Entenda como o sistema político e suas articulações refletiram na crise da democracia brasileira
Por: Amanda Costa, Isadora de Oliveira e Naiara Teixeira
Em 2013, milhares de brasileiros foram às ruas mostrar a insatisfação com a política brasileira, episódios que ficaram conhecidos como Manifestações de Junho. A princípio era uma manifestação contra o aumento de 20 centavos da tarifa do transporte público em São Paulo, mas com a violenta repressão policial, o movimento se espalhou por diversas cidades brasileiras e diferentes bandeiras foram defendidas: contra a corrupção, contra a Copa do Mundo no Brasil, a favor de uma educação e saúde pública de qualidade.
Nesse período, o país era governado pela ex-presidenta Dilma Rousseff, que apesar do desgaste político enfrentado durante as manifestações políticas que evidenciaram a insatisfação popular com a política brasileira, foi reeleita presidente no segundo turno das eleições de 2014, com mais de 54 milhões de votos.
Mas o resultado das urnas não agradou a todos, e se imprensa não havia como estampar em suas manchetes casos de corrupção envolvendo Dilma optaram por construir uma imagem de uma presidenta amarga, cuja a saúde mental era discutível, que não estava disponível para dialogar com os políticos, com fotos que demonstram irritamento, insatisfação e nervosismo, como se ela não tivesse capacidade de liderar a política brasileira.
Em 2014, de acordo com o Ministério da Fazenda, houve a expansão de 0,1% do PIB, Produto Interno Bruto (soma de todas as riquezas produzidas no país). Mas em 2015, a economia brasileira enfrentou uma recessão de 3,8% em relação ao ano anterior. E isso refletiu no desemprego, que marcou 8,4%, superando as taxas médias registradas em 2014 (6,9%), 2013 (7,4%) e 2012 (7,5%).
A relação da ex-presidenta Dilma Rousseff não era de proximidade com o congresso brasileiro, mas em outubro de 2015, o então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) declarou guerra à presidenta Dilma.
Em julho de 2015, Eduardo Cunha anunciou que romperia com o governo, após ter o seu nome envolvido em um esquema de corrupção investigado pela Operação Lava Jato. O então líder do congresso culpou o governo do vazamento da delação premiada que envolveu o nome dele ao recebimento de propinas.
No dia 2 de dezembro de 2015, horas após o PT tirar o apoio no Conselho de Ética, que na ocasião iria decidir se seria aberto um processo por quebra de decoro parlamentar contra o ex-deputado Eduardo Cunha, ele aceitou o pedido de impeachment contra a ex-presidenta Dilma Rousseff.
Ainda em dezembro de 2015, Michael Temer enviou uma carta à presidenta, onde ele demonstrava o seu descontentamento com por ser tratado como um “vice decorativo”. No dia 29 de março de 2016, o PMDB, partido liderado por Temer, então vice-presidente da república, anunciou que romperia oficialmente com o governo.
No dia 17 de abril de 2016, a Câmara dos Deputados votou e com 367 votos a favor e 137 contra, foi aceito o prosseguimento do pedido de impeachment contra a presidenta Dilma, acusada de crime de responsabilidade pelas chamadas “pedaladas fiscais”. Dois dias depois após o impeachment, o Senado assinou uma Medida Provisória autorizando as “pedaladas”.
Em 31 de agosto, a democracia brasileira sofreu um grande golpe contra o Estado democrático de Direito, Dilma perdeu o cargo de presidenta da República após votação no Senado, onde 61 senadores foram a favor e 20 contra a cassação do mandato .
O PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO E O GOLPE POLÍTICO
Para entender a forma que se faz política no Brasil, é preciso conhecer o nosso sistema político. O chamado “presidencialismo de coalizão” é a forma como a política nacional tramita entre os poderes.
Presidencialismo é o termo que indica a presença de um governo democrático, que possui um presidente no poder. A coalizão partidária consiste na realização de acordos entre partidos e alianças entre forças políticas para sustentação do poder político do Presidente.
O Brasil é uma nação presidencialista desde a Proclamação da República, em 1891. Nosso regime de governo é baseado no presidencialismo norte-americano originado em 1787. De acordo com o professor e escritor Malheiros Fiuza, o presidencialismo caracteriza-se pela separação das funções do Estado em legislativo, executivo e judiciário. Prevalecendo a independência entre os três poderes, de modo que existe o veto do presidente e o controle de constitucionalidade pelo Poder Judiciário. Já o presidente, um representante do poder executivo, pode ser eleito de forma direta por meio do voto popular, como acontece no Brasil, ou indireta por meio de um colégio eleitoral, como acontece nos EUA e na Argentina onde cidadãos-delegados elegem o presidente.
O poder de agenda garante a supremacia do Poder Executivo sobre o Legislativo, pois de acordo com Fabiano Santos, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos, o presidente pode encurtar o tempo de tramitação de propostas, com a apresentação de pedidos de urgência; evitar a entrada de projetos de lei inaceitáveis, devido à exclusividade da iniciativa do Executivo em projetos de natureza orçamentária e fiscal; redefinir onde se fará a análise de um projeto por meio da criação de comissões especiais; e serve para poupar o Congresso de ter de lidar com assuntos difíceis, através da edição de medidas provisórias.
Em declaração ao Estadão, o senador Tasso Jereissati (CE), um dos líderes do PSDB comenta sobre o instaurado governo de Michel Temer “Não pode ser mais do mesmo. Esse modelo de presidencialismo de coalizão se exauriu. Quebrou”. A afirmação do senador reforça as constatações de crise política no país.
O termo do presidencialismo de coalizão foi criado pelo cientista político Sérgio Abranches, em 1988, para descrever a política brasileira de alianças entre partidos em prol de um governo. Mas o 35 partidos políticos distribuídos pelo país e o descontrole dessas alianças, dá origem a um monopólio de poder político concentrado na mão de alguns partidos, que governam o país há décadas.
Quando pensamos no impeachment do governo da ex presidenta Dilma Rousseff, nota-se o presidencialismo de coalizão como protagonista de sua queda. Durante sua reeleição o PT formou alianças com PMDB, PSD, PP, PR, PROS, PDT, PC do B e PRB. Essa era a base de sustentação do governo Dilma, que se corroeu em meio às investigações da Lava-Jato e a crise de interesses políticos entre direita e esquerda.
Segundo pesquisa do site Politize, os partidos antes aliados ao governo foram pró-impeachment na votação. Essa mudança repentina de lado com a formação de novas alianças de viés direitista e acusações de “pedaladas fiscais” são a justificativa para o emprego de um golpe político.
AS COLIGAÇÕES SÃO RUIS PARA O PAÍS?
Os partidos formam grupos e unem forças para eleger um candidato e desta forma fazer parte da base do governo no Congresso Nacional. Porém, cada partido tem sua visão política, que em determinado momento pode ocorrer conflitos de interesses dentro das próprias coligações, como aconteceu quando o vice-presidente Michel Temer rompeu com a presidente Dilma em prol do próprio partido que visava chegar à presidência da república.
Segundo Fernando Limongi, cientista político brasileiro, professor do departamento de Ciência política da USP, nosso sistema é parecido com os governos parlamentaristas, pois o governo controla a produção legislativa e esse controle é resultado devido o poder de agenda e o apoio da maioria.
O poder de agenda garante a supremacia do Poder Executivo sobre o Legislativo, pois de acordo com Fabiano Santos, o presidente pode encurtar o tempo de tramitação de propostas, com a apresentação de pedidos de urgência; evitar a entrada de projetos de lei inaceitáveis, devido à exclusividade da iniciativa do Executivo em projetos de natureza orçamentária e fiscal; redefinir onde se fará a análise de um projeto por meio da criação de comissões especiais; e serve para poupar o Congresso de ter de lidar com assuntos difíceis, através da edição de medidas provisórias.
A grande vantagem destas coligações é a coordenação política e administração organizativa de vários partidos em prol de uma só política de governo. Porém, o atual cenário político brasileiro mostra que na prática isso não acontece de forma clara.
Não há um plano de governo aprofundado e esclarecido para a população durante as eleições. As propostas de governo não necessariamente seguem as linhas (centro, direita, esquerda,etc) dos partidos envolvidos na coligação. De fato, as próprias linhas políticas não são bem definidas.
Em declaração para o jornal inglês The Intercept , o ex presidente da república Luiz Inácio Lula da Silva (PT) declarou que o PT não é um partido totalmente de esquerda. Assim como PSDB, PMDB não se declaram como partidos de direita, mas sim centro-direita. Os partidos políticos brasileiros buscam fazer alianças políticas para participar do governo do partido que está no poder.
No modelo político do presidencialismo, existem algumas diferenças que podem ser adotadas pelos países aptos deste modelo democrático. A França, por exemplo, adota o semipresidencialismo, já os EUA que em muito se assemelha ao nosso modelo, adota o “presidencialismo puro” que não possui coligações da mesma forma que o sistema brasileiro de coalizão. Entenda mais abaixo.
REFORMA POLÍTICA
Dentro do cenário de total instabilidade, a Reforma Política aparece como um possível pacote de soluções para os vários entraves da política brasileira. A Reforma Política nada mais é do que um conjunto de propostas debatidas no Congresso Nacional que tentam melhorar o atual sistema político brasileiro.
Os debates em torno do tema já ocorrem desde 2011, durante esse período uma comissão do senado estabeleceu 11 prioridades para uma reforma. Um dos fatores que geram conflitos é o fato dos debates estarem distantes da população em geral. No senado correm discussões sobre a aprovação das reformas por um referendo ou por um plebiscito. Sabe-se que um referendo é mais atraente para o congresso, já que o poder maior fica nas mãos dos deputados, sobrando para a população apenas referendar ou não as propostas estabelecidas.
Vale ressaltar que durante os protestos de junho de 2013, uma pesquisa do Instituto Ibope, mostrou que 85% da população entrevistada apoiava a ideia de uma reforma política.
As mudanças propostas pela reforma pretendem reestruturar aspectos constitucionais atuais do país. As votações no congresso andam a lento passo, até o momento as propostas analisadas foram:
Sistema Eleitoral: a votação decidiu manter o sistema proporcional atual. Na análise desse item, os parlamentares rejeitaram todas as três propostas de mudança de sistema apresentado pelas bancadas. O distrital, voto proporcional com lista fechada e distrital misto.
Financiamento de campanhas: as regras de financiamento de campanha foram alteradas. Os deputados decidiram proibir doações de empresas a candidatos. As doações serão permitidas quando endereçadas, como por exemplo, aos partidos. Todavia, pessoas físicas podem doar para o candidato e para a legenda. Outras propostas estavam em questão, porém não foram acatadas, como a aprovação do financiamento exclusivamente público e a proibição de doação de empresas.
Reeleição: com 452 votos dos deputados, foi decidido o fim da reeleição para prefeito, governador e presidente.
Tempo de mandato: com 348 votos contra 110, foi aprovada o aumento do tempo de mandato de cargos eletivos. O tempo passa para cinco anos e não mais como era de quatro anos. A nova regra começa a valer a partir de 2020 para eleições municipais e a partir de 2022 para eleições gerais.
Coincidência das eleições: o plenário resolveu manter as eleições gerais em datas distintas das eleições municipais.
Voto obrigatório: a maioria dos deputados optou por manter o voto obrigatório para maiores de 18 anos. A proposta de voto facultativo foi rejeitada.
Coligações partidárias: ficou decidida a manutenção da regra que permite partidos se unirem a coligações diferentes. O plenário negou a proposta que defendia o fim das coligações para eleições proporcionais, defendida por legendas.
Cláusula de desempenho: com o placar de 369 votos a favor e 39 contra, os deputados optaram por limitar a utilização de recursos do fundo partidário e do tempo de propaganda eleitoral aos partidos que já obtiveram um candidato próprio na disputa eleitoral e que já tenha eleito ao menos um parlamentar.
Idade mínima: a câmara aprovou a idade mínima para deputados, senadores e governadores eleitos. Pela nova regra, a idade mínima para deputados estaduais e federais passa a ser de 18 anos e não mais 21. Já a idade mínima para ser eleito senador e governador passa a ser de 29 anos.
Posse: foi aprovada a mudança da data da posse do presidente e do vice-presidente para o dia 5 de janeiro, não mais sendo dia primeiro de janeiro.
O QUE PENSAM OS ESPECIALISTAS
Uma coletânea de declarações feitas ao Jornal O Estado de São Paulo, os especialistas, Carlos Melo, José Augusto Guilhon-Albuquerque e Bruno Wanderley Reis apontam falhas e possíveis ganhos no desenvolvimento da Reforma.
Para Calor Melo, cientista político do Insper, é importante analisar a necessidade da participação popular durante o processo de análise das propostas.
“Não há mesmo nada tão ruim que não possa piorar; os deputados comprovaram a tese. Primeiro, porque o método foi péssimo: houve pouca interação com a sociedade, a reforma política não ganhou a opinião pública, não discutiu o mundo moderno e os ritos da Câmara foram atropelados. Foi à imagem e semelhança do presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Não porque seja Eduardo Cunha propriamente, mas por personalista.” Esclareceu, Carlos.
O cientista também aborda as propostas votadas pela câmara e critica a manutenção da estrutura eleitoral.
“Falando do sistema eleitoral, o sistema proporcional atual tem defeitos, como distorções da própria proporcionalidade e as coligações proporcionais, além da falta de cláusulas de barreira mais efetivas. Isso é ruim e não se alterou. Ao mesmo tempo, algumas medidas ajudaram a piorar o quadro: o fim da reeleição para o Executivo parece-me um equívoco – mais valeria limitar a reeleição a dois mandatos, sem possibilidade de o governante voltar a concorrer, como nos EUA -, assim como não limitar o número de mandatos no Legislativo, posto que incentiva à perpetuação de políticos no Parlamento e desestimula a renovação política.” Apontou o especialista.
Também em entrevista ao Estado de São Paulo, O professor titular do USP, José Augusto Guilhon-Albuquerque aborda a reforma como apenas pequenas emendas constitucionais, com poucas significações reais para a estrutura política brasileira.
“Trata-se, na verdade, de emendas pontuais e oportuníssimas à legislação eleitoral e não de uma reforma. De maneira geral, as matérias aprovadas refletem uma tática defensiva de sobrevivência do Legislativo, diante do presidencialismo prepotente do PT e do ativismo judicial. A boa notícia é que piorou menos do que se temia. A má notícia é que a única melhoria, a barreira contra as legendas de aluguel, na prática, permaneceu inócua.” Declarou, o professor.
O professor do Departamento de Ciência Política da UFMG, Bruno Wanderley Reis, em sua declaração ao ESTADÃO, aponta falhas no desenvolvimento das análises das propostas, mas também aponta alguns aspectos que parecem caminhar para o lado de melhorias estruturais.
“Há coisas que vão na direção certa, como a exigência mínima de desempenho para acesso ao Fundo Partidário e a tempo de TV, assim como a “quarentena” de 18 meses para a vigência de resoluções do TSE, que estende também ao Judiciário a saudável interdição a mudanças em regra eleitoral a menos de um ano de eleição. Por fim, há o mais importante, que é a proibição da reeleição em troca da extensão dos mandatos para cinco anos. Me parece uma temeridade, já que foi sob a vigência da reeleição que o país alcançou o mais longo período de estabilidade política e econômica de sua história.” Declarou, Bruno Reis.