrevista, na dosagem ideal de profissionalismo e diversão.

No final da entrevista, após muitas risadas e reflexões sobre assuntos mais sérios, Panda seguiu para um evento que acontecia ali perto, com música e comidas, com os olhos curiosos para conhecer outros pedacinhos da cultura brasileira e rever os que já conhecia. Em meio à aulas, preparações, lazer, viagens e hobbys, a professora segue sua rotina, na qual deve permanecer até parte do ano que vem, até que outra vontade surja e bata tão forte quanto a de conhecer o Brasil.

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