A saúde mental de crianças e jovens em tempos de pandemia
Era fevereiro. Milhares de jovens agitavam as ruas no ritmo animado do carnaval brasileiro. Muitos curtiam seus últimos dias de férias, enquanto outros aproveitavam a folga das aulas que já haviam começado. O que ninguém imaginava é que enquanto festejavam despreocupadamente, o vírus respiratório, que viria a paralisar o mundo, circulava pelo Brasil.
O novo coronavírus é o causador da Covid-19, doença respiratória altamente transmissível e, em alguns casos, fatal, com o primeiro caso na cidade chinesa de Wuhan em dezembro de 2019. A primeira vítima brasileira foi registrada no dia 26 de fevereiro de 2020, mas foi apenas no mês seguinte que as autoridades se alarmaram. Quando o número de casos, e logo após de óbitos, começou a aumentar, as medidas para a contenção da circulação de indivíduos potencialmente infectados começaram a ser adotadas pelo país.
Estados e municípios determinaram que fossem fechados locais que promovessem aglomerações, tais como igrejas, restaurantes, parques, escolas e universidades. Isso resultou com que jovens e crianças de todas as regiões, ainda no começo do ano letivo, fossem mandados para casa antes mesmo que seus assentos se acostumassem com o calor de seus corpos.
E agora?
Aliada a pandemia, emerge a sensação de pânico, e o isolamento recomendado pelas autoridades vem sendo relatado como principal fonte de estresse pela população. Nos mais jovens, o sentimento pode ser ainda mais forte.
“Dependendo da idade, a pessoa não entende a verdadeira causa de se isolar dos amigos e da escola, gerando ansiedades e anseios. As crianças ficam muito agitadas, e muitos jovens podem apresentar até mesmo um quadro de depressão, ansiedade, falta de esperança…”
Daniele Sanches, psicóloga.
Esse quadro não é incomum. Estudos sugerem que a quarentena pode impactar de maneira mais negativa as mulheres e os estudantes, onde níveis de estresse, ansiedade e depressão manifestam-se de forma amplificada.
E desde o início dos métodos de contenção os casos não param de aumentar. De acordo com pesquisa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, até o fim de abril, os níveis de ansiedade já haviam saltado de 8,7% para 14%, aumentando também a necessidade de buscar ajuda. A recomendação de ficar em casa fez com que a procura pelo atendimento online expandisse em 200% em relação ao mês de fevereiro, quando as primeiras medidas de isolamento foram implementadas.
Isso só se tornou possível devido a Resolução CFP n° 4/2020, que chegou para suavizar as regras no que tange o atendimento psicológico presencial. Pessoas e grupos em situação de urgência, emergência e desastre, assim como em violação de direitos ou violência, passam a ter o direito de receber serviços psicológicos com o amparo da tecnologia da informação e da comunicação.
Foi utilizando-se dessa possibilidade, e também do conhecimento prévio na área, que o professor doutor Gustavo Dionísio (41) se tornou um dos idealizadores do Tele Acolhimento, projeto voltado à comunidade da Unesp, que oferece o acolhimento virtual como uma medida de enfrentamento durante o período pandêmico. Discentes e voluntários prestam atendimento, e é aberto a todo o público da universidade.
Gustavo conta que o programa tem tido uma boa adesão, mas a falta do “olho no olho” foi o que impediu o aluno Nicolas Rodrigues (20), do curso de graduação de Jornalismo da Unesp, de participar. “Eu acho que não funcionaria igual em uma sala especializada para isso. Eu preciso estar de frente com a pessoa, no consultório, tudo mais” conta ele.
Mas não procurar ajuda não significa que as coisas tenham sido fáceis para ele em meio a pandemia. A pontinha de dúvida que Nicolas levava desde o primeiro ano em relação ao curso se transformou em uma pesada insegurança e ansiedade. A incapacidade de focar em aulas na modalidade remota fez com que ele trancasse disciplinas e fizesse planos para fazer o mesmo no próximo semestre, intensificando o estresse que ele afirmava já existir.
Não ter controle ou perspectiva do futuro é outro grande fator de impacto psicológico, como mostra a estudante de engenharia química da USP, Nayara de Souza (20). Cumprindo o isolamento social com a família em Atibaia, ela conta que uma pessoa ansiosa sempre tenta antecipar o futuro, e a série de eventos que vem castigando o Brasil e o mundo é causadora de uma grande sensação de impotência. “Isso reflete no meu humor e na minha maneira de me relacionar. Tem dias que não consigo focar nas coisas e depois fico preocupada com o tempo que perdi, sofrendo porque deveria ter passado estudando”; lamenta.
O ensino remoto
Apesar de sentir dificuldades, Nayara não pode deixar de cumprir com suas obrigações se quiser conquistar seu diploma. E esse é um problema que vem afligindo parte dos jovens e até mesmo das crianças. A estudante ainda explica “eu tenho muita dificuldade para aprender as matérias, mas conseguia ir levando. Só que agora todo esse cenário de caos acaba gerando uma angústia muito maior”.
A pedagoga Sílvia Rosana (38) destaca que os jovens ainda têm uma vantagem em relação aos menores no que diz respeito ao ensino à distância, que seria a capacidade da socialização independente. O indivíduo mais velho é capaz de realizar tarefas sozinho, enquanto a criança pequena geralmente depende de um adulto em todas as etapas do aprendizado.
Além de depender de um responsável, Sílvia ressaltou os malefícios da falta da “troca de iguais” no desenvolvimento das crianças pequenas.
“A criança é muito toque, interação, conversa. A realização de um ensino cem por cento remoto pode ter um impacto psicológico alto porque nem todas as famílias têm o hábito de dar voz ao aluno, de deixa-lo expor suas ideias”.
Sílvia Rosana, pedagoga.
E mesmo com as famílias fazendo o seu melhor, não está sendo um mar de rosas. Sônia Almeida (45) é professora e está conciliando ensinar seus alunos remotamente com seu filho de oito anos. “O fato de estar realizando as atividades em casa o torna dependente de mim, ele quer fazer apenas o básico”.
Mas, diferente da maioria dos universitários, o estresse dessa mãe não parece ser com o tempo que o filho levará para recuperar a defasagem de conteúdo. “Se tiverem saúde, terão tempo para aprender”, enfatiza Sônia, que desde março evita expor os filhos de oito e quatorze anos à circulação do vírus.
A solução
Enquanto uma vacina não chega ao mercado, impedir que o vírus circule por meio do isolamento continua sendo a melhor alternativa de conter as infecções pelo coronavírus. No entanto, é necessário considerar a saúde mental e o bem-estar da população submetida a essa situação. Por isso, especialistas indicam maneiras para amenizar a sensação de desespero e encarceramento e os possíveis efeitos psicológicos decorrentes.
A psicóloga Daniele sugere que diferentes medidas devem ser tomadas em diferentes idades. Para crianças, o primeiro passo é transmitir calma e segurança, pois no momento o que elas mais precisam é de estabilidade. Já para os jovens, o recomendado é que busquem satisfação em situações em seu cotidiano, como atividades físicas ou novos hobbies. E também tentar manter o controle emocional. “Isso é importante para que não gerem mais ansiedades e desenvolvam algum tipo de patologia ou pensamentos destrutivos” avisa.
A Organização Mundial de Saúde (OMS), recomenda também como alívio do estresse generalizado a busca de informações fidedignas sobre a pandemia e a manutenção de rotinas e tarefas regulares.