Aumentar as exportações, criar acordos de cooperação e ampliar as negociações entre países são algumas das funções desses profissionais – no Brasil, são quase 50
Por Paulo Palma Beraldo
Era junho de 2010 quando Rinaldo Junqueira de Barros deixou o Brasil para aterrissar em Moscou, onde passaria quatro anos representando o agronegócio nacional. Naquele mesmo mês, outros sete brasileiros embarcaram rumo a sete cidades estratégicas para desempenhar a função de adido agrícola.
Um dos objetivos de um adido é reduzir os obstáculos às exportações do agronegócio nos maiores mercados consumidores e nos centros de negociações de acordos e normas internacionais. “A prioridade é manter e ampliar os mercados externos abertos para as várias cadeias produtivas”, diz Rinaldo Barros, atualmente no posto de coordenador de atuação dos adidos agrícolas da Secretaria de Relações Internacionais do Agronegócio do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
Criado pelo Decreto nº 6.424 de maio de 2008, o cargo de adido agrícola era demanda antiga do setor agropecuário. Para ser adido, é necessário ser profissional do Mapa e o prazo de permanência no cargo é de dois anos, com a possibilidade de prorrogação pelo mesmo período.
Os primeiros profissionais assumiram a função em junho de 2010. Desde então, há adidos agrícolas nas embaixadas de Washington (Estados Unidos), Buenos Aires (Argentina), Genebra (Suíça), Bruxelas (Bélgica), Tóquio (Japão), Pequim (China) e Pretória (África do Sul), além de Moscou. “Entidades do setor insistiam na necessidade de técnicos especializados em temas agrícolas que defendessem os interesses do agronegócio brasileiro in loco, junto aos principais parceiros comerciais do Brasil”, conta Barros.
A escolha dos países para receber os adidos foi feita após análise dos 30 maiores mercados importadores de produtos agropecuários do Brasil. Considerou-se, também, a necessidade de acompanhamento das questões relacionadas à Organização Mundial do Comércio e organismos internacionais, como foi o caso do posto em Genebra.
Alguns resultados obtidos com participação direta dos adidos foram a abertura do mercado japonês para a carne suína de Santa Catarina, a manutenção do fluxo de comércio de produtos agrícolas entre o Brasil e a Argentina e o aumento de indústrias brasileiras credenciadas para exportar carne suína e de frango para a China. “A manutenção de mercados já conquistados também é tarefa complexa e tem sido uma das atividades principais dos adidos”, exemplifica Rinaldo.
Os números justificam a escolha. A China tem sido o principal destino das exportações dos produtos do agronegócio brasileiro, com 24% de participação da receita total gerada em 2015, segundo cálculos do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), ligado à Universidade de São Paulo.
Agronegócio é a principal força da economia nacional. (Crédito: Paulo Palma Beraldo)
Os 28 países da Zona do Euro receberam 18,3% das exportações nacionais, seguidos de Estados Unidos, com 7,4%. Em quarto lugar vem o Japão, com 2,8% e a Rússia, com 2,5%. Esses quatro países e o continente europeu importaram produtos que renderam 55% da receita total gerada pelas exportações agronegócio nacional.
Agilidade e desburocratização
O Brasil exportou 1,4 bilhão de toneladas de carne bovina no ano passado, segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex), o que equivaleria a 20% da produção nacional estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em receita, foram gerados R$ 19,77 bilhões. Em um mercado onde os parceiros estrangeiros são tão importantes, Fernando Sampaio, diretor executivo da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), considera fundamental a presença de adidos agrícolas para facilitar o diálogo com outros países. Segundo ele, o adido agiliza as negociações, auxilia na resolução de problemas e gera ganhos para os dois lados. “Isso desburocratiza e facilita o comércio”, afirma.
Mais especificamente, o diretor da Abiec explica que o adido pode desempenhar papel essencial no estabelecimento de protocolos sanitários e procedimentos para a habilitação de regiões e indústrias para exportação, além de auxiliar no entendimento de requisitos para a rotulagem de produtos e agir na resolução de embargos. Além disso, ainda que a promoção não seja a principal função dos adidos, “eles podem contribuir para a imagem do País e do setor, levando informações sobre nosso sistema de produção”, diz.
Sampaio acredita que há vários mercados onde os adidos seriam “muito bem-vindos”, citando o Oriente Médio. “Precisamos de mais adidos na Ásia, onde o consumo mais vai crescer, e em países onde nosso acesso é mais difícil pela falta de diálogo com as autoridades locais”, comenta.
Na mesma linha, o antigo adido em Moscou, Rinaldo Barros, diz que a quantidade desses profissionais “ainda é bastante reduzida”. “Considerando-se a vocação do Brasil para o agronegócio, a necessidade de abertura de novos mercados e o consequente incremento das exportações brasileiras, bem como a geração de empregos no setor, é fundamental a ampliação do número de adidos agrícolas em postos estratégicos”, avalia
.
No início de maio de 2016, o governo determinou a ampliação de oito para 25 o número de adidos agrícolas brasileiros espalhados pelo mundo. Com o novo decreto, haverá também adidos em países como Arábia Saudita, Angola, Argélia, Austrália, Bolívia, Canadá, Chile, Cingapura, Colômbia, Coreia do Sul, Egito, Equador, Filipinas, Índia, Indonésia, Irã, Malásia, México, Marrocos, Nigéria, Paraguai, Peru, Tailândia, Turquia, Uruguai, Venezuela e Vietnã.
Adidos dos Estados Unidos no Brasil
Mesmo nações importadoras de alimentos, como o Japão, contam com elevado número de adidos agrícolas em outros países. Para comparar, os Estados Unidos mantêm adidos agrícolas em mais de 100 países
, ligados ao seu Departamento de Agricultura (USDA), na sigla em inglês. Dois deles estão no Brasil: Laura Geller e Nicolas Rubio, sediados na embaixada norte-americana em Brasília.
Para eles, a presença dos adidos agrícolas no Brasil aproxima os dois países. “O Brasil desempenha papel importante em fóruns internacionais e trabalha em estreita colaboração com os Estados Unidos em questões globais como mudanças climáticas, segurança alimentar e comércio internacional”, afirma Nicolas Rubio, que já exerceu a função de adido na África do Sul. Laura Geller concorda: “Estar presente no Brasil ajuda os dois países a dar continuidade a um diálogo aberto para facilitar discussões entre nossos governos, instituições de pesquisa e associações”, diz, lembrando que o Brasil tem um adido em Washington que desempenha papel semelhante.
Nicolas Rubio afirma ainda que o Brasil tem sido capaz de adotar novas tecnologias e pesquisas para ampliar a produtividade, o que o torna o segundo maior exportador agrícola e o terceiro maior produtor do mundo
, conforme classificação do USDA
. No entanto, ainda são necessários aperfeiçoamentos para que sejam baixados os custos de produção. “Muitos países também constataram que reduzir as barreiras burocráticas, introduzir novas tecnologias de produção e facilitar o comércio pode ajudar o Brasil a se tornar mais competitivo”, explica Rubio.
Mais credibilidade
Do 1,56 milhão de toneladas de algodão produzidas em 2015, segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), 834 mil foram para o mercado externo, com faturamento superior a R$ 4,3 bilhões. Márcio Portocarrero, diretor executivo da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), diz que o apoio dos adidos é importante em missões ao exterior, já que uma das estratégias da Associação é realizar visitas a compradores internacionais e trazer investidores para conhecer o sistema de produção nacional.
Uma das funções dos adidos é facilitar as negociações e reduzir as barreiras entre os países. (Crédito: Paulo Palma Beraldo)
Nessas ocasiões, a presença de um representante do governo brasileiro dá mais credibilidade às reuniões, comenta. “Esse apoio diplomático é importante. Nosso
s maiores cliente
s são países asiáticos e alguns compradores são governamentais. Então, eles têm uma sensibilidade maior quando existe alguém falando em nome do governo brasileiro. Dá um peso a mais. Nesse ponto, a figura do adido tem sido muito positiva”, afirma.
Fortalecer laços
A França tem 30 adidos agrícolas nos cinco continentes. Alguns têm competência para atuar em mais de um país, como os dois que atuam no Brasil, responsáveis ainda por questões na Argentina, Chile, Colômbia e Peru, explica Mylène Testut-Neves, conselheira agrícola regional da Embaixada da França em Brasília.
Reconhecendo o Brasil como “potência agrícola”, ela acredita ser fundamental a França ter adidos agrícolas no País, para “entender melhor” e “antecipar” o que acontece por aqui no setor de agronegócios.
Mylène entende que as principais funções do adido são estudar e informar a França sobre a situação da agricultura e das políticas brasileiras, além de fortalecer as relações entre instituições dos dois países. Outra ação, desempenhada em cooperação com a
Business France, órgão público francês de apoio à internacionalização das empresas daquele país, é “apoiar produtores ou exportadores franceses, seja para ter acesso ao mercado brasileiro, seja para investir no Brasil”, informa a conselheira.
Mylène atua para “fortalecer os laços e intercâmbios entre os dois países, seja no nível político, administrativo ou empresarial, no âmbito de uma agenda bilateral ou de uma agenda multilateral”. Nos últimos anos, diz ela, graças ao trabalho dos adidos, foi assinado um acordo de cooperação entre o ministério da agricultura das duas nações, houve a abertura do mercado brasileiro para várias empresas francesas do setor lácteo, para o queijo Roquefort e para a genética suína daquele país.
“Ponto de contato entre dois países”
O Chile é conhecido internacionalmente por sua economia bastante integrada com o mercado internacional. Conta com acordos de livre comércio com mais de 60 países. Além de ser o maior exportador de cobre do mundo, se destaca pelas exportações de produtos agropecuários e de pesca.
Com 17 milhões de habitantes, o país é uma das 40 maiores economias do mundo e tem adidos agrícolas em 10 países. “Os escritórios sempre estão ligados a algum interesse especial para desenvolver o comércio e aumentar a relação entre os países”, explica María Herrera, adida agrícola do Chile no Brasil, no cargo desde março de 2011.
“O Brasil é o oitavo destino das nossas exportações agropecuárias e o primeiro na América Latina. E é o quarto país do qual o Chile mais recebe produtos do agronegócio”, diz. O Chile é o maior fornecedor de salmão do Brasil, além de enviar também vinhos e frutas. “E nós compramos muito do setor pecuário brasileiro”, conta María.
Chile é um dos principais produtores e exportadores de vinho do mundo. Na foto, produção no Sul do país. (Crédito: Paulo Palma Beraldo)
O trabalho do adido pode mudar conforme a representação diplomática, mas tem uma característica em comum, diz María Herrera: “Um adido agrícola é o ponto de contato entre as autoridades técnicas do país de destino, no caso o Brasil, e as autoridades semelhantes no país que o agente representa”.
O adido deve informar e atualizar os interessados sobre os procedimentos para realizar exportações. Para um produto ser enviado ao exterior, há uma série de “barreiras”, entre elas: pagamento de tarifas, licenças de importação, restrições ao ingresso de determinados produtos, autorização sanitária e cumprimento de padrões técnicos e normativas específicas. “Cada país tem requisitos diferenciados. Temos que manter as duas partes atualizadas, explicar o que pedem as normativas para a entrada de um produto de origem vegetal ou animal, por exemplo, porque as condições sanitárias mudam”, conta. Há ainda o aspecto de desenvolver a cooperação técnica e científica entre Chile e Brasil.
Grupo
Após iniciativas de sucesso no México e na Alemanha, diplomatas estrangeiros decidiram criar uma rede de cooperação também por aqui, o Grupo de Diplomatas da Agricultura do Brasil (DAB). “Ao final de 2014, criamos o grupo, para, através do intercâmbio de informações, gerar uma rede de trabalho que permita planejar de maneira mais eficiente o conhecimento e acesso dos parceiros internacionais e atores relevantes ao agronegócio brasileiro”, diz a chilena María Herrera, coordenadora do grupo.
O DAB é formado por 47 representações internacionais. São realizadas reuniões mensais para debater assuntos de interesse dos países envolvidos e da agropecuária brasileira, inclusive com outras entidades e instituições. “A ideia é entender a situação atual, como enxergam o consumidor brasileiro e que cenários visualizam para o futuro”.
Nem todas as representações internacionais têm a quantidade necessária de recursos para ter algum funcionário especializado em assuntos agropecuários. Várias têm apenas um diplomata que dá conta das matérias comerciais e de todos outros assuntos. “Por ser um país tão grande e diverso, essas pessoas não conseguem estar totalmente atualizadas na quantidade de informação do setor”, diz María Herrera.
Algumas autoridades conseguem ter acesso mais claro às informações, mas há instâncias como agências de pesquisa, órgãos estaduais, cooperativas, associações, confederações e organizações que não têm esse acesso direto às informações. “Para muitas representações, é difícil chegar diretamente em uma entidade e marcar uma reunião, por exemplo”, comenta.
Segundo ela, as instituições no Brasil têm uma estrutura mais complexa do que em outros países. “São secretarias, coordenações e diversos departamentos. Quem está de fora não apenas tem que entender a cultura do país, mas conhecer a funcionalidade de cada órgão para saber com quem tem que falar para resolver determinados assuntos e agilizar resoluções, para ter mais fluidez nos processos. O nível de burocracia é maior que em outros lugares”.
Conhecer bem o país e a língua são facilitadores, diz a diplomata. “Quem conhece o idioma e o país se dá melhor. O brasileiro gosta de se comunicar na sua própria língua. Ao eliminar essa barreira, a comunicação se torna muito mais tranquila, dá para conhecer melhor a pessoa e melhorar a conexão e a confiança”.
O grupo também trabalha para auxiliar o setor do agronegócio brasileiro. “Estamos interessados em que as coisas melhorem cada vez mais e que nós possamos nos encaixar nos nichos que visualizamos como oportunidades. Nossa responsabilidade é melhorar e aproximar as partes para o benefício mútuo. Quando o Brasil está bem, todos estamos bem”.