Escreva para pesquisar

Legado Olímpico: a falta de direitos não faz parte deste jogo

Compartilhe
foto-3

Contradição olímpica: a promessa da mudança de “Um mundo novo”, que nem todos terão acesso (Foto: Felipe Barcelos)


 
Por Elisa Espósito
O esporte é uma manifestação cultural muito difundida no Brasil, em especial o futebol. Desperta paixões, mexe com as emoções dos espectadores e praticantes, desperta rivalidades e joga um papel relevante na conjuntura política e no cotidiano dos cidadãos do país. Os dois maiores eventos esportivos da atualidade, A Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, mobilizam milhões de pessoas ao redor do planeta, inclusive aquelas que não são muito interessadas em esporte.

A Copa do Mundo de 2014 foi realizada no Brasil, em 12 cidades-sede, incluindo a cidade do Rio de Janeiro, e a Olimpíada de 2016  tem como sede também o Rio, o que tem gerado uma série de impactos políticos, econômicos, sociais, ambientais e, inclusive, esportivos, que afetam toda a população. Assim, o esporte, ao invés de ser um direito fundamental vinculado à cultura, à educação, à saúde e ao acesso à cidade, é acusado de se transformar-se em um negócio que beneficia grandes grupos empresariais. Questiona-se até que ponto esses megaeventos trouxeram benefício para a população brasileira e a que custo.
 
“Olimpíadas pra quem?”
folhapress

Ocupação do exército no Complexo da Maré (Foto: Folhapress)



“Lembro que, durante os jogos Pan-Americanos realizados em 2007, para além das ameaças de remoções, nossa favela [Complexo da Maré], mais uma vez, sofreu com a militarização, por causa dos grandes eventos esportivos. Isso não foi – e não é – por acaso, já que a Maré está próxima a vias expressas: Avenida Brasil, Linha Vermelha e Linha Amarela. Estamos bem próximos também ao Aeroporto Internacional do Galeão.

Nesta época, era difícil a circulação pela favela ou para fora dela, já que era grande o número de policiais e de contingente da Força Nacional pelas entradas da favela. Assim como no Pan em 2007, no ano de 2013, durante a Copa das Confederações, tivemos a favela cercada mais uma vez pela Força Nacional e, enquanto tinha um mundo se divertindo e gritando “gol”, nós mareenses sofremos uma chacina. Foram 13 pessoas assassinadas pela Força Nacional e o Bope no dia 24 de junho daquele ano. Eles invadiram a favela quando moradores tentaram protestar, na Avenida Brasil, contra o aumento das passagens, a criminalização da favela e outros temas que estavam na ‘moda’ naquele momento de grandes protestos pelo país. Mas, é bom sempre lembrar: a ‘bala na favela não é de borracha, é fuzil’.
Em 2014, não foi diferente. Pelo contrário, a realidade só passou a piorar com a chegada da Copa do Mundo. No final de 2013, recebemos a notícia, por meio dos telejornais, que teríamos em toda a Maré a invasão das forças de pacificação, o Exército. O Exército ficou na Maré durante um ano e cinco meses; foi gasto 1,7 milhão por dia para a permanência dos soldados. Tanques e mais tanques de guerra circulavam livremente, a qualquer hora do dia e da noite, pelas nossas ruas. Éramos nós os alvos, os inimigos, os perigosos, os que poderiam ameaçar aquele grande evento, tudo isto só por sermos favelados.
mare

Cerca de 3,3 mil militares estavam presentes no Complexo da Maré durante os eventos esportivos para um total de 64.094, segundo dados do IBGE 2010, tabela 10, página 14. A proporção era de cerca de 1 militar para 19 moradores mareenses (Infográfico do Ministério da Defesa)



As casas removidas e cercadas por tanques de guerra foram uma constante, nesse período, na favela Salsa e Merengue [que faz parte do Complexo da Maré]. Aproximadamente 30 famílias ficaram sem suas casas, sem seus pertences, porque os soldados proibiram os moradores de buscar documentos, móveis, tudo o que construíram durante a vida. Eles não receberam nada em troca até hoje. Havia ainda a proibição de circular pelas ruas, toque de recolher, prisões, mototaxistas impedidos de trabalhar. Até para ser feita uma festa na rua era preciso a autorização do Exército. Algo que sempre foi de costume da comunidade favelada, o churrasco na rua, a convivência na rua, o nosso lazer de costume, passou a ser proibido.

Com a chegada das Olimpíadas, o que parece só um evento esportivo para quem não é favelado, para nós, significa terror, medo, mortes, caveirão, tanques, ameaças, silêncio, censura da comunicação comunitária, militarização da vida. Mais de 50 favelas foram invadidas pela Unidade de Polícia Pacificadora, as UPPs, política implementada pelo governo e pela Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro para matar pobre. Essa tal polícia chamada de cidadã tem nos matado todos os dias para levar paz aos que moram em bairros próximos a favelas e aos turistas. É perceptível que todo esse projeto nunca foi para trazer paz para as vidas faveladas e, sim, paz para os ricos, para os gringos, para a realização dos megaeventos” .
O relato acima é de Gizele Martins,moradora e jornalista do Conjunto de Favelas da Maré, e traz um panorama do que foram os eventos esportivos para a população que vive em favelas.
gizele-2

A jornalista atua há 15 anos como comunicadora comunitária das 16 favelas que formam a Maré e já trabalhou por 10 anos no jornal “O cidadão”, que circula pelo Complexo (Foto: Frame do vídeo da campanha de Freixo)



Nos últimos anos, a relação entre direitos humanos e megaeventos esportivos ganhou destaque em todo o mundo. Existem abusos e violações de direitos humanos diretamente relacionados com as preparações de grandes eventos, como remoções forçadas para a construção de novas instalações desportivas e outras infraestruturas e a exploração de trabalho ou trabalho forçado especialmente no setor da construção civil. Um megaevento esportivo tende a aumentar as violações de direitos humanos que já ocorrem na cidade ou país sede. Entre outros tipos de abusos cometidos por agentes responsáveis por fazer cumprir a lei estão violações como: restrições indevidas dos direitos à liberdade de expressão e manifestação pacífica e detenções arbitrárias de moradores de rua.

Na preparação para a Copa do Mundo de 2014, os direitos humanos foram progressivamente restringidos e violados pelas forças de segurança brasileiras. Desde 2013, as forças policiais em todo o Brasil fizeram uso excessivo e desnecessário da força para dispersar protestos, em sua maioria pacíficos, incluindo o uso abusivo das chamadas armas “menos letais” que resultou em centenas de pessoas feridas e detidas arbitrariamente, entre elas jornalistas e ativistas da mídia.
Autoridades do governo anunciaram um plano para implementar um modelo semelhante de operações de segurança durante os Jogos Olímpicos Rio 2016, levantando preocupações sobre a segurança e a integridade de manifestantes pacíficos e daqueles que vivem em
locais onde espera-se que a força militar seja empregada para policiamento, particularmente em favelas e periferias. Promessas foram feitas de que as Olimpíadas seria diferente:
“Os três níveis de governo trabalharão em conjunto para garantir um ambiente seguro e agradável para os Jogos Olímpicos. Os Jogos Olímpicos funcionarão como um catalisador de melhorias de longo prazo nos sistemas de segurança do Rio de Janeiro, representando uma oportunidade real de transformação, através de um processo que começou com os Jogos Pan-Americanos de 2007 e tem evoluído com os preparativos para a Copa do Mundo de 2014. O planejamento da operação de segurança dos Jogos Olímpicos foi baseado em uma avaliação completa da segurança e riscos relacionados realizada por peritos em gestão de riscos e segurança internacionais, trabalhando em conjunto com autoridades brasileiras competentes (…). A população em geral já está recebendo os benefícios do projeto Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) do Rio de Janeiro implantado com base em um planejamento responsável e cuidadoso.” – Resposta à pergunta nº 23 , no site oficial das Olimpíadas, sobre a segurança dos jogos.
O depoimento de Gizele Martins, moradora do Complexo da Maré, mostra que essa promessa de segurança não chegou às comunidades. Ao contrário, foram as comunidades que sofreram com o abuso das autoridades. As estatísticas também comprovam, em um parâmetro nacional, o que a jornalista ilustrou.
Durante vários anos, houve uma queda no número de homicídios decorrentes de intervenções policiais no estado do Rio de Janeiro. No entanto, em 2014, quando foi realizada a Copa do Mundo,o número aumentou em 40%, conforme documentado pela Anistia Internacional em seu relatório de 2015 “Você matou meu filho” e o dossiê realizado pelo Comitê Popular Copa e Olimpíadas Rio, também no mesmo ano.
O Comitê Popular da Copa e Olimpíada, no mesmo dossiê, identificou que pelo menos 4.120 famílias foram removidas e outras 2.486 estavam ameaçadas de remoção, por motivos direta ou indiretamente relacionados às intervenções do Projeto Olímpico.
quadro-desapropriac%cc%a7a%cc%83o

Disponível no dossiê do Comitê Popular da Copa e Olimpíadas de 2015


Orlando dos Santos Júnior, professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Ippur-UFRJ) e um dos coordenadores do dossiê afirmou à Agência Brasil que “O discurso da prefeitura tem sido no sentido de não existem remoções vinculadas à Olimpíada, exceto da Vila Autódromo”. Para o pesquisador, porém, há uma contradição nesse discurso da prefeitura, que é negar as intervenções vinculadas à mobilidade como parte do Projeto Olímpico. “Só que, no entanto, essas intervenções estão no legado de políticas públicas”. A prefeitura, segundo ele, estaria, com isso, negando os efeitos perversos das remoções.
No que refere à segurança, o pesquisador Orlando dos Santos denuncia “O Projeto Olímpico esteve associado à ideia de vender o Rio de Janeiro como uma cidade segura, […] Mas na verdade, o projeto está associado a um processo de grande violência junto aos territórios populares, sobretudo aos jovens negros, que são as principais vítimas”.
O dossiê do Comitê Popular da Copa e Olimpíadas RJ denuncia que a política de segurança para a Olimpíada de 2016 é baseada na guerra, em extrema violência, na militarização e no racismo. “Há uma política de genocídio, no sentido que a intervenção nas favelas é tão violenta que está associada ao sistemático assassinato de jovens negros”, completa.
Diante desse panorama social, apesar da Carta Olímpica estabelecer “o princípio de não discriminação” e respaldar a ideia de que os Jogos deixem um legado positivo às cidades sedes, assim como obrigá-las, mediante um código de conduta a respeitar os direitos humanos, esses princípios não estão sendo aplicados no Rio de Janeiro.
As autoridades brasileiras, bem como os organismos de regulação esportiva nacionais e internacionais, deveriam contribuir para garantir que não ocorressem as violações de direitos humanos em consequência da realização dos Jogos Olímpicos, e nem que a realização deste megaevento esportivo contribua para agravar abusos recorrentes.
Para que os megaeventos não se tornem um legado negativo às populações afetadas, é preciso haver investimento estatal para os que perderam as respectivas moradias e políticas públicas de inclusão de acesso ao esporte. Também se faz necessário um balanço sobre a forma como as autoridades violaram direitos para que tais práticas não se repitam no futuro.
 
Investir para gerar acesso
oi

Evento realizado pela ONU na British House, pós Jogos Rio 2016, reúne autoridades e participantes para debater o papel do esporte (Foto: UNIC Rio/ Pedro Andrade)



Em 2011, o Ministério do Esporte e o PNUD ( Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) assinaram o acordo para o
Projeto Por uma Agenda Nacional do Esporte, que tem como objetivo contribuir para a democratização e a universalização do acesso ao esporte e ao lazer de toda a população brasileira, ao promover a inclusão social e o exercício da cidadania por meio do desenvolvimento sustentável setorial e da implementação do Plano Decenal de Esporte e Lazer.
O Projeto tem vigência até o final de 2017, mas pode ter prazo ampliado caso seja necessário. O PNUD recomendou uma série eixos estratégicos norteadores como prática conjunta entre ONU e governo. Entre eles está o fortalecimento do Ministério do Esporte para elaborar, monitorar e implementar políticas públicas através do diálogo social. “A prática do esporte é um direito humano inalienável e deve ser entendida da forma mais universal e democrática possível com a ideia de o esporte para todos”,  declarou o representante do PNUD e coordenador residente do Sistema das Nações Unidas no Brasil, Jorge Chediek.
Por isso, a criação do Sistema Nacional do Esporte se faz necessário. bem como a renovação da Lei de Incentivo ao Esporte. “O Sistema destaca a importância do esporte como fator para melhoria de vida e inclusão social, além de visar a reestruturar políticas voltadas para essa área [Eixo Estratégico II do Sistema]”, completa Chediek.
A Constituição Federal do Brasil e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) asseguram que a prática esportiva figure entre os direitos a serem assegurados à população infantojuvenil. No entanto, para que a lei seja cumprida, faz-se necessária uma política integrada das Secretarias de Educação, da Cultura, do Esporte e da Ação Social, no âmbito municipal, bem como no estadual e no federal, de tal forma a garantir o atendimento integral da criança e do(a) adolescente, no que tange aos seus direitos fundamentais. Gláucia Diniz, membro da OAB ressalta que “As políticas públicas existem, mas muitas vezes são ações isoladas e não ocorrem de maneira articulada entre os três âmbitos governamentais”.
Nesse sentido, as parcerias fornecem uma abordagem estratégica à mobilização de recursos, para e através do esporte. São uma maneira eficaz de financiar iniciativas de desenvolvimento para questões específicas, e são instrumentos úteis para iniciativas do governo. Maneiras de mobilizar recursos incluem engajar organizações de esportes e atletas ou formar parcerias com o setor privado. “A filantropia empresarial é particularmente eficaz quando se trabalha com patrocinadores de grandes eventos esportivos ou se focaliza na propaganda relacionada a uma causa ou outras iniciativas criativas”, completa Gláucia Diniz.
Ferramentas de inclusão devem ser pautas permanentes nas agendas de governo. Só assim o esporte atingirá em sua plenitude o lema “esporte para todos”. “Isso tem que ocorrer independente de classe, cor e raça, para que a favela se sinta representada pelos atletas e não assista apenas de longe, pela televisão, os megaeventos esportivos”, finaliza Gizele Martins, jornalista e moradora do Complexo da Maré.

Redação

Lorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipiscing elit. Nam quis venenatis ligula, a venenatis ex. In ut ante vel eros rhoncus sollicitudin. Quisque tristique odio ipsum, id accumsan nisi faucibus at. Suspendisse fermentum, felis sed suscipit aliquet, quam massa aliquam nibh, vitae cursus magna metus a odio. Vestibulum convallis cursus leo, non dictum ipsum condimentum et. Duis rutrum felis nec faucibus feugiat. Nam dapibus quam magna, vel blandit purus dapibus in. Donec consequat eleifend porta. Etiam suscipit dolor non leo ullamcorper elementum. Orci varius natoque penatibus et magnis dis parturient montes, nascetur ridiculus mus. Mauris imperdiet arcu lacus, sit amet congue enim finibus eu. Morbi pharetra sodales maximus. Integer vitae risus vitae arcu mattis varius. Pellentesque massa nisl, blandit non leo eu, molestie auctor sapien.

    1

Deixe um comentário

Your email address will not be published. Required fields are marked *