Após anos de restrição, casais são permitidos a terem o segundo filho, mas repensam diante da questão estrutural e econômica
O país mais populoso do mundo, com aproximadamente 1,4 bilhão de habitantes reformulou, após quatro décadas de perduração, a política do filho único. Em 2015, foi confirmado através do jornal local e oficial “China Business News”, com informações cedidas pela Comissão Nacional de Saúde e Planejamento Familiar, que a lei seria reformulada. O motivo: a diminuição perceptível na taxa de natalidade, que estava influenciando o envelhecimento acelerado da população.
A medida, imposta em 1979, visava a contenção do crescimento populacional vertiginoso, considerado nocivo ao equilíbrio econômico do país. Já em 2013, a Assembleia Nacional Popular da China tomou iniciativas que amenizavam a política, permitindo aos casais, no caso de a mãe ou o pai ser filho único, terem o segundo descendente.
Rodrigo Wolff Apolloni, doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) com formação específica em História da China, explica que as políticas de planejamento familiar são comuns no país desde 1949, quando os comunistas chegaram ao poder. Foi com essa regra que a China conseguiu quebrar a taxa de natalidade, antes de quatro filhos por família, na época de Mao Tsé-Tung.
Apolloni considera que a política de restrição, em termos de país, foi importante porque freou um crescimento demográfico que poderia se tornar insustentável – especialmente porque a China era um país muito pobre. “Não vemos uma política semelhante, por exemplo, na Índia, que ainda possui uma enorme população rural, a despeito de sua também enorme população urbana. Na Índia, o crescimento brutal da população implicou sérios problemas (econômicos, educacionais, de saúde pública e infraestrutura), algo que foi fortemente minimizado na China nos últimos anos”.
Essa flexibilização por parte do governo e das autoridades, conduzida pelo Primeiro Ministro Li Keqiang, aspirava não só o fortalecimento do mercado interno, mas também o equilíbrio entre a população economicamente ativa e a população economicamente não ativa. Ou seja, a população (adulta) que trabalha e contribui socialmente tem que assumir o suporte e a sustentação econômica daquela população (idosa) que cumpriu anteriormente seu papel social e agora se utiliza da previdência. Devido à queda preocupante da taxa de natalidade, esse sistema se tornou inviável, pois a demanda dessa última população se apresenta maior que a produção da primeira, interferindo na disponibilidade de mão de obra.
O sociólogo ressalta a importância de pensar, no caso da iniciativa governamental, que também há um pensamento focado em aspectos como o consumo e a necessidade de se manter uma base forte de consumidores internos, além da oferta de mão-de-obra e, especialmente, da sustentação econômica das atuais gerações pelas futuras. “Os mecanismos previdenciários ainda são recentes na China e as próximas gerações de trabalhadores é que irão bancar as pensões e aposentadorias das atuais gerações. Menos gente para gerar essa riqueza pode prejudicar o próprio sistema previdenciário”.
Só em 2017, o número de nascimentos sofreu uma queda de 630 mil comparado ao número do ano anterior, enquanto o percentual referente a população com mais de 60 anos passou de 16,7% para 17,3% de acordo com dados do Escritório Nacional de Estatísticas da China. A população jovem diminuiu e a população idosa, por sua vez, aumentou, levantando a questão do controle demográfico. Assim como diversas outras leis, a política do filho único também apontou exceções desde a sua implantação, como exemplo: a população rural – não mais predominante, mas significativa – era permitida a conceber um segundo filho, principalmente se o primeiro fosse uma mulher, questão cultural compreendida pelo fato de que os ascendentes almejavam a perpetuação de seu nome.
O especialista completa que apesar dos antigos mandamentos confucionistas pregarem a necessidade de descendentes do sexo masculino que mantivessem o nome da família pelas gerações futuras, os chineses de hoje, ao menos os urbanos e inseridos no contexto econômico da “Nova China”, não pensam em ter muitos filhos por esta razão e que esse fenômeno é comum a todos os países que chegam a ter uma grande parte de sua sociedade de classe média.
Aqueles que não se submetessem a essa política e tivessem mais um filho eram multados, além de perderem benefícios sociais, o que explica o grande índice de abortos na China. Outros países como Portugal e Alemanha também passaram por questões referentes à baixa taxa de natalidade e, como medida de reversão, foram criados incentivos às famílias para que tivessem mais descendentes.
Porém, os casais chineses não aderiram totalmente à nova política, devido à boa qualidade de vida, estrutura e recursos necessários para criar e educar um filho, ao passo que o governo, assim como o dos demais países citados, visa incentivos capazes de convencer esses casais. Nesse cenário, ter menos filhos equivale a “mais oportunidades de uma vida melhor, assim como a possibilidade de as mulheres trabalharem fora com menos dificuldades por conta da maternidade. Veja-se, por exemplo, o caso do Brasil: hoje, a nossa taxa de natalidade caiu imensamente e isso se deu, em parte, porque nossas mulheres estudaram mais e foram conquistar seu devido lugar no mercado de trabalho. E o mercado também não abre mão disso”, afirma Apolloni.
Segundo ele, a reformulação dessa política não influenciará, em um futuro recente, a economia de outros países, precisamente o Brasil, que gerencia a própria estabilização populacional, “é de se imaginar que um aumento da população chinesa seja algo interessante, em especial porque vendemos insumos para a China. Maior demanda, reza a regra da economia, produz preços mais altos e melhores negócios para quem vende”.
De acordo com a agência de notícias EFE, a reforma legislativa que entrou em vigor no início de 2016 não alterou o quadro das taxas de natalidade, que continuam caindo devido à resistência das próprias famílias a terem um segundo filho diante de pressões econômicas. “O fato é que a sociedade chinesa, por força da lei anterior e de sua própria transformação em uma grande sociedade de classe média urbana e de consumo, parece não ter se deixado influenciar muito. Se, antes, a lei impedia mais filhos, hoje são as pessoas que não querem mais filhos além do necessário. A maternidade ficou mais tardia, o que também influencia em relação ao número de filhos por família”, reflete o sociólogo.
Rodrigo Wolff Apolloni conclui que só o futuro dirá se a China está realmente preparada para enfrentar os reflexos dessa suspensão a longo prazo e pontua que a China vai se constituindo em uma potência econômica sem precedentes na história, com um alto nível de poupança e taxas de crescimento econômico fantásticas. Ele acredita que a China não terá como maior problema a superpopulação e sim a estagnação populacional. “Em outras palavras, a lei do filho único deu tão certo, que, junto com o desenho da “Nova China”, acabou criando um outro problema. É com esse problema, não do excesso, mas da falta de pessoas, que a China terá que lidar”.
Tags: China, controle demográfico, política do filho único
Imagem: Pixabay
Links:
https://brasil.elpais.com/brasil/2015/09/18/internacional/1442568542_648069.html
https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,china-teve-menos-nascimentos-em-2017-apesar-do-fim-da-politica-do-filho-unico,70002157054
http://g1.globo.com/globo-news/jornal-das-dez/videos/v/termina-politica-do-filho-unico-na-china/4578731/