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A desigualdade exposta em um Nobel

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O adiamento da premiação abriu uma ferida antiga da Literatura

Por Ana Laura Essi 

 

O vencedor do Prêmio Nobel de Literatura de 2018 só será divulgado em 2019, junto ao laureado daquele ano. O adiamento aconteceu devido a uma polêmica envolvendo a Academia Sueca, entidade responsável pela premiação. O escândalo começou em meio a Campanha #MeToo, que uniu mulheres do meio artístico para denunciar o assédio da área.

Em novembro de 2017, o jornal sueco Dagens Nyheter publicou os depoimentos de 18 mulheres que acusavam Jean-Claude Arnault, uma das personalidades mais influentes da cena cultural sueca, de assédio e agressão sexual. O fotógrafo é casado com a poetisa Katarina Frostenson, membro da Academia Sueca desde 1992. De acordo com a publicação, os casos datavam desde 1996, em Paris e Estocolmo, inclusive em apartamentos pertencentes à Instituição que controla o Nobel.

As mulheres relataram, em seus depoimentos, que Jean-Claude se utilizava de sua influência e contato com a Academia Sueca para pressioná-las, já que a maioria delas eram ou sonhavam em ser escritoras.

Junto de Frostenson, o fotógrafo era proprietário do Fórum, local que recebia grandes eventos, músicos, atores e escritores para apresentações culturais. O clube, que teria sido um dos locais usados por Jean-Claude para cometer as agressões, é financiado pela Academia Sueca. Dessa forma, a mulher, que é membro da Academia, decidia sobre as doações ao clube, do qual também é proprietária.

Além disso, Katarina Frostenson também foi acusada de quebrar o acordo de confidencialidade da Instituição ao vazar, para o marido, os nomes dos vencedores do Nobel de Literatura em, pelo menos, seis oportunidades. Com essas alegações, foi aberta uma investigação, em dezembro, sobre o caso e a Academia Sueca cortou todas as relações com Jean-Claude Arnault, além de deixar de enviar fundos ao clube.

No entanto, nada foi feito em relação a Frostenson. Essa falta de atitude em relação à situação da poetisa fez com que sete membros da Academia Sueca pedissem afastamento de seus cargos, deixando os assentos vagos. Os 11 membros restantes não completam o quorum mínimo, de 12 julgadores, para a escolha de um laureado. A alternativa, nessa situação, seria uma mudança no regulamento, que precisaria ser aprovada pelo rei da Suécia, Carlos XVI Gustavo. No entanto, o tempo não seria suficiente.

O Prêmio Nobel de Literatura só não foi entregue em 7 oportunidades – 1914, 1918, 1935, 1940, 1942, 1942 e 1943 – por conta de guerras ou quando a Fundação Nobel julgou que os trabalhos naquele ano não foram relevantes o suficiente para tal reconhecimento.

O PRÊMIO NOBEL

Medalha do Prêmio Nobel

Uma das Medalhas do Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina, entregue em 1950 para os pesquisadores na Clínica Mayo, em Rochester, Minnesota, EUA. (Créditos: wikimedia. Escultor: Erik Lindberg (1902), Fotógrafo: Jonathunder (2008), Design: Fundação Nobel)

O Prêmio Nobel é uma honraria concedida a notáveis realizações intelectuais que contribuem para o desenvolvimento da humanidade. Foi criado por Alfred Nobel, um grande cientista sueco que aperfeiçoou o uso da nitroglicerina. De seus estudos, resultaram a dinamite e o detonador. Foi através das patentes dessas descobertas que  o cientista conseguiu sua fortuna. Em seu testamento, ele deixou a maior parte de seu patrimônio para a criação da Fundação Nobel. O prêmio é conferido às principais mentes do mundo em seis categorias: Física, Química, Literatura, Fisiologia ou Medicina, Promoção da Paz e Ciências Econômicas.

Os primeiros prêmios foram concedidos em 1901 e, desde então, mais de 900 pessoas já foram laureadas. Essas figuras são escolhidas através de indicações de professores selecionados, vencedores anteriores, membros da Academia, entre outras personalidades importantes. Após esse processo, o Comitê avalia os indicados e manda seus relatórios para a Academia responsável, que escolhe o candidato vencedor através do voto. Os laureados são anunciados em outubro e a cerimônia de apresentação ocorre em 10 de dezembro, data que marca a morte de seu criador, Alfred Nobel.

Todos os prêmios, exceto o da Paz, são entregues em Estocolmo, pelo Rei da Suécia. O Nobel da Paz é entregue em Oslo, pelo Rei da Noruega e pelo Comitê Norueguês do Prêmio Nobel. Os laureados recebem uma quantia em dinheiro, que em 2017 somava aproximadamente 3,8 milhões de reais, um diploma e uma moeda de ouro 18 quilates com o rosto de Alfred Nobel.

DESIGUALDADE NO PRÊMIO

 Apesar de toda a importância, o Prêmio Nobel apresenta aspectos negativos quando se trata de diversidade de seus vencedores. Ao longo de 117 anos de história, poucas foram as mulheres que receberam a honraria.

Número de mulheres laureadas

Os dados foram retirados do site oficial do Prêmio Nobel. (Créditos: piktochart e freepik)

NO BRASIL

Na literatura brasileira, o cenário não é muito diferente. O perfil do escritor de Romances no Brasil permanece o mesmo há 43 anos: homem, branco, de classe média e nascido no eixo Rio – São Paulo. Essa é a conclusão que o Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea da Universidade de Brasília chegou. O conjunto, coordenado pela professora de literatura brasileira Regina Dalcastagnè, analisou 258 publicações das editoras Record, Companhia das Letras e Rocco.

De 165 autores estudados, 120 são homens, totalizando mais de 72% dos analisados. Quando se refere aos gêneros dos personagens, a pesquisa identificou 1245 personagens, sendo 773 do sexo masculino, 471 do sexo feminino e um único alocado na categoria “outro”. Além disso, em 71% das obras o protagonista era do sexo masculino. Quanto aos narradores, em 76,6% das obras a narração era feita por homens.

A pesquisa também ressaltou a importância da representatividade na literatura. Em livros escritos por mulheres, o número de personagens do sexo feminino são maiores: 52% contra com 32% em livros escritos por homens. As protagonistas também são maioria nessas obras: são 64% contra 13,8% em livros escritos por homens. Isso é presente também na narração, onde as vozes femininas representam 76,6% em obras de mulheres, enquanto os homens dedicam apenas 16,2% da narração à elas.

Outra questão levantada na pesquisa são as principais ocupações dos personagens. Enquanto para os homens, as principais atividades são de escritor, bandido ou contraventor e artista, para as mulheres é diferente. Elas são representadas majoritariamente como donas de casa – em 25% das obras analisadas -, artistas, sem ocupação ou empregadas domésticas.

O QUE AS ELAS DIZEM

JANETHE FONTES - ARQUIVO PESSOAL

Janethe Fontes é membra efetiva da Academia Guarulhense de Letras. (Foto: Arquivo Pessoal)

Janethe Fontes é escritora e tem seis livros publicados. Seus dois primeiro livros, “Vítimas do Silêncio” e “Sentimento Fatal”, tratam da violência contra a mulher. Para ela, a pesquisa de Dalcastagnè não mostra apenas a desigualdade entre homens e mulheres no mercado literário. “Ela demonstra, também, que existe um abismo imenso que separa a diversidade da sociedade brasileira e sua efetiva presença na literatura”, afirma.

Ela acrescenta que a contribuição das mulheres no mercado editorial, nos setores de produção e escrita, é grande. No entanto, “as chances de publicação em grandes editoras ainda são bem mais restritas às mulheres”, lamenta Janethe.

Luisa Geisler

Luisa foi incluída na lista de melhores escritores brasileiros com menos de 40 anos pela revista britânica Granta. (Foto: Arquivo Pessoal)

Luisa Geisler é contista e romancista. Seu primeiro livro, “Contos de Mentira”, foi vencedor do Prêmio Sesc de Literatura em 2011. Ela conta que já enfrentou situações difíceis no mundo literário. “Já ouvi comentários que se tentavam elogios do tipo ‘achava que era um homem escrevendo’, ‘escreve como homem’ ou ‘eu geralmente não gosto de livros escritos por mulheres’”, explica.

A escritora também acredita que movimentos como o #MeToo, que incentivou as mulheres a denunciarem casos de abuso sexuais na mídia, são importantes para as vítimas. “O meio artístico tende a ser mais liberal e até livre com certas coisas. Por isso, parece que a pessoa está fazendo algo errado por não querer certos avanços. Mas o meio artístico não foi feito para ser tóxico. Ele foi feito para ser aberto e democrático. E comportamentos tóxicos não serão mais tolerados”, defende Luisa.

INCENTIVO

Diante desse panorama, algumas mulheres passaram a compor movimentos que incentivam a publicação e leitura de livros escritos por escritoras. É o caso da #readwomen2014, criado pela escritora e ilustradora Joanna Walsh, em 2014. O projeto tinha como objetivo promover a leitura exclusivamente de obras de mulheres por um período de tempo, divulgando nomes de escritoras através de blogs e twitter.

Uma das razões pela qual Walsh começou esse movimento foi que, apesar das mulheres lerem mais que os homens e de seus livros também serem publicados, é mais fácil que suas obras passem despercebidas. Apesar da crescente em relação às vendas de livros escritos por mulheres, a presença feminina ainda é menor que a dos homens.

Best Sellers - New York Times

Dados do levantamento de Rosie Cima, para o pudding.cool. (Créditos: piktochart)

A iniciativa de Joanna Walsh tomou tamanha proporção que incentivou a criação do site LeiaMulheres. O projeto foi criado em 2015 por Juliana Gomes, Juliana Leuenroth e Michelle Henriques, com o objetivo de promover encontros presenciais, em livrarias e espaços culturais, e expandir a ideia de Walsh.

Segundo Michelle Henriques, o LeiaMulheres tenta mostrar para o público que a presença feminina está em todos os campos da literatura. “Queremos mostrar que mulheres escrevem todos os gêneros e são de diversos países […], que a literatura não está concentrada apenas na Europa ou nos Estados Unidos”, afirma. Hoje, o LeiaMulheres conta com grupos em 24 estados do Brasil.

O grupo de Marília, no interior de São Paulo, é coordenado Ana Laura Silva Xavier, graduada em Biblioteconomia, e Raisa Tavares de Oliveira, formada em Letras. A reunião acontece uma vez por mês, na Biblioteca Municipal de Marília, e a data é informada através de um grupo no Facebook.

As duas mulheres participam dos programa de Pós-Graduação da Universidade Estadual Paulista (UNESP) e, juntas, decidiram levar o projeto para a cidade.

Membros do grupo LeiaMulheres em uma das reuniões

No segundo encontro, o grupo discutiu a obra de Rupi Kaur, “Outras formas de usar a boca”. (Foto: Arquivo Pessoal)

Raisa destaca que a desigualdade na literatura só reflete a postura da sociedade que, historicamente, não valoriza a mulher como escritora. “Sou professora de Literatura e os livros didáticos mencionam obras de pouquíssimas escritoras […] não significa que as mulheres não escrevem, ou ainda, que não podem escrever bem. A questão é que estamos conquistando o espaço público, a Literatura, as ciências, muito depois dos homens”, explica.

O grupo também busca ser uma ferramenta de mudança da realidade.  “É extremamente necessário romper com esse paradigma e conscientizar mulheres, homens, crianças, adolescentes que não é assim que tem ser”, pontua Ana Laura.

O LeiaMulheres serve não apenas para divulgar as obras de escritoras femininas, mas também para mudar o cenário de participação da mulher na literatura. “Acredito que ao lermos mais mulheres estamos influenciando diretamente para que mais mulheres se sintam motivadas a escrever, que mais editoras percebam que precisam preencher essa lacuna dando voz às mulheres”, acredita a bibliotecária.

Elas afirmam que, quando se consome mais livros de escritoras mulheres, mais o mercado editorial nota a importância de investir e incentivar a participação das mulheres. Dessa forma, as premiações também começam a encarar essa questão de uma forma diferente.

A Festa Literária de Paraty, conhecida como Flip, é um exemplo dessa mudança. Em 15 anos, apenas três mulheres foram homenageadas no evento – Clarice Lispector, Ana Cristina Cesar e Hilda Hist. No entanto, a premiação do ano passado contou com mais da metade dos convidados do sexo feminino. Eram 24 mulheres e 22 homens, distribuídos em 22 mesas de debate.

Essa transformação de uma premiação tão importante da cena literária brasileira mostra não só que é possível alterar a forma com que a mulher é tratada na Literatura, mas que isso está acontecendo nesse momento.

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Redação

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