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A ARTE UNDERGROUND LUTA POR ESPAÇO EM BAURU

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Quatro personagens em Bauru nos contam suas histórias de como se aventuraram no universo da cultura independente em uma cidade, em teoria, com pouco espaço para esse tipo de entretenimento noturno.

Por Nathalie Caroni

Bauru é a principal cidade do centro-oeste paulista, a mais populosa da região com cerca de 360 mil habitantes, por onde diversas mentes criativas e artísticas acabaram passando. Alguns ganharam importância nacional como o primeiro astronauta brasileiro a ir ao espaço, Marcos César Pontes, que nasceu na cidade mesmo e que ganhou uma estátua em frente ao Aeroclube de Bauru. Mauricio de Souza também encontrou inspiração para suas histórias em quadrinhos na cidade, onde as aventuras da “Turma da Mônica” nasceram.

No universo musical, a cidade também tem sua importância no meio sertanejo, com diversas casas noturnas, entre outros eventos que se dedicam ao entretenimento através desse estilo e todo o universo “caipira”. Grandes nomes nacionais do sertanejo de raiz como Tonico e Tinoco ou Leôncio e Leonel nasceram na região bauruense. Além disso, o espaço Grand Expo Bauru organiza shows com grandes nomes nacionais do sertanejo atual e reforça a cultura “caipira” da região.

Susana Nogueira Godoy, atual diretora da Divisão de Ação Cultural da Secretaria Municipal de Cultura de Bauru, explica a dificuldade de se trabalhar com cultura e arte no Brasil. A Secretaria organiza o ano todo eventos envolvendo diversos elementos da arte como dança, teatro, música dos mais diversos gêneros, shows ao vivo, e até mesmo oficinas e cursos. Na questão dos cursos, Susana relata que o retorno do público é excelente, mas que nos eventos artísticos nem sempre a organização consegue lotar a casa: “a gente ainda tem dificuldade com o público, talvez eles não venham porque nossos convidados não são muito conhecidos na grande mídia”, conta.

Em meio a essa predominância cultural sertaneja, algumas  pessoas se aventuram e se arriscam em abrir espaços que se dedicam mais ao underground e alternativo, e são as histórias dessas pessoas que iremos contar nesta reportagem. Com  repercussão mais discreta e uma divulgação mais centrada em um público específico, em um canto, um beco, em cima de uma biblioteca… É precisa olhar de perto para encontrar alguns espaços com propostas diferentes de entretenimento noturno em Bauru.

Voodoo Lounge Pub 

Voodoo

David Calleja, o dono do Voodoo Lounge Pub, prepara a área do bar antes dos primeiros clientes chegarem. (Foto: Nathalie Caroni)

Em julho de 2017, uma estreita casinha de dois andares na Av. Duque de Caxias se transformou no Voodoo Lounge Pub. O dono é o David Calleja, empresário e músico de 33 anos, que já tinha experiência com os espaços culturais de Bauru após trabalhar em lugares como o Armazém e o Instituto Cultural, onde foi sócio por um tempo. Ele conta, “eu sempre trabalhei com bar e bandas, e sempre tive vontade de ter um, um dia me deu click de que estava na hora de ter o meu próprio (bar)”, então decidiu abrir seu novo estabelecimento,  com seu ritmo de trabalho, com seus gostos musicais e estéticos.

Um dia, passou de bicicleta em frente ao imóvel que estava à venda, e teve o que ele mesmo descreve como um lampejo que serviu de incentivo para abrir o próprio negócio. David menciona que, quando visitou o lote, já havia no centro da sala, a antiga escada dourada em espiral, que foi o ponto de partida para toda a identidade visual do bar. Ele explica que se apropriou bastante da estética de bandas de rock como Beatles e Rolling Stones, que inclusive serviu de inspiração para o nome do bar com o disco de 1994 dos Stones, Voodoo Lounge.

David conta os desafios de se criar uma proposta cultural que atraia o público além do bar: “eu queria que na parte de cima fosse a parte cultural, mas o pessoal não estava subindo tanto por conta da escada ser um pouco complicada, eu já tinha também a ideia de criar uma sala de jogos lá, no começo, mas teve o problema de subir as coisas pela escada, porque não dá pra subir nada”. Ele então acabou instalando uma mesa de sinuca no andar de cima e ainda pretende futuramente ocupar o espaço com intervenções artísticas e bandas para tocar com som ao vivo, desistindo de seu plano inicial: “eu dei uma desencanada de deixar o espaço dividido entre parte cultural e bar e acabei misturando tudo”, conta.

Ele se diz satisfeito com a movimentação do bar, que gira em torno de 80 pessoas em uma noite. Além do tradicional boa música e cerveja, David organiza diversos tipos de eventos no local como exposições de arte, noites de cinema, saraus de leitura e discotecagem. Ele percebeu que esse tipo de diferencial atrai bastante o público, já que entre 100 e 150 pessoas aparecem no pub quando os eventos são divulgados. Ele conta que, no geral, o bar superou todas suas perspectivas: “está acima da expectativa, até a questão estética. Quando eu pensei no bar era como se fosse um boteco, e ele acabou se transformando num pub. O público também está muito legal e o saldo, bem positivo”, ele comemora.

David reconhece que seu bar atende um público específico da cidade, ele conta que pensou inicialmente em criar um local para um público aproximadamente de sua faixa etária, que busca um lugar agradável para conversar e não tanto para dançar. Um lugar onde jovens adultos pudessem se reunir, conversar enquanto bebem um chopp ou comem aperitivos, ouvindo rock’n roll, atendendo uma identidade específica de seu público: “eu abri pensando numa galera da minha idade, de trinta e poucos anos […] estou indo um pouco devagar na divulgação, porque eu tenho medo que fuja um pouco do controle e da proposta, e que perca um pouco as características que eu quero manter aqui”, ele explica.

Espaço Extinção 

Espaço Extinção

O ambiente do Espaço Extinção é inteiramente inspirado no universo punk e rock. (Foto: Nathalie Caroni).

Extinção Discos, Cinema e Artigos Culturais foi aberto em 2003 pelo músico e jornalista Aran Carriel. A idéia de criar o lugar surgiu como solução que pudesse se adaptar a rotina irregular de músico de Aran e sua vontade de trabalhar com algo que realmente gosta: “para conciliar meus horários, até porque eu toco também, sempre tive uns horários meio loucos, então decidi trabalhar para mim mesmo” ele conta. A loja fica no centro de Bauru, perto da Av. Rodrigues Alves. Entre as tantas outras lojas do centro comercial da cidade, o Espaço Extinção não passa despercebido. Suas grandes vitrines transparentes nos dois andares permitem que, quem passa em frente, já veja todo o universo punk que significa aquele lugar.

O negócio tornou-se uma mistura de sebo, loja de antiguidades e cinema. A maioria dos seus produtos são álbuns de vinil clássicos, alguns DVDs e livros. Todas as mercadorias estão conectadas ao universo das bandas de punk e rock clássicas. Aran explica que não consegue quantificar a variedade de produtos de sua loja: “é um pouco de cada coisa mesmo, é tudo muito instável, trabalhar com esse universo é uma loucura”. Ele conta que seus fornecedores vem principalmente de São Paulo mas que ele está sempre procurando produtos novos nas cidades que vai visitando.

O público mais regular em Bauru é limitado aos colecionadores de vinil e CD: “o comércio do vinil não tem muito padrão, cada lojista trabalha de um jeito, você tem que se envolver […] a princípio, isso dá até medo”, mas que com a prática e capacidade para se adequar a sua cidade, a loja conseguiu seguir firme.  Aran desabafa sobre essa questão do mercado em Bauru ser “um pouco parado” como ele mesmo descreve, mas que soube se adaptar para conseguir vender em outros polos de clientela como São Paulo principalmente, com um esquema de vendas online e a distância.

Aran também  promove festas veganas, oficinas, entre outros, mas o ponto forte de seus eventos é o CinExtinção. Basicamente reserva o andar de cima de sua loja com alguns sofás e pufs e projeta todo domingo à noite, gratuitamente, algum filme para os que se interessam. Ele explica seus critérios de escolha para os filmes de cada semana: “os filmes tem um foco mais artístico e menos comercial, eu não costumo passar o que é tão comum ou o que a gente costuma ver por aí na grande mídia, saindo do padrão e se baseando bastante no meu gosto pessoal também”. Ele procura trazer filmes com um certo peso psicológico ou uma mensagem diferente, e sempre divulga o filme daquela semana nas redes sociais da loja.

As noites de cinema ocorrem em um ambiente bem confortável e convidativo onde se pode levar comidas e bebidas para aproveitar enquanto assiste ao filme. Aran explica que “o CinExtinção é aberto e sempre será gratuito, a idéia é não fazer grana com isso”, que mesmo dependendo do rendimento e dos lucros da loja ele quer compartilhar deste universo com a cidade, “é um trampo muito feliz na minha vida, e o importante é compartilhar, o mais forte é isso”, ele conta.     

Exílio Art Pub 

Exílio

O Exílio nasceu como uma proposta de trazer uma casa de shows pouco tradicional valorizando a arte independente e underground da cidade. (Foto: Nathalie Caroni)

O Exílio Art Pub foi um espaço que abriu em 2012 causando um grande impacto na cidade para os artistas independentes, depois de 6 anos, acabou fechando no início deste ano de 2018. Foi um espaço dedicado à música autoral, entre outros tipos de arte alternativa, além de ter sido a casa dos donos e de seus dois gatos vira-latas. Os  proprietários, Cleber Monteiro, 30 anos, e Guilherme Kemp, 38 anos, reformaram o edifício, localizado também na Av. Duque de Caxias, durante todo o ano de 2011, no objetivo de transformar aquele espaço na “utopia maluca” que eles projetaram. Eles contam que se dedicaram por meses à reforma do lugar, inclusive morando lá durante o processo. No fim, passaram tanto tempo trabalhando na reforma que se sentiram exilados. O trocadilho rendeu a ideia para o nome da primeira festa da casa, e futuramente, no nome definitivo do pub.

A proposta que o Exílio tentou trazer para a cidade foi fornecer algo independente e alternativo não só relacionado à música, mas também à arte: “a gente quis proporcionar pra cidade uma coisa mais independente, o sonho mesmo era transformar isso tudo numa utopia inteiramente autoral, e não só na música, mas na arte, em exposições, flash tattoos, saraus de poesia e outras manifestações culturais que a gente tentou trazer” explica Kemp. Além disso, eles tentavam constantemente variar o estilo musical que era tocado no espaço, trazendo artistas não só do universo rock e punk mas também do jazz, do reggae, do maracatu e até mesmo artistas de teatro e de stand-up. Eles construíram, então, um lugar que fugia dos conceitos tradicionais de casa de shows, buscando algo que pudesse enriquecer a experiência cultural de sua cidade.

Os sócios Cleber e Kemp explicam que os frequentadores representavam uma “tribo social” muito específica da cidade e que nem sempre o público valorizava as suas  propostas, como eles mesmos definem, “underground” do espaço do Exílio. Um momento após descrever a variedade de manifestações artísticas que o Exílio comportou ao longo de seus 6 anos de funcionamento, Kemp desabafa: “ a gente tentou englobar tudo, certas coisas deram muito certo, mas alguma coisa aconteceu que tudo parece que dispersou”.  

Cleber e Kemp contam das dificuldades de se manter um espaço como esse, que defende a arte independente na cidade: “infelizmente a gente acabou sendo a única força da cidade para o autoral […] não tem outra casa na cidade que engloba isso tudo desse universo independente e underground”, lamenta Kemp. Cleber complementou a fala do sócio explicando a dessincronia da proposta do Exílio com a região: “Bauru é uma cidade que de certa forma não comporta uma casa de underground, inclusive acho que nenhuma casa comporta isso direito hoje em dia”, ele explicou que diversos lugares de antigos parceiros estão fechando pelo país ou se adaptando para um público mais comercial, citando alguns de seus antigos concorrentes na cidade.

 
A necessária diversidade cultural

Susana Godoy explica que a dificuldade de ser um empresário cultural não é exclusividade de Bauru, e fala da importância de valorizar este tipo de profissional “é difícil que o público entenda e valorize esses profissionais. Ainda existe um resquício de pensamento de que o trabalhador cultural não deve ganhar dinheiro fazendo aquilo, como se não fosse o trabalho dele. É o lavoro dele, é o talento dele, ele não pode fazer isso de graça, ele tem que ser valorizado, eu tiro o chapéu pra quem investe nisso”. Susana citou o Programa Municipal de Estímulo à Cultura de Bauru, que abre alguns editais de bolsas para pessoas físicas ou jurídicas que desejam promover a sua arte na cidade.

A diretora da Divisão de Ação Cultural conclui que não se deve baixar os braços diante da situação desencorajadora: “a oferta provoca interesse, você deve insistir nessa oferta. O público sabendo que tem ele participa. Então na verdade, a gente também talvez tenha q fazer essa oferta acontecer para ver se as pessoas não criam o hábito”; e termina comparando a situação local com São Paulo, onde existe bastante oferta para todos os tipos de gostos de entretenimento e onde ela mesma define o público como mais “acostumado” à participar dessas manifestações culturais na cidade.  

Para os interessados o Programa Municipal de Estímulo à Cultura está disponível em: http://www.bauru.sp.gov.br/cultura/pec.aspx

 

Redação

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